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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Requião, candidato a Presidente

14/02/2014 - Eleições 2014 - Requião: “sou candidato a Presidente
- Rodrigo Vianna - Escrevinhador

Roberto Requião acaba de dar uma entrevista histórica ao jornalista Frédi Vanconcelos, na revista “Caros Amigos”. A entrevista mostra que há uma avenida aberta para politizar o debate no Brasil – pela esquerda, de cara limpa.

Requião não cede um milímetro. Defende os governos petistas (“vejo o PT como melhor que os outros; ao mesmo tempo em que eu acho que é muito pouco”), mas não abre mão da crítica dura à tibieza do partido para lidar com a Globo e outros interesses.

Lá pelas tantas, o senador e ex-governador do Paraná afirma: “sou candidato a presidente”!

Fico a imaginar como o Brasil iria a ganhar com uma candidatura desse tipo – que travasse o debate.

Todos sabemos das dificuldades (impossibilidades?) para se obter a candidatura numa convenção do PMDB. Mas só a luta pra chegar até lá já seria didática.

O Brasil merece e precisa de um nome como o de  Requião, disposto ao bom combate.

Acompanhe abaixo alguns trechos da entrevista. A revista chega às bancas na próxima semana. Vale a pena conferir na íntegra. (Rodrigo Vianna) 

= JOAQUIM BARBOSA E O “MENSALÃO” =

”O Joaquim Barbosa simulando uma diária pra fazer uma conferência de 30 minutos e um passeio numa biblioteca de uma hora, duas horas, é uma coisa típica da classe média deslumbrada.

Então o Joaquim Barbosa revela ali o verdadeiro Joaquim Barbosa, um classe média eventualmente deslumbrado [foto], que foi instrumentalizado pela mídia na questão do mensalão.

Eu não defendo a utilização do dinheiro público, nem o que ocorreu no financiamento das campanhas, não acho nenhuma graça nisso, mas aquela história do domínio do fato e a influência da mídia em cima do mensalão feriu profundamente as normas do direito brasileiro.


O mensalão foi uma aberração jurídica, porque, entre outras coisas, pelo domínio do fato, pela forma com que foi feito o processo, o esquecimento do fato precursor do mensalão, que é o fato mineiro, do Marcos Valério.


Então, foi uma aberração jurídica, foi uma manipulação induzida pela mídia e pelo deslumbramento dos ministros. Aquilo foi um show, não foi um julgamento."

= CHANTAGEM DA IMPRENSA =

Eu peguei um Estado [Paraná] quebrado. A primeira coisa que fiz foi racionalizar as despesas. Evidente que não as despesas com saúde e educação, mas as que eu julgava desnecessárias.

Diminuí os valores dos investimentos na imprensa. E passei a ser procurado por esses “heróis” da mídia, os donos de jornais, que diziam o seguinte: “ou você libera o dinheiro ou vai apanhar como nunca um político apanhou no Paraná”.

Daí, eles começaram a me bater desesperadamente, o que não me incomodou muito. Eu fui governador três vezes e senador duas vezes com toda essa mídia em cima de mim.

– Mas a chantagem foi assim direta?

"Direta, ou você dá dinheiro ou você vai apanhar diariamente. Eu preferi apanhar diariamente. Isso começou comigo, na verdade, na prefeitura.

Fui prefeito e pressionado pela Globo por verba. Não dei verba e eles começaram a bater em mim."

= DILMA, AÉCIO E EDUARDO =

Eu acho que ainda a Dilma é melhor que o Aécio e o Dudu Beleza. Eu fui relator da CPI dos títulos públicos, eu analisei como é que o Eduardo Campos conseguiu os financiamentos com os títulos públicos, com os precatórios.

– Como que ele conseguiu e por que o senhor o chama de Dudu Beleza?

Não sou eu que chamo, é Recife que chama.

Eu fiz a campanha do Dudu Beleza para a prefeitura do Recife a pedido do Arraes (Miguel, ex-governador e avô de Eduardo Campos [foto]), fiz gravações, eu era o prefeito mais popular do Brasil.

O Arraes era muito meu amigo, vinha muito pra Curitiba pra conversar comigo, mas o Dudu é a contraposição do Arraes.


- Por quê?

Porque o Dudu é o quadro da direita brasileira. A Dilma está à esquerda do Dudu, com todos os seus erros de condução.”

= ELEIÇÃO NO PARANÁ E PAULO BERNARDO =

- No segundo turno se estiverem os dois (Gleisi/PT x Richa/PSDB), o senhor não vai votar na Gleisi?

