segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Dilma refém do PMDB

Acabo de chegar de Mato Grosso do Sul. Voltei muito preocupada com a possibilidade de golpes em cascata em toda a América do Sul. A situação ambiental na região Centro-Oeste que conheci há 50 anos, quando meus pais deixaram o Paraná, é desoladora. O agronegócio passa por cima de tudo e de todos como um trator. Para meu desespero, quando voltei ao Rio, onde moro há dezenas de anos, meu colega de blog Rodrigo Brandão alertou-me que o deputado Henrique Alves (PMDB-RN) seria o presidente da Câmara. Não dormi mais. As imagens de Alves afrontando o governo Dilma durante a reforma do Código Florestal não saíam das minhas retinas. Assim, mesmo com problemas domésticos e de saúde, pedi ao Rodrigo que me ajudasse a fazer uma pesquisa e construir um texto para mostrar o perigo que significa Henrique Alves presidente da Câmara e o risco que correríamos se o PT entregasse as duas Casas legislativas ao PMDB.
Zilda Ferreira

Cenário ameaçador se desenha para os próximos dois anos, caso PT abra mão do comando da Câmara e do Senado

Alves: na presidência da Câmara, ele pode desestabilizar governo Dilma

Por Rodrigo Brandão* e Zilda Ferreira**

Em 2010, durante a discussão de alianças para as eleições gerais daquele ano, PT e PMDB fecharam um acordo. Com a perspectiva de elegerem bancadas numericamente muito próximas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, os dois maiores partidos brasileiros e líderes da Frente Brasil Popular combinaram um rodízio de presidentes nas duas Casas para a legislatura 2011-15. Meses atrás o presidente do PT, Rui Falcão, foi aos líderes do PMDB reiterar a vigência do "pacto", o que significa que em fevereiro toda a bancada petista, a maior da Câmara, deve ajudar a eleger o deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) presidente para o biênio que encerra a legislatura, a terminar em janeiro de 2015.

Aí entra um problema, apontado por algumas lideranças do PT no Legislativo. Nenhuma menção ao Senado foi feita. E o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) já se lançou candidato à sucessão de José Sarney, para a qual é favorito absoluto. Mesmo porque no Senado, ao contrário da Câmara, o regimento não permite candidaturas avulsas. Ou seja, somente candidaturas indicadas diretamente pelos partidos são aceitas, uma por partido.

Renan Calheiros pode ser um presidente do Senado melhor do que foi José Sarney. Alvo constante de campanhas difamatórias por parte da grande imprensa, Calheiros poderá ser mais permeável aos projetos de lei ligados a esse campo que a esquerda luta para emplacar no Brasil. Como um guarda-chuva a abarcar os pontos principais desta agenda está a reforma do marco regulatório das comunicações, mas podemos aí enumerar a desconcentração da propriedade de mídias e o próprio fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação, além da recuperação de aspectos fundamentais da Lei de Imprensa derrubada pelo STF – como o direito de resposta. Em resumo, lutamos por uma “Ley de Medios” aos moldes daquela aprovada na Argentina.

Há também no horizonte a necessidade de aprovação do Marco Civil da Internet, cujo texto (construído por lideranças do Parlamento em conjunto com ativistas pelas mídias livres) tramita por comissões. O Marco Civil é fundamental para garantir neutralidade da rede e que o Brasil se imponha a tentativas monopolistas – e censoras – surgidas na arena internacional, com uma legislação progressista e soberana.

A alternativa Requião
Por outro lado, um senador como Roberto Requião (PMDB-PR), que em seus dois últimos mandatos à frente do governo do Paraná (2003-10) implantou várias políticas para a democratização das comunicações e tem sido leal ao governo democrático-popular, seria certamente um nome ainda mais adequado para liderar a Câmara Alta no biênio que encerra a atual legislatura. Biênio esse que coincide com os dois últimos anos do (esperamos) primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Requião é um nacionalista e um progressista, é o governador que parou o Porto de Paranaguá para impedir embarque e desembarque de soja transgênica. Lideranças como ele, à frente do Legislativo, significam que retrocessos como a derrubada da portaria presidencial que restringe compra de terras por estrangeiros, caso passem na Câmara, dificilmente passem sem resistência pelo Senado.

