domingo, 27 de outubro de 2013

Morrendo de sede em Foz do Iguaçu

Por Zilda Ferreira*

Imagine no país mais rico em água do planeta, em cima do rio e em baixo das Cataratas do Iguaçu, você só poder beber água mineralizada da Coca-Cola a R$ 3,50, contra-indicada às pessoas que têm problemas de saúde. Não é lógico. É um desrespeito à Resolução da ONU 64/292, que estabelece como Direito Humano Água e Saneamento. Essa resolução foi aprovada em julho de 2010, a partir de moção da delegação boliviana

Enquanto caminhava, na trilha de quase um quilômetro que contorna as Cataratas, observava água fresca minando das pedras, mas com um aviso: era imprópria ao consumo. A sede aumentava. Antes de chegar à Foz do Iguaçu, uma colega sugeriu que solicitasse à assessoria do Parque Nacional do Iguaçu uma visita. Argumentei que estava voltando à terra natal, pois nasci próximo dessa região, em Santo Inácio, e não pretendia ter nenhum compromisso, era apenas uma turista.

O meu orgulho de ser paranaense e minha esperança de que meu estado ainda preservava alguns de seus tesouros, como as Cataratas, morriam um pouco. Entregaram tudo. O esplendor do lugar era um sonho, mas em seguida vinha o pesadelo, nada daquela beleza era mais nossa. O Parque Nacional do Iguaçu atualmente é administrado por cinco concessionárias, sendo a principal Cataratas S/A. E a Coca-Cola reina em Foz do Iguaçu. Não encontrei água, nem no hotel, a não ser da Coca-Cola.

Á noite fui convidada para ir a Puerto Iguazú, Argentina, na Tríplice Fronteira. Passamos no "Ice Bar", onde pude beber uma água mineral de verdade, mas a 15 pesos uma garrafinha, mais caro do que uma grande compota de belos pêssegos amarelos e do que meio quilo de excelentes azeitonas, na feirinha da fronteira. Me lembrei do livro de cabeceira 'O Ouro Azul - Como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta', de Maude Barlow e Tony Clarke. Jantei e não conseguia mais ser apenas turista.

No dia seguinte parti para Toledo, onde ia encontrar Moema Viezzer, autora de 'Se Me Deixam Falar - Domitila', sobre a ativista boliviana Domitila Chungara. Moema me havia convidado para o 'Tinkuniche' (em guarani, Nosso Encontro), que seria uma conversa sobre os problemas indígenas da região da Tríplice Fronteira. Moema e o marido, o historiador e antropólogo Marcelo Grondin, foram me buscar no hotel para que eu conhecesse a cidade. Estava impressionada com a limpeza e a riqueza do lugar - Toledo é uma cidade próspera, centro universitário e cultural do oeste do Paraná. Passamos por um belo lago e continuamos a circular, quando de repente veio um cheiro insuportável. Depois de explicar o porquê desse odor, o senhor Grondin informou que já havia enviado várias reclamações às autoridades do município. Ele sugeriu que eu reclamasse também, pois encontraria várias autoridades no 'tinkuyninche'.

Estávamos todos reunidos, aguardando a chegados das lideranças indígenas na Secretaria de Cultura, quando me apresentaram o irmão do prefeito e alguns vereadores. Aproveitei para perguntar o porquê do odor insuportável no final da tarde do dia anterior. Assessores tentaram me explicar que estavam tomando providências, mas lembrando que em Toledo fica a sede de produção e o laboratório da Sadia. E que na região há mais cabeças de suínos do que gente. Um vereador do PV argumentou que providências para sanar o problema já foram tomadas e que uma empresa francesa foi contratada para tratamento dos resíduos. Repliquei – excelente marketing ambiental. 

A reunião com os índios começara. Havia lideranças principalmente das fronteiras, onde os problemas parecem mais graves, porque a maioria dos índios não tem documentos e por isso não podem provar a nacionalidade. Os índios voltaram a lembrar que 33 aldeias foram para debaixo d'água em Itaipu e que do lado paraguaio a situação é mais grave. Além dos índios brasileiros e paraguaios havia também representantes do Equador e mapuches do Chile.

Mas o que emocionou no encontro foi o depoimento de Marcelo Grondin, um verdadeiro intelectual orgânico. Grondin amou tanto os índios bolivianos que abriu mão da nacionalidade canadense para ter a boliviana. Além disso, criou o Método Quechua, língua dos Incas e o Método Aymara, língua da etnia de Evo Morales. Depois, foi perseguido pelo governo Hugo Banzer, que lhe tirou a nacionalidade, foi exilado no México e voltou ao Canadá como imigrante para reaver sua nacionalidade. Quando acabou a ditadura Banzer, voltou a ser boliviano. Grondin é um estudioso da história do líder Tupaj Katari, da revolução indígena boliviana de 1779/1781. Para Marcelo Grondin a maior conquista do Continente ainda é tomada do poder pelos povos originários bolivianos, por via democrática: a eleição do presidente Evo Morales, em 2005.