"E eu vou colocar o Bernardo [marido de Gleisi, Ministro das Comunicações] no poder? Veja bem, o Bernardo esteve no poder em Londrina, ele não consegue um voto lá, ele acabou com o Zeca do PT no Mato Grosso do Sul, não chega isso?

Veja o que ele está fazendo no Ministério das Comunicações, de favorecimento da grande mídia… Eu não sou inimigo da Gleisi [foto], eu sou amigo dela há muitos anos.

Do Paulo Bernardo não sou, e você sabe por que. É possível ser amigo do Paulo Bernardo? Amigo dele é o Marinho (da Globo), não sou eu.”

= Projeto Nacional =

A reforma política é a reforma da economia. Tirar a influência do Banco Central e dos banqueiros no Banco Central. Foi o que a Dilma começou a fazer e recuou. Basicamente é isso, um projeto nacional.

Nós temos que ter um projeto de industrialização, um projeto de comércio exterior, nos não podemos ficar ao sabor da globalização, que já fracassou.

“Vou me apresentar na convenção nacional do PMDB como candidato à Presidência da República. Aí você me pergunta, você vai ganhar? Ora, eu não sou idiota, eu sei no que se transformou o meu PMDB, mas eu vou cumprir a minha obrigação junto com um grupo de economistas que trabalham comigo e apresentar um projeto. Quero estabelecer um contraponto.

Fonte:
http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/requiao-sou-candidato-a-presidente.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Política e debates nas redes

16/01/2014 - A política e as redes
- Maurício Caleiro - em seu blogue Cinema & Outras Artes

O debate político brasileiro tem sofrido forte influência da internet, meio que não só reavivou, em muita gente, o interesse por política e o hábito cotidiano de discuti-la, mas deu voz a uma diversidade de atores na arena, acabando com o monopólio da mídia corporativa.

O jornalista Tácito Costa, editor do site Substantivo Plural, comenta o processo:

"As redes sociais abriram uma fenda na monolítica imprensa tradicional, que durante séculos monopolizou os canais de comunicação como alicerces de seu poder e dos seus interesses.

Definitivamente, acabou o tempo da comunicação unidirecional.

Um pouco antes da explosão das redes, os sites e blogs já tinham equilibrado esse jogo, oferecendo contraponto indispensável aos conglomerados da mídia e, com isso, fortalecendo a pluralidade e a democracia."

Deflagrados a partir da confluência entre desenvolvimento, barateamento e difusão de tecnologias digitais e num contexto em que a passividade do espectador dá lugar à interatividade, os resultados concretos dessa atividade virtual se fazem sentir em fenômenos mais ou menos recentes e por vezes antagônicos entre si, como a emergência da chamada blogosfera progressista, o uso do tumblr como ferramenta para o humor político e a mobilização popular via redes sociais.

Estas, além de se constituírem, cotidianamente, como arena pública de debates, tiveram papel relevante nas manifestações de junho e acabam de servir de meio para deflagração de "rolezinhos" em shoppings.

No bojo da Copa e da campanha eleitoral, prometem seguir dominando a cena em 2014.

Bolha de certezas
Não obstante positivo em sua essência, o debate político que se dá via redes sociais traz, inerentes, aspectos contraditórios ou mesmo intrinsecamente negativos, os quais se tornam mais evidentes à medida que a interação por elas proporcionada se torna um elemento rotineiro no cotidiano de cidadãos e cidadãs.

Talvez o mais evidente - e empobrecedor - deles, na seara política, seja a tendência à formação de "igrejinhas", em que a timeline [o conjunto de perfis seguidos e que te seguem] tende a se apresentar expurgada dos perfis que expressam opiniões francamente contrárias ou divergentes às do dono da conta, acabando por forjar uma falsa unidade discursiva em prol do ideário, partido ou programa político por este professado.

Assim, seu universo político pessoal é conservado em uma espécie de bolha que, embora perfurada amiúde pela própria impossibilidade de se prever e vetar toda e qualquer opinião contrária, o mantém no mais das vezes preso, a um tempo, de convicções que seus pares reafirmam a todo instante e do contato com a multiplicidade de opiniões divergentes – dinâmica que lhe impede acesso a uma visão realista da intensidade da oposição à linha política que defende.