Tudo isso leva em conta um cenário em que o acordo PT-PMDB de 2010 não é cumprido na sua totalidade, mas apenas em parte. Se realmente "acordo político foi feito para cumprir", como tem repetido Rui Falcão, o PMDB estaria obrigado a incondicionalmente apoiar um nome do PT para a presidência do Senado. Que poderia ser o piauiense Wellington Dias ou o acreano Jorge Vianna. Não vai acontecer, tudo indica.

Voltemos então nossas atenções à Câmara. E aí vem, além do problema com a “palavra dada” pela metade e que pode transformar-se em impasse, um impasse ainda maior e que ameaça a própria continuidade do projeto político que elegeu Lula em 2002 e 2006 e Dilma em 2010. Com o PMDB senhor das duas Casas Legislativas e Michel Temer, outro peemedebista, vice-presidente da República, praticamente toda a linha sucessória da presidenta Dilma Rousseff passa a ser formada por filiados a apenas um dos partidos que compõem a coalizão de governo.Lembremos que esse mesmo partido, hoje base do governo Dilma, participou da coalizão liderada por Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002, antes de apoiar a primeira candidatura presidencial de José Serra. Dilma ficaria então refém, na governabilidade e na própria sustentação do projeto político do PT, de um partido que levou alguns anos para desembarcar no governo Lula.

Eleição de Henrique Alves pode afetar governabilidade
O nome apontado até o momento pelo PMDB para presidir a Câmara dos Deputados é motivo de grande inquietação. Henrique Alves é membro da bancada ruralista e foi uma das principais lideranças do Congresso Nacional na articulação para aprovação e na própria defesa da reforma do Código Florestal, um dos piores retrocessos da nossa história republicana e que acabou por constranger a presidenta Dilma às vésperas da Rio+20. Mesmo com a clara orientação do Planalto a sua base para que barrasse os pontos fundamentais do projeto de lei, o líder do PMDB orientou sua bancada no sentido contrário e ainda articulou apoios em outros partidos governistas para atropelar um acordo construído por toda a base aliada no Senado, que atenuava os aspectos mais negativos da reforma. 

Alves contribuiu assim diretamente para abalar a credibilidade do Brasil diante do mundo inteiro num momento dos mais delicados, talvez o maior desafio do governo Dilma no campo geopolítico. Depois de afrontar o governo, está prestes a ganhar de presente a direção da Câmara Baixa e com o apoio do PT. 

Com os ruralistas chegando de corpo e alma ao comando da nave-mãe do Poder Legislativo, é de se esperar que todos ou pelo menos a maioria dos pontos constantes em sua agenda ganhem selo de urgência ou urgência urgentíssima, garantias de que determinado projeto de lei terá celeridade e prevalência diante de outros. Entre as prioridades ruralistas está, para substituir a portaria do Poder Executivo – baseada em um parecer da Advocacia Geral da União – que restringe compra de terras por estrangeiros, a aprovação de uma lei escancarando o mercado de imóveis rurais ao capital externo.

Em toda a região Centro-Oeste é grande a campanha para derrubar essa restrição imposta pelo governo Dilma. O agroimperialismo ganha cada vez mais terreno e assim pode acelerar a ocupação dos cerrados com as culturas intensivas da soja e da cana-de-açúcar (biocombustível), além da pecuária intensiva. É um processo que desrespeita as peculiaridades do bioma e massacra as populações indígenas, com o objetivo de produzir commodities para exportação. Completando o cenário de horrores no Centro-Oeste, crescem as pressões para que o governo libere a instalação de dezenas de pequenas hidrelétricas no Pantanal, além de usinas de álcool. 