Desinformação e desrespeito ao direito à água

Viajar pelo país e constatar o império da Coca-Cola de norte a sul é desolador. Até mesmo a Fundação Amazonas Sustentável, criada pelo governo amazonense em 2007 e responsável por implantar a tal Bolsa Floresta - para serviços ambientais -, tem como um dos presidentes de seu Conselho um executivo da multinacional. Além da Coca-Cola, as concessionárias estrangeiras de água reinam por todo o Brasil, sem o menor respeito à Resolução 64/292. Não por acaso as nações hegemônicas odeiam o presidente Morales. Além de ter proposto a resolução, a Bolívia expulsou a Coca-Cola e as concessionárias de água. 

A relatora especial da ONU para o Direito Humano à Água e Saneamento, Catarina Albuquerque, enviou uma carta aos países participantes da Rio+20, em junho de 2012, pedindo a garantia do Direito Humano à Água no documento  final da Conferência. Porém, essa garantia não consta em nenhum documento divulgado para conhecimento público.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20. Canadá, Reino Unido e a delegação da União Européia tentaram enfraquecer e derrubar essa Resolução. Os interesses são incalculáveis. Imagine que Vivendi e Suez, duas empresas francesas, controlam quase 70% do mercado de água do mundo - a Europa é o continente mais pobre em água do planeta.

Mas o que não se pode compreender é que na Semana Internacional da Água, em 2013, uma revista do porte de Carta Capital e um veículo da mídia brasileira especializada como a Folha do Meio Ambiente, mesmo trazendo matérias de quatro páginas, não tenham mencionado o Direito Humano à Água em uma linha sequer. Ao não fazer qualquer referência ao direito da população a água potável e saneamento básico, a mídia deixa de cumprir seu papel de informar e conscientizar sobre essa prerrogativa inalienável.

Na volta a Foz do Iguaçu, sentei ao lado de uma jovem mestranda em Tenologias Ambientais na UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ela contou que pretende trabalhar na área de saneamento, por ser este um mercado em expansão. Logo lhe perguntei se conhecia a Resolução 64/292. Disse que não e, para justificar, explicou que não estudava legislação e sim tecnologias. Para minha surpresa, o único lugar público onde encontrei água de graça, no Paraná, foi nesse ônibus que me levava de volta a Foz do Iguaçu, onde pegaria o avião para o Rio de Janeiro.

*em visita à terra natal, que não conhecia, durante a segunda quinzena de outubro de 2013

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sábado, 26 de outubro de 2013

Os lances de Libra e o lance de 2014

25/10/2013 - Wanderley Guilherme dos Santos (*)
- no site Carta Maior

Os conservadores quase acertaram: o exitoso leilão de Libra pode não conquistar muitos votos em 2014, como seria, segundo eles, uma das idéias subliminares da decisão do governo.

Mas tirou-lhes da boca o açúcar que o fracasso da licitação proporcionaria.

Eleições são assim mesmo, desafinadas. Em alguns casos ganha-se pouco, mas deixa-se de perder muito. Era o caso de Libra e faltou aos conservadores o domínio do fato.

Primeiro, batalharam para derrotar, no Congresso, a mudança do regime de concessão para partilha das reservas do pré-sal.

Depois previram que o edital era inteiramente hostil ao setor privado, e apontavam para a desistência de duas conhecidas predadoras dos recursos naturais do planeta como prova da denúncia.

Por fim, torceram para que não se formasse qualquer consórcio alternativo ao acordo entre a estatal brasileira, Petrobrás, e as estatais chinesas, configurando quiçá uma das “resignificações identitárias” do chavismo estatal no esquisito vocabulário do ambientalismo marineiro. Outra bola fora.

Além das estatais, participaram do conglomerado duas outras respeitáveis senhoras do comércio internacional do óleo: Shell e Total.

Para estragar definitivamente a digestão dos conservadores, o governo ainda criou, de quebra, uma empresa para controlar a exploração do campo de Libra e assegurar que sejam destinados à educação e à saúde os milhões de reais determinados em lei.

Dizem agora que as condições apresentadas pelo consórcio vencedor seriam melhores se forçado a uma concorrência, inviabilizada pelo edital.

Dá-se que a concorrência processou-se antes, tal como confessado pelo representante da Repsol, quando as demais se deram conta de que não poderiam oferecer condições melhores do que as propostas pelo consórcio vencedor. 

Ou melhor, quando perceberam que o representante do consórcio vitorioso estava preparado para cobrir propostas concorrentes.

Não foi por acaso que só depositou seu lance aos quarenta e cinco segundos do terceiro e último minuto da disputa.

Fazer pouco caso do resultado com que agora desfilam os conservadores lembra a fábula da raposa e as uvas com a adaptação de que, no caso, foram elas as uvas, bem degustadas pela raposa.

Os frutos mais suculentos do leilão histórico estão no futuro e, em 2014, mencionar o evento seja algo abstrato para o eleitor médio.

Um fracasso, contudo, carregaria um potencial de desânimo e descrédito governamental bastante superior aos votos que, ocasionalmente, a memorável vitória propicie. O que nos trás de volta ao desafinado das eleições.

Tanto quanto e por vezes mais do que o apoio conquistado pelo trabalho realizado é o que se subtrai ao que o adversário conquistaria caso contrário.

Importa menos, por exemplo, que os governos Lula-Dilma tenham construído mais universidades do que em toda a história da República, não obstante ter sido e reeleito um presidente da República professor universitário, do que impedir a oposição de alegar ausência de atenção ao ensino superior.