Carimbador maluco
Deriva de tal dinâmica um segundo efeito dessa "segmentação opinativa" inerentes às redes sociais: a tendência, em um cenário político pobre em termos de diversidade e fortemente concentrado na oposição PT X PSDB, a "carimbar" as opiniões de acordo com a régua estabelecida por tal dicotomia.

Assim, se você defender o Bolsa Família ou mostrar simpatia pelos condenados do "mensalão" é grande a probabilidade de ser carimbado como simpatizante do PT ou mesmo xingado de "petralha" e termos derivados, os quais, disseminados a partir do jornalismo neocon, explicitam a intolerância e a tentativa de desqualificação do que entendem por esquerda.

Já se você ousa defender a classe média ou dá pinta de pender para uma posição com tinturas de conservadorismo ou de liberalismo econômico, se tornam grandes as chances de ser repelido pelas hostes dominantes nas redes e carimbado como "coxinha", o xingamento máximo do petismo militante, não obstante a ascensão de pobres à classe média ser comumente desfraldada pelos próprios partidários como principal conquista dos governos petistas.

Desqualificação a priori
Nesse cenário polarizado, há pouco espaço para nuances ou para assimilação de críticas que procuram ir além da dicotomia PT x PSDB.

É sintomático dessa intolerância a evocação do fantasma dos anos FHC – ou seja, elitismo, precariedade social e crise econômica – à mínima restrição dirigida ao governo petista.

Com tais reações, o debate é interditado por uma confusão deliberada entre a crítica pontual à atual administração e a negação total do petismo em prol do que seria inapelavelmente, de acordo com a reação citada, a única alternativa: o retorno aos anos FHC.

Trata-se de uma atitude que não só revela-se autoritária e diversionista ao se recusar a debater os termos específicos da crítica, mas, mostrando ignorar não só a significação última do dito marxista de que a história só se repete como farsa, não se apercebe que se a volta ao Brasil do ex-presidente fosse uma mera questão de deixar de optar pelo PT, então seria porque as mudanças por este partido promovida, nos últimos 11 anos, não foram suficientes sequer para nos colocar a salvo de tal perigo como uma ameaça imediata (muito pelo contrário, até as privatizações estão de volta, sob patrocínio petista).


Em decorrência da tendência a pouca tolerância com opiniões nuançadas – no sentido de não circunscritas à troca de chumbo entre petistas e peessedebistas -, cria-se um processo vicioso de desqualificação a priori das críticas, denunciadas na origem como ideologicamente tendenciosas e cujo teor sequer é levado em conta, e de restrição à sua circulação, seja através da recusa pessoal (e legítima) a repercuti-la nas redes sociais, seja na recusa (dissimulada) dos blogs de grande audiência em repercutir opiniões que se oponham frontalmente às linhas partidárias que efetivamente (mas não assumidamente) apoiam.

Boicote autoritário
Senador Joseph McMarthy
Destarte, malgrado o pleno direito à expressão e as múltiplas modalidades possibilitadas pela internet, acaba-se por observar-se atualmente, no que concerne ao debate político brasileiro, o germe de um processo de caráter totalitário, por vezes macartista, de abafar vozes críticas divergentes, processo este em que tem papel precípuo as paixões partidárias e é protagonizado por entidades virtuais que até recentemente se publicizavam como pluralistas e progressivas.

Trata-se, em última analise, de um fator de retrocesso no debate público, pois enquanto as paixões partidárias se manifestarem como elementos de desqualificação e de repressão à livre abordagem crítica dos problemas, será a fé se sobrepondo à razão, até na seara política.

Verdadeiros democratas não temem o debate.

Fonte:
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2014/01/a-politica-e-as-redes.html

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Das elites, essa estranha noção de liberdade - Fernando Brito
- Imprensa e rolezinho - Luciano Martins Costa
- Às esquerdas da Europa e do mundo - Álvaro Garcia Linera

sábado, 11 de janeiro de 2014

Capitalismo sustentável, existe isso?

13/12/2013 - “O capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos” - Eduardo Viveiros de Castro
- Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Crítico feroz do neoliberalismo, de seus ícones e verdades, de suas políticas de “crescimento” que destroem a natureza, do consumo que empobrece as vidas, do Estado que as administra (não sem constrangimentos) e da esquerda (conservadora e antropocêntrica).

A felicidade, diz, tem muitos outros caminhos”.

Enquanto esperamos que a Tinta Limón Ediciones termine a edição (mais ou menos alterada) do livro de entrevistas com Eduardo Viveiros de Castro, o sítio Lobo Suelto! convida à leitura da última – muito transcendental – conversa com o antropólogo brasileiro. A entrevista é de Julia Magalhães, publicada nesse sítio em 04/12/2013. A tradução é do Cepat.