A respeito da questão indígena, há mais uma ameaça no horizonte e que pode transformar-se em pesadelo ao termos uma liderança negativa como Henrique Alves à frente da Câmara. É que outra prioridade da bancada ruralista para os próximos anos legislativos é a reforma do Código Mineral, defendida de peito aberto inclusive por latifundiários que sonham ocupar o Ministério da Agricultura. Com a reforma, os ruralistas pretendem abrir caminho à concessão de licenças para mineração dentro de reservas indígenas.

Tanto a liberação da compra de terras por estrangeiros como a reforma do Código Mineral são projetos de lei que já passaram em comissões justamente na Câmara dos Deputados, obviamente dominadas por ruralistas e seus representantes. Por sinal, o nó político-parlamentar que vivemos hoje, com o setor agropecuário superrepresentado (para dizer o mínimo) no Congresso Nacional, em grande parte se deve às falhas do sistema político e eleitoral brasileiro. Uma reforma política, implantando o financiamento público de campanhas, é urgente. Com o PMDB aliado ao latifúndio concentrando tanto poder, trata-se apenas de um sonho distante. 

Câmara dos Deputados sob liderança de forças progressistas
Já que o PMDB se dispõe a cumprir apenas parte do acordo de rodízio, infelizmente sem ao que parece grande resistência do PT, que seja esse “pacto” adiado para outro momento ou congelado ad eternum. Em lugar de entregar as duas Casas Legislativas e deixar Dilma Rousseff “nas mãos” de um dos dois grandes partidos da base, seria melhor então que o PT mantivesse o comando da Câmara. Nomes não faltam. O pernambucano Fernando Ferro, o baiano Emiliano José e o paulista Paulo Teixeira são lideranças comprometidas com a necessária (e urgente) regulação da mídia e, no caso de Ferro, trata-se de um deputado com histórico marcado pelo respeito ao meio ambiente.

A particularidade na Câmara é que ali, onde o regimento permite candidaturas avulsas, começam a surgir sinais de que haverá dissidência. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) já manteve conversas com lideranças de pelo menos quatro partidos e o PDT, outro integrante da base de governo, já sinalizou que pode apoiá-lo. O PSB nos abre pelo menos duas alternativas que trariam ao menos mais pluralismo à cúpula do Legislativo, além disso melhorando a interlocução com a agenda dos movimentos sociais: Beto Albuquerque (PSB-RS) mas, principalmente e enfaticamente, Luiza Erundina (PSB-SP; foto).


Albuquerque é um apoiador de primeira hora dos governos Lula e Dilma, mas Erundina é uma líder política nascida na Paraíba e eleita em 1988 a primeira mulher prefeita de São Paulo, responsável pela até hoje considerada melhor gestão que a “mais brasileira das cidades brasileiras” – por reunir em profusão gente de todas as partes do país – viu. Erundina tem sido uma líder incansável na defesa de pautas como a Comissão da Verdade e a Lei de Transparência Pública, ambas saídas do papel em grande parte graças ao esforço da deputada, a revogação da Lei de Anistia e a regulação da mídia. Com Erundina à frente da Câmara, os movimentos pelos direitos humanos ganhariam uma importante interlocutora. Erundina é também uma liderança que agrega, que colocaria o PSB pela primeira vez no comando do Poder Legislativo Federal e poderia ajudar a aparar certas arestas entre os governistas.

As cartas estão na mesa. Num ano que promete ser dos mais difíceis, quando embates duros deverão ser travados tanto na arena doméstica quanto fora de nossas fronteiras – mas nos interessando diretamente, sobretudo os próximos às fronteiras –, podemos o PT e a esquerda aproveitar a eleição das Mesas Diretoras do Legislativo para dar uma nova cara ao Congresso Nacional. É fundamental neste momento oxigenar a própria base de apoio ao governo, agregando seus membros e mobilizando-os em torno de projetos que motivaram a própria candidatura Dilma Rousseff em 2010.
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** da Equipe do Blog EDUCOM