E o mesmo se aplica ao ensino médio, fundamental e técnico. No limite, a vitória é certa quando o adversário não tem discurso.

Sem ter o que anunciar que fariam, resta aos candidatos a candidatos da oposição enfatizar o “como” fazer.

Por enquanto tem sido o blá,blá,blá de sempre: mais eficiência e mais honestidade. Nenhum deles, todavia, por si ou por seus familiares, possui currículo impecável em qualquer dos dois tópicos.

Marina [Silva, acima] não é sombria e prá baixo só quando se apresenta e fala. Ela confunde eficiência com inação e negativismo, tal o legado que deixou no ministério que ocupou quase até o fim do governo Lula.


E passada a lua de mel com a oposição tradicional, Eduardo Campos [acima com Aécio Neves], se ainda for candidato, terá que se haver com o tratamento que lhe darão Aécio Neves e/ou José Serra. E estes entre si e com Campos. Problemão.

Eleições não se decidem apenas com votos pessoalmente conquistados, mas também com aqueles perdidos pelos outros.

Conquistar o máximo com um mínimo de perdas é o cálculo de ouro em que são mestres os grandes estadistas.

Lula, por exemplo.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Os-lances-de-Libra-e-o-lance-de-2014/4/29324

(*) Wanderley Guilherme dos Santos [foto] é professor e cientista político.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Mapa da desigualdade em 2013: 0,7% da população detém 41% da riqueza mundial

17/10/2013 - Dodô Calixto
- da Redação do site Opera Mundi

Nova pesquisa revela que PIB mundial atinge maior valor da história, mas divisão segue extremamente desigual
    
Cinco anos depois do início da crise econômica mundial, marcada pela quebra do banco norte-americano Lehamn Brothers, os indicadores financeiros seguem apontando para uma concentração da riqueza ao redor do globo.

De acordo com o relatório "Credit Suisse 2013 Wealth Report", um dos mapeamentos mais completos sobre o assunto divulgados recentemente, 0,7% da população concentra 41% da riqueza mundial.

Em valor acumulado, a riqueza mundial atingiu em 2013 o recorde de todos os tempos: US$ 241 trilhões. Se este número fosse dividido proporcionalmente pela população mundial, a média da riqueza seria de US$ 51.600 por pessoa. No entanto, não é o que acontece.

Veja abaixo o gráfico da projeção de cada país se o PIB fosse dividido pela população:


A Austrália é o país com a média de riqueza melhor distribuída pela população entre as nações mais ricas do planeta. De acordo com o estudo, os australianos têm média de riqueza nacional de US$ 219 mil dólares. 

Apesar de serem o país mais rico do mundo em termos de PIB (Produto Interno Bruto) e capital produzido, os EUA têm um dos maiores índices de pobreza e desigualdade do mundo.

Se dividida, a riqueza dos EUA seria, em média, de mais de US$ 110 mil dólares. No entanto, é atualmente de apenas US$ 45 mil dólares - menos da metade.

Entre os países com patrimônio médio de US$ 25 mil a US$ 100 mil, se destacam emergentes como Chile, Uruguai, Portugal e Turquia. No Oriente, Arábia Saudita, Malásia e Coreia do Sul.

Líbia é o único país do continente africano neste grupo. A África, aliás, continua com o posto de continente com a menor riqueza acumulada.

Mesmo com o crescimento da riqueza mundial, a desigualdade social continua com índices elevados. Os 10% mais ricos do planeta detêm atualmente 86% da riqueza mundial. Destes 0,7% tem posse de 41% da riqueza mundial. 

Veja no gráfico abaixo a pirâmide da riqueza. Apenas 0,7% da população detém US$ 98,7 trilhões de dólares:


Os pesquisadores da Credit Suisse também fizeram uma projeção sobre o crescimento dos milionários ao redor do mundo nos próximos cinco anos.

Polônia e Brasil, com 89% e 84% respectivamente, são os países que mais vão multiplicar seus milionários até 2013.

No mesmo período, os EUA terão um aumento de 41% do número de milionários, o que representa cerca de 18.618 de pessoas com o patrimônio acima de 1 milhão de dólares.


Em meados deste ano, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgou um estudo sobre o crescimento da desigualdade social nos países desenvolvidos, como consequência da crise financeira.

A organização diz que o número de pobres cresceu entre 2010 e 2011 em 14 das 26 economias desenvolvidas, incluindo EUA, França, Espanha e Dinamarca.

Nos mesmos países, houve forte aumento do desemprego de longa duração e a deterioração das condições de trabalho. 

Atualmente, o número de desempregados no mundo supera os 200 milhões.

Em contrapartida, entre os países do G20, o lucro das empresas aumentou 3,4% entre 2007 e 2012, enquanto os salários subiram apenas 2,2%.

Segundo informações da imprensa europeia, na Alemanha e em Hong Kong, os salários dos presidentes das grandes empresas chegaram a aumentar 25% de 2007 a 2011, chegando a ser de 150 e 190 vezes maiores que o salário médio dos trabalhadores do país. Nos Estados Unidos, essa proporção é de 508 vezes.

Centro comercial em Hong Kong: um dos maiores centros empresariais e de riqueza do mundo - Wikicommons

América Latina
Na contramão das grandes potências, a situação econômica e social da América Latina melhorou.