Qual é a sua percepção acerca da participação política da sociedade brasileira?
Prefiro começar com uma “des-generalização”: vejo a sociedade brasileira profundamente dividida em relação à visão sobre o país e seu futuro. A ideia de que existe “um” Brasil – no sentido de que as ideias de “unidade” e “brasilidade” não são triviais – parece uma ilusão politicamente conveniente (para os setores dominantes), mas antropologicamente equivocada. Há, pelo menos, dois ou muito mais “Brasis”.

O conceito geopolítico de estado-nação unificado não é descritivo, mas normativo.

Há rachaduras profundas na sociedade brasileira.

Há setores da população com uma vocação conservadora enorme, que não necessariamente compreendem uma classe específica, apesar de que as chamadas “classes médias”, ascendentes ou descendentes, estão bem representadas aqui.

Grande parte da chamada “sociedade brasileira” – temo que seja a maioria – se sentiria muito satisfeita com um regime autoritário, especialmente se conduzido midiaticamente por uma autoridade paternal de personalidade forte.

Mas, esta é uma das coisas que a minoria liberal que existe no país – e, inclusive, é uma certa minoria “progressista” – prefere manter-se envolta em um silêncio constrangedor.

Repete-se o tempo todo, e para qualquer propósito, que o povo brasileiro é democrático, “cordial e amante da liberdade e da fraternidade, o que é uma ilusão muito perigosa.

É assim que vejo a “participação política do povo brasileiro”: como a de um povo fragmentado, dividido, polarizado. Uma polarização que não necessariamente condiz com as divisões políticas (partidos oficiais etc.).

O Brasil segue como uma sociedade visceralmente escravocrata, obstinadamente racista e moralmente covarde. Enquanto não nos darmos conta deste inconsciente, não iremos “em frente”.

Em outras ocasiões, fui claro: insurreições esporádicas e uma certa indiferença pragmática em relação aos poderes constituídos, é o que se evidência entre os mais pobres – ou os mais alheios ao drama montado pelos setores de cima, na escala social – que inspiram modestas utopias e moderado otimismo por parte daqueles que a história situou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.

O que é necessário para mudar isto?
Falar, resistir, insistir, olhar além do imediato. E, obviamente, educar.

Mas, não “educar o povo” (como se a elite fosse muito educada e devesse – ou pudesse – conduzir o povo até um nível intelectual superior), mas criar as condições para que as pessoas se eduquem e acabem educando a elite – e, quem sabe, inclusive, se livrem dela.

O panorama da educação do Brasil é, hoje, o de um deserto. Um deserto!

E não vejo nenhuma iniciativa consistente para tentar cultivar neste deserto. Pelo contrário, tenho pesadelos de conspirações, em que sonho que os projetos de poder não se interessam realmente em modificar o panorama da educação do Brasil: domesticar a força de trabalho – se é isto que está se tentando (ou planejando) – não é, de nenhuma maneira, o mesmo que educar.

Isto é apenas um pesadelo, obviamente: não é assim, não pode ser assim... Espero que não seja assim.

Mas o fato é que não se vê uma iniciativa para mudar a situação.

Considerando a espetacular abertura de dezenas de universidades sem a mínima infraestrutura física (para não falar de boas bibliotecas, um luxo quase impensável no Brasil), enquanto a escola secundária segue muito deficitária, com professores que ganham uma miséria, com as greves dos professores universitários reprimidas, como se fossem ladrões.

A “falta” de educação – que é uma forma de instrução muito particular e perversa, imposta de cima para baixo – é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário de grande parte da sociedade brasileira. Por fim, é urgente uma reforma radical da educação brasileira.

Em “A floresta e a escola”, Oswald de Andrade sonhava. Infelizmente, parece que já deixamos de ter uma e ainda não temos a outra. Pois sem escola, já não cresce a floresta.

Por onde se começa a reforma da educação?
Começa-se de baixo, é claro, a partir da escola primária. A educação pública deveria ter uma política unificada, orientada a partir de uma – com perdão da expressão – “revolução cultural”.

Ela não será alcançada através da redistribuição da renda (ou melhor, com o aumento da quantidade de migalhas que caem da mesa dos ricos) apenas para comprar um televisor e para assistir ao BBB, e ver a mesma merda.

Não é assim que se redistribui a cultura, a educação, a ciência e a sabedoria. Deve-se oferecer ao povo as condições de fazer cultura ao invés de consumir aquela produzida “para” eles.

Está havendo uma melhora nos níveis de vida dos mais pobres, e talvez também nos da velha classe média. Uma melhora que vai durar todo o tempo em que a China continuar comprando do Brasil ao invés de comprar da África.

Mas, apesar da melhora no chamado “nível de vida”, não vejo nenhuma melhora real na qualidade de vida, na vida cultural ou espiritual, se me permite usar essa palavra arcaica. Pelo contrário.

Será que é necessário destruir as forças vivas, naturais e culturais das pessoas, do povo brasileiro de instrução, para construir uma sociedade economicamente mais justa? Duvido.

Neste cenário, atualmente, quais são os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira?
Vejo a “sociedade brasileira” magnetizada – ao menos em termos de sua autorrepresentação normativa, por parte dos meios de comunicação – por um patriotismo oco, uma espécie de besta orgulhosa, deslumbrados pela certeza de que, de uma vez por todas, o mundo se inclinou frente ao Brasil.

Copa do Mundo, Jogos Olímpicos...

Não vejo mobilização acerca de temas urgentíssimos, como poderiam ser o da educação e da redefinição da nossa relação com a terra, quer dizer, com o que há debaixo do território.

Natureza e cultura, enfim, que agora se encontram, não apenas, mediadas, midiatizadas, pelo mercado, mas mediocrizadas por ele.

O Estado se uniu ao Mercado contra a natureza e a cultura.

E estas questões não mobilizam?
Existe certa preocupação da opinião pública por questões ambientais, um pouco mais do que em relação às questões da educação, o que não deixa de ser algo para se lamentar, pois as duas vão juntas.

Contudo, tudo me parece “too little, too late”: muito pouco e muito tarde. Está se demorando tempo demais para difundir a consciência ambiental. Uma conscientização que o planeta requer, com absoluta urgência, de todos nós.

E esta inércia se traduz na escassa pressão sobre os governos, corporações e empresas que apenas investem nesse conto chinês do “capitalismo verde”.

Em particular, evidencia-se muito pouca pressão sobre as grandes empresas, sempre distraídas e incompetentes quando se trata do problema da mudança climática.

Não se vê a sociedade realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e comprovada, mas que conta com o apoio desinformado (é o que se deduz) de uma parte significativa da população do sul e do sudeste, para onde irá a maior parte da energia que não for vendida – a um preço extremamente barato – para multinacionais de alumínio fazerem latas de saquê – no baixo Amazonas – para o mercado asiático.

Necessitamos de um discurso político mais agressivo em relação às questões ambientais. É necessário, sobretudo, falar com as pessoas, chamar a atenção a respeito de que o saneamento básico é um problema ambiental, de que a dengue é um problema ambiental.

Não se pode separar a dengue do desmatamento e do saneamento. Temos que convencer aos mais pobres de que melhorar as condições ambientais é assegurar as condições de existência das pessoas.

No entanto, a esquerda tradicional, como está sendo demonstrado, apresenta-se completamente inútil para articular um discurso sobre os temas ambientais.

Quando suas cabeças mais pensantes falam, parece haver a sensação de estar “indo para trás”, tratando desastradamente de capturar e de reduzir um tema novo ao já conhecido, um problema muito real que não está em seu DNA ideológico e filosófico.

Mesmo quando a esquerda não se alinha com o insustentável projeto “ecocida” do capitalismo, revela sua origem comum a este, com as névoas e obscuridades da metafísica antropocêntrica do cristianismo.

Enquanto continuarmos sustentando que melhorar a vida das pessoas é lhes dar mais dinheiro para comprar uma televisão, ao invés de melhorar o saneamento, abastecimento de água, saúde e educação primária, nada mudará.

Escuta-se o governo dizer que a solução é consumir mais, mas não se percebe a menor ênfase para abordar estes aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições do presente século.

Isto não significa, obviamente, que os mais favorecidos pensem melhor e que possam ver além dos mais pobres. Não há nada mais estúpido que estas Land Rovers que vemos em São Paulo ou no Rio de Janeiro, andando com adesivos do Greenpeace, de slogans ecológicos, coladas no para-brisa.

As pessoas vão às ruas nestes 4x4 e bebem um diesel venenoso... Gente que pensa que o contato com a natureza é fazer um Rally no Pantanal...