Entre 2010 e 2011, 57,1% da população dos países da região estava empregada, um ponto percentual a mais que em 2007, último levantamento antes da crise financeira internacional.

Em alguns países, como Colômbia e Chile, o aumento superou quatro pontos percentuais. Com o aumento do trabalho assalariado, cresceu também a classe média. Na comparação entre 1999 e 2010, a população dentro do grupo social cresceu 15,6% no Brasil e 14,6% no Equador.

No entanto, a OIT destaca que a região ainda enfrenta como desafios a desigualdade social, maior que a média internacional, e o emprego informal. A média da região é de 50%, sendo que em países mais pobres, como Bolívia, Peru e Honduras, supera os 70%.

Em todo o mundo, a organização afirma que há mais de 200 milhões de desempregados. A expectativa é que, ao final de 2015, esse número chegue a 208 milhões.

Fonte:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/31831/Mapa+da+desigualdade+em+2013+07+da+populacao+detem+41+da+riqueza+mundial.shtml

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pedro Dória, de O Globo, e os "amadores"

23/10/2013 - O debate em que Pedro Dória, de O Globo, achou que os outros eram amadores
Publicado por Renato Rovai em Mídia

Durante o dia de ontem [22], amigos me chamaram a atenção para um debate realizado em evento do site Youpix que contou com a presença do jornalista Pedro Dória (O Globo), Rodrigo de Almeida (IG), Alexandre Inagaki (blogueiro), Rafucko (video-maker) e do Carioca (Mídia Ninja). Fui assisti-lo ao final da noite, na verdade, na madrugada.

Por mais uma vez o discurso da mídia tradicional levou de lavada da garotada que está nas ruas com a mão na massa. Pedro Dória [foto], que se arvorou em defensor da mídia tradicional, disse coisas como: “O que o jornalista faz é diferente do que vocês fazem”.

E as pessoas que estão na rua têm “obsessão por calar uma voz”, referindo-se à Rede Globo de Televisão.

Se o amigo quiser assistir a parte mais quente do debate (segue abaixo) pode fazê-lo indo até o minuto 24 e seguindo até o 33. Neste trecho se concentra o principal da polêmica.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=i7WVIJERmmo



Esses dois pontos levantados por Dória são interessantes para a reflexão do que estamos vivendo. No primeiro, ele se refere ao exercício do jornalismo idealizado. Aquele em que o repórter faz o seu trabalho de forma independente, buscando ser fiel aos fatos, e oferece sem máculas o fruto do seu trabalho ao respectivo público.

Não é o caso, aqui, de revirar o debate acerca da imparcialidade. Dória, jornalista inteligente, não usou essa palavra. Num tempo não muito distante, jornalistas arvoravam-se imparciais. Hoje, já aprenderam algo sobre o mito da imparcialidade.

Mas esse jornalismo ideal (ou tradicional, como preferiu Dória) é o que de fato tentam fazer os veículos corporativos? Ou seria mais justo dizer que esses veículos se tornaram máquinas midiáticas a serviços de grupos econômicos? E que hoje têm negócios em diversas áreas e defendem seus interesses utilizando-se dos seus instrumentos de informação?

Cada vez mais pessoas vêm dando respostas a essas perguntas que contradizem a hipótese de Dória, e por isso a mídia tradicional tem perdido espaço no mundo inteiro. E por isso também e por conta dos novos adventos informacionais, está se consolidando uma outra esfera pública concorrente à mediada.

Yochai Benkler [foto], num livro ainda não traduzido para o português (Weath of Networks – A riqueza da redes), chamou-a de esfera pública digitalmente interconectada.

Podemos agregar a isso o fato de que ela também é colaborativa e informativa.

E composta não só por midiativistas ou comunicadores eventuais (algo que [Manuel] Castells [foto] numa boa definição denomina de auto-comunicação de
massa - mass self-comunication), mas também por outros veículos de comunicação.

Que não são tradicionais e nem ligados a grupos econômicos.

O ecossistema comunicacional é hoje muito diferente da simplificação que Dória propõe: amadores x profissionais ou engajados x independentes.

A explosão de veículos de mídia traz novos componentes para se pensar este ambiente.

No debate de ontem [22], por exemplo, Dória fez loas a um vídeo que foi produzido recentemente por um jornalista de O Globo, onde um policial militar plantava morteiros na bolsa de um manifestante.

A narrativa de Dória (assistam ao vídeo) é cheia de firulas. Poderíamos classificá-la no gênero de jornalismo dramático, algo que não é muito aconselhável para quem quer defender a 
racionalidade jornalística.

Ele vai detalhando a história, buscando emoldurar os fatos com detalhes pouco importantes, para que no final você venha a descobrir que O Globo conseguiu flagrar um policial plantando um morteiro numa bolsa de um manifestante.

Acontece que no dia 13 de junho um garoto com aproximadamente 500 seguidores flagrou um PM de São Paulo quebrando o vidro de uma viatura.

Este vídeo foi assistido por 2,5 milhões de pessoas e se tornou fundamental para desmascarar a ação policial e mobilizar muitos dos milhares que foram ao Largo da Batata no dia 17 protestar, não contra o aumento da tarifa, mas também contra a repressão.