É uma questão difícil: falta educação básica, falta o compromisso dos meios de comunicação, falta agressividade política no tratamento da questão do meio ambiente.

E sempre que se pensa que existe um problema ambiental, algo que está longe de ser o caso dos governantes atuais, estes mostram, ao contrário, e, por exemplo, a preocupação em formar jovens que possam manobrar com segurança e, ao mesmo tempo, mantém firme sua aposta no transporte individual, em carros, em uma cidade como São Paulo, em que já não cabe nem uma agulha.

Um governo que não se cansa de se orgulhar pela quantidade de carros produzidos por ano. É absurdo utilizar os números da produção de veículos como um indicador de prosperidade econômica.

Essa é uma proposta podre, uma visão estreita e uma proposta muito empobrecedora para o país.

Você está dizendo que os apelos ao consumo vêm do próprio governo, mas também há um apelo muito forte procedente do mercado. Como avalia isto?
O Brasil é um país capitalista periférico.

O capitalismo industrial-financeiro é visto por quase todo o mundo como uma evidência palpável, o modo inevitável em que se vive no mundo atual.

Diferentemente de alguns companheiros de caminhada, eu entendo que o capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos.

E que nossa atual forma de vida econômica é realmente evitável. Então, simplesmente, nossa forma de vida biológica (quer dizer, a espécie humana) não será mais necessária e a Terra irá favorecer outras alternativas.

As ideias de crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, ou a ética da suficiência são incompatíveis com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento contínuo.

A ideia de manter certo nível de equilíbrio em relação ao intercâmbio de energia com a natureza não se ajusta na matriz econômica do capitalismo.

Este impasse, gostemos ou não, será “resolvido” pelas condições termodinâmicas do planeta em um período muito mais curto do que pensávamos. As pessoas fingem não saber o que está se passando, preferem não pensar nisso, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior. E o Brasil, pelo contrário, sempre se prepara para o melhor.

Este otimismo nacional frente a uma situação planetária é extremamente preocupante, assim como perigoso... E a aposta de que vamos bem dentro do capitalismo é um tanto ingênua, se não desesperada...

O Brasil segue como um país periférico, uma plantação “high tech” que abastece com matérias-primas o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de soja, açúcar, carne bovina, para os países industrializados: são estes quem têm a última palavra, os que controlam o mercado.

Estamos bem neste momento, mas de modo nenhum em condições de controlar a economia mundial. Se a coisa muda um pouco para um lado ou para o outro, o Brasil simplesmente pode perder esse lugar no qual se encontra hoje.

Para não mencionar, claro, o fato de que estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008, que está longe de terminar e que ninguém sabe aonde irá parar.

O Brasil, neste momento de crise, é uma espécie de contracorrente do tsunami, mas quando a onda quebrar vai molhar muita gente. Deve-se falar sobre estas coisas.

E como você avalia a macropolítica em relação a esta realidade, as políticas macroeconômicas, com as realidades rurais do Brasil, os indígenas ribeirinhos?
O projeto de Brasil, que tem a atual coalizão do governo sob o mando do Partido dos Trabalhadores (PT), considera os ribeirinhos, os indígenas, os campesinos, os quilombolas como pessoas com atraso, um atraso sociocultural, e que devem ser conduzidas para outro estado.

Esta é uma concepção tragicamente equivocada.

O PT é visceralmente paulista, o projeto é uma “paulistização” do Brasil.

Transformar o interior do país em um país de fantasia: muita festa de peão de vaqueiro, caminhonetes 4x4, muita música country, botas, chapéus, rodeios, touros, eucaliptos, gaúchos. E do outro lado, cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo.

O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar para civilizar, para domar, para obter benefícios econômicos, para capitalizar.

Em uma lamentável continuidade entre a geopolítica da ditadura e a do governo atual, este é o velho “bandeirantismo” que hoje faz parte do projeto nacional.

Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é ou deveria ser a civilização brasileira, daquilo que é uma vida digna de ser vivida, do que é uma sociedade que está em sintonia consigo mesmo, é muito, muito similar.

Estamos vendo hoje uma ironia muito dialética: o governo, liderado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura, realizando um projeto de sociedade que foi adotado e implementado por esta mesma ditadura: a destruição da Amazônia, a mecanização, a “transgenização” e a “agrotoxicação” da agricultura, migração induzida pelas cidades.

E por detrás de tudo isso, certa ideia de Brasil que se vê, no início do século XXI, como se devesse ser, ou como se fosse, o que os Estados Unidos eram no século XX.