Ou seja, o mínimo a dizer é que O Globo chegou muitíssimo atrasado nessa história. 

Provavelmente ou porque não estava fazendo jornalismo (tradicional, profissional ou seja o que for) nas ruas ou porque esse tipo de pauta não interessava. Aliás, isso é bem comum no dito jornalismo tradicional. Há pautas que interessam e outras que são proibidas.

Por exemplo, quando será que um debate como o de ontem será transmitido pela TV Globo?

Quando teremos um Profissão Repórter, um Globo Repórter ou um Fantástico com o tema da democratização das comunicações?

Ou quando a Globo vai debater de forma ampla as falcatruas no futebol brasileiro? Ou a Globo como dona do futebol brasileiro não trata seu produto e seus parceiros, de um jeito, digamos, mais carinhoso?

Será que estão querendo calar essa voz?

Dória falou de calar vozes, com voz grave, dando ao seu discurso um toque de autoridade e seriedade dramáticos.

Calar vozes em relação a Globo, Dória? Você de fato está falando sério? 

Existem exemplos às pencas do contrário, mas vamos a um recente. E que envolve um jornalista da emissora.

Jorge Pontual [foto], num debate da Globo News sobre o Mais Médicos, elogiou o sistema de saúde cubano.

No portal Globo.com o vídeo foi publicado sem este trecho.

A ação dos internautas foi o que fez a emissora voltar atrás. Isso é calar vozes. Isso é interditar o debate.

Mas para não parecer que daqui a gente só faz birra. Concordo com Dória num ponto.

Ele defendeu, contrapondo-se a Rafucko [foto], que vivemos numa democracia e que nosso sistema político é muito diferente de uma ditadura. Tem razão. Democracia é isso, algo imperfeito.

Mas a nossa precisa ser mais democratizada. E há três setores que carecem de democratização urgente: o judiciário, a segurança pública e a comunicação. Boa parte dos nossos problemas tem a ver com os resquícios da ditadura que ainda prevalecem nessas áreas.

Dória que me desculpe, mas Rafucko matou a pau ontem. E se ele é o amador e o Dória o profissional…

Mas há algo que precisa ser registrado aqui. O belo abraço ao final do debate protagonizado por Rafucko e Pedro Dória.

Avançamos quando depois de uma discussão quente as pessoas continuam se respeitando. Mas a Globo nunca gostou disso…

Fonte:
http://revistaforum.com.br/blogdorovai/2013/10/23/o-debate-em-que-pedro-doria-de-o-globo-achou-que-os-outros-eram-amadores/

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A China quer "desamericanizar" o mundo

20/10/2013 - A China e o nascimento do mundo des-Americanizado
- Pepe Escobar - Carta Maior

Para a China, é hora de construir um mundo "des-Americanizado".

É hora de "uma nova moeda internacional de reserva" substituir o dólar norte-americano.

É isso. A China decidiu que “basta!”. Tirou as luvas (diplomáticas).

É hora de construir um mundo “des-Americanizado”. É hora de “uma nova moeda internacional de reserva” substituir o dólar norte-americano.

Está tudo lá, escrito, em editorial da rede Xinhua, saído diretamente da boca do dragão. E ainda estamos em 2013. 

Apertem os cintos – especialmente as elites em Washington. Haverá fortes turbulências.

Longe vão os dias de Deng Xiaoping de “manter-se discreto”. O editorial de Xinhua mostra, em formato sintético, a gota d’água que fez transbordar o copo do dragão: o atual “trancamento” 
(shutdown) nos EUA.

Depois da crise financeira provocada por Wall Street, depois da guerra do Iraque, um mundo “desentendido”, não só a China, quer mudança.

Esse parágrafo não poderia ser mais explícito:

"Sobretudo, em vez de honrar seus deveres como potência liderante responsável, uma Washington interessada só em si mesma abusa de seu status de superpotência e gera caos ainda mais profundo no planeta, disseminando riscos financeiros para todo o mundo, instigando tensões regionais e disputas territoriais, e guerreando guerras ilegítimas, sob o manto de deslavadas mentiras."

A solução, para Pequim, é “des-Americanizar” a atual equação geopolítica – a começar por dar voz mais ativa no FMI e no Banco Mundial a economias emergentes e ao mundo em desenvolvimento, o que deve levar à “criação de uma nova moeda internacional de reserva, a ser criada para substituir o dólar norte-americano hoje dominante”.

Observe-se que Pequim não advoga a sumária extinção do sistema de Bretton Woods – não, pelo menos, já; quer, isso sim, mais poder para decidir. Parece razoável, se se considera que a China tem peso apenas ligeiramente superior ao da Itália, no FMI.

A “reforma” do FMI – ou coisa parecida – está em andamento desde 2010, mas Washington, como seria de esperar, vetou todas as alterações substanciais, até agora.

Quanto ao movimento para afastar-se do dólar norte-americano, também já está em andamento, com graus variados de velocidade, especialmente no que diga respeito ao comércio entre os países BRICS, as potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que já está sendo feito, hoje, predominantemente, nas respectivas moedas.

O dólar norte-americano está lentamente, mas firmemente, sendo substituído por uma cesta de moedas. 

A “des-Americanização” também já está em curso.