A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, em vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood nos anos 50: muitos carros, muitas autopistas, muitas geladeiras, muitas televisões, todo mundo feliz. Quem pagou por tudo isso? Entre outros, nós. Quem irá nos pagar agora? A África, outra vez? Haiti? Bolívia? Para não falar da massa de infelicidade bruta gerada por esta forma de vida (e de quem se enriquece com isto).

Isto é o que vejo com tristeza: cinco séculos de maldade continuam aí.

Sarney é um capitão hereditário, como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios.

Nosso governo “de esquerda” governa com a permissão da oligarquia e necessita destes capangas para governar. Pode-se fazer várias coisas, desde que a melhor parte fique com ela.

Toda vez que o governo ensaia uma medida que a ameaça, o Congresso – que sabemos como é eleito –, a imprensa bombardeia, o PMDB sabota.

Há uma série de becos para os quais eu não vejo saída ou que não têm saída no jogo da política tradicional, com suas regras. Vejo um caminho possível pelo lado do movimento social – que hoje está desmobilizado.

Mas, se não for pelo lado do movimento social, seguiremos vivendo neste paraíso subjetivo de que um dia tudo vai ficar bem.

O Brasil é um país dominado politicamente pelos grandes proprietários de terra e grandes empreiteiros que jamais sofreram uma reforma agrária e ainda dizem que atualmente não é mais necessário fazê-la.

Acredita que as coisas começarão a mudar quando chegarmos a um limite?
É provável que a crise econômica mundial afete ao Brasil em algum momento próximo. Contudo, o que vai ocorrer, com certeza, é que o mundo vai passar por uma transição ecológica, climática e demográfica muito intensa durante os próximos 50 anos, com epidemias, fome, secas, catástrofes, guerras, invasões.

Estamos vendo como as condições climáticas mudaram muito mais rápido do que pensávamos. E há grandes possibilidades de desastres, de perdas de colheitas, de crises alimentares.

Neste meio tempo, hoje em dia, o Brasil até se beneficia, mas um dia a fatura irá chegar. Climatologistas, geofísicos, biólogos e ecologistas são profundamente pessimistas sobre o ritmo, as causas e consequências da transformação das condições ambientais em que se desenvolve a vida atual da espécie. Por que deveríamos ser otimistas?

Acredito que se deve insistir que é possível ser feliz sem ficar hipnotizado por este frenesi de consumo que os meios de comunicação impõem. Não sou contrário ao crescimento econômico no Brasil, não sou tão estúpido para pensar que tudo se resolveria mediante a distribuição do dinheiro de Eike Batista entre os agricultores do nordeste semiárido ou cortando os subsídios à classe política-mafiosa que governa o país.

Não que não seja uma boa ideia. Sou contrário, isto sim, ao crescimento da “economia” do mundo, e sou a favor de uma redistribuição das taxas de crescimento.

E também sou, obviamente, a favor de que todos possam comprar uma geladeira e, por que não, uma televisão. Sou a favor de uma maior utilização das tecnologias solar e eólica. E estaria encantado em deixar de dirigir o carro, se pudéssemos trocar este meio de transporte absurdo por soluções mais inteligentes.

E como vê os jovens neste contexto?
É muito difícil falar de uma geração a qual não se pertence. Nos anos 1960, tínhamos ideias confusas, mas ideais claros: pensávamos que poderíamos mudar o mundo e imaginávamos que tipo de mundo queríamos. Acredito que, em geral, os horizontes utópicos têm retrocedido enormemente.

Algum movimento recente no Brasil ou no mundo chamou a sua atenção?
No Brasil, a aceleração difusa do que poderíamos chamar de uma cultura “agro-sulista”, tanto da direita quanto da esquerda, pelo interior do país.

Vejo isto como a consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, deste modo muito peculiar da elite governante no poder acertar as contas com seu próprio passado (passado?) escravista.

Outra mudança importante é a consolidação de uma cultura popular vinculada ao movimento evangélico popular. O evangelismo da Igreja Universal do Reino de Deus associa, por certo, a religião ao consumo.

O como você vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?
Essa é uma das poucas coisas a respeito das quais sou muito otimista: o relativo e progressivo enfraquecimento do controle total dos meios de comunicação de cinco ou seis conglomerados midiáticos.

Esse enfraquecimento está muito vinculado à proliferação das redes sociais, que são grande novidade na sociedade brasileira e que estão contribuindo para que circule um tipo de informação que não tinha lugar na imprensa oficial.