Considere-se, por exemplo, a ofensiva de charme dos chineses pelo Sudeste Asiático, que está acentuadamente começando a inclinar-se na direção de mais ação com principal parceiro econômico daqueles países, a China.

O presidente Xi Jinping da China, fechou vários negócios com a Indonésia, a Malásia e também com a Austrália, apenas umas poucas semanas depois de ter fechado outros vários negócios com os “-stões” da Ásia Central.

A empolgação chinesa com promover a Rota da Seda de Ferro alcançou nível de febre, com as ações das empresas chinesas de estradas de ferro subindo à estratosfera, ante o projeto de uma 
ferrovia de trens de alta velocidade até e através da Tailândia já virando realidade.

No Vietnã, o premiê chinês Li Keqiang selou um entendimento segundo o qual querelas territoriais entre dois países no Mar do Sul da China não interferirão com mais e novos negócios. Pode-se chamar de “pivotear-se” para a Ásia.

Todos a bordo do petroyuan.

Todos sabem que Pequim possui himalaias de bônus do Tesouro dos EUA – cortesia daqueles massivos superávits acumulados ao longo dos últimos 30 anos, mais uma política oficial de manter lenta, mas segura, a apreciação do Yuan.

E Pequim, simultaneamente, age.

O Yuan está também lentamente, mas seguramente, se tornando mais conversível nos mercados internacionais.

(Semana passada, o Banco Central Europeu e o Banco do Povo da China firmaram acordo para uma troca de moeda (orig. swap) de US$45-$57 bilhões, que aumentará a força internacional do Yuan e melhorará seu acesso ao comércio financeiro na área do euro).

A data não oficial para a total conversibilidade do Yuan cairá em algum ponto entre 2017 e 2020.

A meta é clara: afastar-se de qualquer respingo da dívida dos EUA, o que implica que, no longo prazo, Pequim está-se afastando desse mercado – e, assim - tornando muito mais caro, para os EUA, tomarem empréstimos.

A liderança coletiva em Pequim já fechou posição sobre isso e está agindo nessa direção.

O movimento na direção da plena conversibilidade do Yuan é tão inexorável quanto o movimento dos BRICS na direção de uma cesta de moedas que, progressivamente, substituirá o dólar norte-americano como moeda de reserva.

Até lá, mais adiante nessa estrada, materializa-se o evento cataclísmico real: o advento do petroyuan – destinado a ultrapassar o petrodólar, tão logo as petromonarquias do Golfo vejam de que lado ventam os ventos históricos.

Então, o bate-bola geopolítico será outro, completamente diferente.

Pode ser processo longo, mas é certo que o famoso conjunto de instruções de Deng Xiaoping está sendo progressivamente descartado:

"Observe com calma; proteja sua posição; lide com calma, com as questões; esconda nossas capacidades e aposte no nosso tempo; seja discreto; e jamais reclame a liderança."

Uma mistura de cautela e escamoteamento, baseada na confiança que os chineses têm na história e, levando em consideração uma - grave ambição de longo prazo – era Sun Tzu clássica.

Até aqui, Pequim andou devagar; deixando que o adversário cometa erros fatais (e que coleção de erros de 
multi-trilhões de dólares...); e acumulando “capital”.

Agora, chegou a hora de capitalizar. Em 2009, depois da crise financeira provocada por Wall Street, ainda havia chineses que resmungavam contra “o mau funcionamento do modelo ocidental” e, em suma, contra o “mau funcionamento da cultura ocidental”.

Beijing ouviu [Bob] Dylan (legendado em mandarim?) e concluiu que, sim, the times they-are-a-changing [os tempos estão mudando].

Sem que se veja nem sinal de avanço social, econômico e político – o “trancamento” [shutdown] nos EUA seria outra perfeita ilustração, se se precisasse de ilustração – de que os EUA deslizam tão inexoravelmente quanto a China, pena a pena, vai abrindo as asas para comandar a pós-modernidade do século 21.

Que ninguém se engane: as elites de Washington lutarão contra, como se estivessem ante a pior das pragas.

Mesmo assim, a intuição de Antonio Gramsci precisa ser atualizada: a velha ordem morreu, e a nova ordem está um passo mais perto de nascer.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Pepe-Escobar-A-China-e-o-nascimento-do-mundo-des-Americanizado-/7/29265

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Marina “Disruptura” e o fim da “Era Lula”

17/10/2013 - “Disruptura”.
- Ou como Marina quer por fim à “Era Lula”, tal como FHC quis sepultar a “Era Vargas”
- Fernando Brito - Tijolaço

Eu convivi, certa feita, com dois idiotas, ambos de péssimo caráter, a quem chamávamos de Azeitona e Empada, de tanto que se completavam as suas nulidades.

Como não tinham capacidade de raciocinar com profundidade, apelavam para expressões pernósticas para explicar suas estultices, e a preferida era “quebrar os paradigmas”.

Volta e meia, quando não tinham o que dizer, falavam que “era preciso quebrar os paradigmas”.

Nem é preciso dizer que eu e outros ironizávamos:

- Ah, vou me atrasar, o carro quebrou o paradigma…

- Fulano está no hospital? Por que? Quebrou o paradigma, coitado…

Por isso, fico incomodado quando vejo Marina Silva falando em disruptura.

Eu insisto que é preciso um projeto de país e essa disruptura será boa para todo mundo”.

Bem, vamos achar que ela está querendo falar em disrupção, do latim disruptio, fratura, quebra, despedaçar, romper, destruir…

Em política, o significado seria, então, o de revolução, não é?

Por que fugir da palavra, mesmo com as ressalvas de que seria pelo voto, sem violência ou atropelos?

Porque Marina adotou, como todos vemos, uma agenda cheia de palavrórios mas, em termos de conteúdo, idêntica a do conservadorismo.

Apresentou-se, logo que teve oportunidade, como a defensora do status quo.

O tripé, a santíssima trindade do neoliberalismo.

É o crucifixo que não se pode deixar de adorar, embora se saiba que o crucificado ali é o povo.

Nega-lo é heresia e heresia é fogueira.

Tanto que se diz que Dilma o negligencia e ela tem de vir a público dizer que nele crê, mesmo  que não seja sempre “praticante”.

Mas em Marina, não se pode negar, a fé é fundamentalista.

Ao ponto de seu “irmão” Aécio o reconhecer:

Ele (Aécio) ainda se colocou ao lado da ex-senadora Marina Silva, que afirmou que o governo atual flexibilizou o controle da inflação e da política fiscal.

O senador disse que considera que as propostas da candidatura do PSB com a Rede são “muito semelhantes” às do PSDB.

- Vejo que há uma aproximação do discurso da Marina com aquilo que o PSDB vem pregando.

Tenho certeza que uma eventual candidatura do PSB nasce exatamente por essa visão muito semelhante à nossa, de que esse ciclo de governo do PT, em benefício do Brasil, tem que ser encerrado.

Pouco importa se Marina Silva é ou não uma pessoa de direita, embora eu tenda a achar que ninguém possa ser de esquerda com seu fundamentalismo moral.

O fato objetivo é que parte da direita sentiu nela – e no seu comportamento marcado por personalismo, rancores e vaidades – a oportunidade de dividir e derrotar um projeto progressista que, ficou claro, as ambições traiçoeiras de Eduardo Campos, o vazio de Aécio Neves e a repugnância de José Serra não permitiriam.

Tal como Fernando Henrique, na sua gabolice estúpida, disse que chegava ao poder para sepultar a Era Vargas, Marina vem para tentar sepultar a quadra histórica mais semelhante àquela que já tivemos: a Era Lula.

Só que vai ter de se defrontar com o retrato do Velho, outra vez. E de um Velho vivo, vivíssimo.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/index.php/disruptura-ou-como-marina-quer-por-fim-a-era-lula-tal-como-fh-quis-sepultar-a-era-vargas/

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Libra não é só petróleo

18/10/2013 - Saul Leblon - Carta Maior

Em todo o mundo o discurso conservador subsiste em estado comatoso desde o colapso da ordem neoliberal, em 2008.

O empenho é para  injetar sobrevida ao defunto, resistir e desgastar o anseio de mudança.

Até que se generalize o descrédito nos partidos, na luta pelo desenvolvimento e no aprofundamento da democracia política e econômica, como instrumento de emancipação histórica e social.

A ascensão da Frente Nacional Fascista na França é um sintoma (leia a reportagem de Eduardo Febbro nesta página).

Outro, o poder de uma falange, como o Tea Party, de empurrar até perto do abismo fiscal a nação mais poderosa da terra.

São manifestações mórbidas recorrentes. Que afrontam o anseio da mudança instalado no coração da sociedade pela maior crise capitalista desde 1929.

Quando o extraordinário acontece, as lentes da rotina já não conseguem explicar a vida. A ‘redescoberta’ de Marx, analisada por Emir Sader nesta página (leia no blog do Emir), é um sintoma do anseio por um novo foco.

É mais que uma redescoberta intelectual. Essa é a hora em que o preconceito histórico inoculado contra o socialismo perde força. Até nos EUA.

Uma pesquisa feita pela Pew Research, no final de 2011, tentou medir esse ponto de mutação. Os resultados foram significativos:

a) na faixa etária entre 19 e 28 anos a menção ao ‘socialismo’ encontra receptividade favorável entre 49% dos jovens norte-americanos (entre 43% ela é negativa).

b) entre a população negra – açoitada pela crise - os dados são ainda mais expressivos: respectivamente 55% de aprovação; 36%, rejeição.

c) a mesma medição, agora para ‘capitalismo’, obteve os seguintes percentuais nos grupos mencionados: 46% e 47%, entre os jovens; e 41% favorável e 51% negativo, entre os negros.

A informação consta de um artigo de Michelle Goldberg, cuja íntegra será publicada  nesta página.

A liquefação da agenda neoliberal e do preconceito anti-socialista não amenizam a responsabilidade de se erguer linhas de passagem críveis ao passo seguinte da história.

No caso brasileiro, a operação envolve agravantes de singularidade e circunstância.

Em primeiro lugar, a responsabilidade de ser governo. Portanto, mais que nunca, de erguer pontes que partam da correlação de força existente para superá-las, sem risco de regressão.

Em segundo lugar, os sinais de desgaste na confortável pista incremental, pela qual o país  tem transitado para responder a desafios seculares com avanços específicos .

Um terceiro agravante: o crepúsculo  de um ciclo internacional de alta da liquidez e dos  preços das commodities. A inflexão externa adiciona percalços à renovação do motor do desenvolvimento brasileiro.

Quarto, os capitais e os grandes oligopólios não estão parados. O colapso financeiro acelerou a descentralização produtiva que define a nova morfologia da industrialização no mundo.

Travada pelo câmbio desfavorável, a manufatura brasileira ficou de fora do novo arranjo global das cadeias de tecnologia e suprimento.

O país não resgatará sua competitividade sem recuperar o terreno perdido nessa área. A flacidez industrial rebaixa a produtividade sistêmica da sua economia. Com efeitos regressivos na geração dos excedentes indispensáveis à convergência da riqueza.

É nesse horizonte de mutações e desafios que deve ser analisado um acontecimento que divide o campo progressista brasileiro, o leilão de Libra.

A mega-reserva do pré-sal, capaz de conter acumulações equivalentes a até 13 bilhões de barris de petróleo e gás, deve ser leiloada na próxima 2ª feira (21).

Democratas e nacionalistas sinceros divergem. Petroleiros vão à greve.

Defende-se que a Petrobrás assuma sozinha a tarefa de extrair uma riqueza guardada no fundo do oceano que pode conter até 100 bilhões de barris.

A Petrobras tem o domínio da tecnologia para fazê-lo. É quem foi mais longe nessa expertise em todo o mundo.

Mas não dispõe dos recursos financeiros para  acionar esse trunfo na escala e no tempo imperativo. Paradoxalmente, em boa parte, porque cumpriu seu papel de estatal na luta pelo desenvolvimento.

Os preços dos combustíveis no Brasil foram congelados pelo governo como instrumento  de controle da inflação. Durante anos.

Sob protesto da república dos acionistas, cuja pátria é o dividendo. E nada mais.


Secundariamente, o leilão será feito porque o governo necessita também de recursos para mitigar a conta fiscal de 2013. Ademais do peso dos juros no orçamento federal – exaustivamente criticado por Carta Maior - o Estado, de fato, realizou pesados dispêndios este ano e nos anteriores.

Em ações contracíclicas para impedir a internalização da crise mundial no Brasil. O conservadorismo reprova acidamente essas escolhas. Solertes entreguistas, súbito, pintam-se de verde-amarelo em defesa da estatal criada por Vargas.

A emissão conservadora alveja o que chama de ‘uso político da Petrobras  e da receita pública’ para financiar ‘ações populistas’, que não corrigem as questões estruturais  do país. A alternativa martelada é a ‘purga’ saneadora.

Contra a inflação, choque de juros (muito superior ao que se assiste). Contra o desequilíbrio fiscal, cortes impiedosos na ‘gastança’. Qual?


Qualquer gasto público destinado a fomentar o desenvolvimento, financiar a demanda, reduzir a pobreza e combater a desigualdade.

O ponto é: sem agir a contrapelo dos interditos conservadores, desde 2008, o Brasil teria  hoje um governo progressista?

Subsistiria ao cerco de 2010 contra Lula e Dilma? Ou da terra  ‘semeada’ pela recessão e o desemprego emergiria a colheita devastadora?

José Serra, que, ato contínuo, reverteria a regulação soberana do pré-sal, como, aliás, prometera à Chevron. O governo fez a escolha oposta. O resto é a história dos dias que correm.

Ao decidir pelo leilão de Libra está dobrando a aposta. Qual seja: mais importante que adiar Libra  para um futuro de hipotética autossuficiência exploratória, é aceitar a participação de terceiros, mas preservar e colher, antes, o essencial.

O essencial são os impulsos industrializantes  embutidos na regulação soberana das maiores reservas descobertas neste século em todo o planeta.

Um exemplo resume todos os demais.

O Brasil hospeda a maior concentração de plataformas submarinas do mundo. Uma em cada cinco unidades existentes está a serviço da Petrobrás. Em dez anos, essa proporção vai dobrar.

Assim como dobra a produção prevista de petróleo em sete anos: dos atuais 2 milhões de barris/dia para 4,5 milhões b/d.

Entre uma ponta e outra repousa a chance de a industrialização brasileira engatar um salto tecnológico e de escala, ancorado nas encomendas  e encadeamentos  do pré-sal.

Emprego, produtividade, salários e direitos sociais estão em jogo nesse salto. 

A convergência sonhada entre a democracia política, a democracia social e a democracia econômica depende, em parte, do êxito desse aggiornamento industrializante da economia brasileira.


O leilão do dia 21 é um pedaço dessa aposta.

Que tem a torcida adversa daqueles que não enxergam nenhuma outra urgência no horizonte do desenvolvimento brasileiro, em plena agonia da ordem neoliberal. Exceto recitar mantras do defunto.

Na esperança de ganhar tempo para que o desalento faça o serviço sujo: desmoralizar a política e interceptar o salto histórico do discernimento social brasileiro.

Uma  retração econômica redentora cuidaria do resto, injetando disciplina nas contas fiscais e ordem no xadrez político. Para, enfim, providenciar aquilo que as urnas sonegam: devolver a hegemonia do país a quem sabe dar ao ‘progresso’ o sentido excludente e genuflexo que ele sempre teve por aqui.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Libra-nao-e-so-petroleo/29234