E estão habilitando formas, antes impossíveis, de mobilização. Há movimentos inteiramente produzidos pelas redes sociais, como a marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada”, os diversos movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas.

As redes são nossa saída de emergência frente à aliança mortal entre o governo e os meios de comunicação. São um fator de desestabilização – no melhor sentido da palavra – do poder dominante. Se puder ocorrer alguma mudança importante na cena política, acredito que será através da mobilização pelas redes sociais.

E por isso se intensificam as tentativas de controlar estas redes, em todo o mundo, por parte do poder constituído.

Contudo, controlar o acesso é um instrumento vergonhoso, como o caso do “projeto” da banda larga brasileira, que parte do reconhecimento de que o serviço será de baixa qualidade.

Uma decisão tecnológica e política antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação: impedir que a população tenha acesso pleno à circulação das produções culturais.

Parece, às vezes, que haveria uma conspiração para evitar que os brasileiros tenham uma boa educação e um acesso à Internet de qualidade. Essas duas coisas andam de mãos dadas e têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social que, diga-se de passagem, é necessário vigiar com muito cuidado.

Você imagina um novo modelo político?
Um amigo que trabalhava no Ministério do Meio Ambiente, na época de Marina Silva, criticava-me dizendo que meu discurso, feito à distância do Estado, era romântico e absurdo, que tínhamos que tomar o poder.

Eu respondia que, se tomássemos o poder, tínhamos que, sobretudo, saber como mantê-lo depois, pois aí é que a coisa se complica.

Não tenho um desenho, um projeto político para o Brasil, eu não pretendo saber o que é melhor para o povo brasileiro em geral, e em seu conjunto. Só posso expressar minhas preocupações e indignações, apenas aí é que me sinto seguro.

Penso, de qualquer forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou a esta altura tinha – as condições geográficas, ecológicas, culturais para desenvolver um novo estilo de civilização, que não seja uma cópia empobrecida do modelo da América do Norte e da Europa.

Poderíamos começar a experimentar, timidamente, algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna.

Todavia, imagino que se algum país do mundo irá fazer isso, esse país é a China.

É certo que os chineses têm 5.000 anos de história cultural praticamente contínua e o que nós temos para oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste história de etnocídio, deliberado ou não.

Ainda assim, é imperdoável a falta de inventividade da sociedade brasileira – ao menos de sua elite política e intelectual – que já perdeu várias ocasiões de gerar soluções socioculturais – tal como o povo brasileiro historicamente ofereceu – e articular, assim, uma civilização brasileira minimamente diferente da que propõem os comerciais de televisão.

Temos que mudar completamente e, primeiramente, a relação secularmente depredadora da sociedade nacional com a natureza, com a base físico-biológica de sua própria nacionalidade.

Já é hora de começar uma nova relação com o consumo, menos ansioso e mais realista frente à situação de crise atual.

A felicidade tem muitos outros caminhos.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526606-o-capitalismo-sustentavel-e-uma-contradicao-em-seus-termos-diz-eduardo-viveiros-de-castro

Para ler mais:

- 20/04/2008 - "Os índios incomodam porque suas terras, homologadas e reservadas, saem do mercado fundiário’ - entrevista com Eduardo Viveiros de Castro
- 14/02/2007 - Uma sociedade de indivíduos. Uma reflexão antropológica de Eduardo Viveiros de Castro
- 11/10/2013 - Capitalismo e soberania alimentar
- 02/07/2013 - "O capitalismo é a neurose da humanidade", diz filósofa Renata Salecl
- 09/05/2013 - "Ecossocialismo, alternativa contra o capitalismo" - entrevista com Michael Löwy
- 04/05/2013 - O que Francisco pensa sobre capitalismo, emprego e globalização? - Thomas Reese
- 16/01/2013 - O capitalismo e a economia política da mudança climática
- 04/10/2011 - "É preciso sair do capitalismo" - Marcela Valente

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Um ano cansado e de grandes derrotas

23/12/2013 - 2013, o ano das grandes derrotas
- Miguel do Rosário em seu blog O Cafezinho

Retrospectiva de um ano ultracansado

O ano de 2013 foi curioso para o Brasil. Todos saíram derrotados.

A Globo perdeu audiência e foi pega sonegando imposto.

O PT viu seus melhores quadros serem presos.

Um deles (justamente aquele mais traumatizado por quatro anos de tortura na ditadura) foi novamente preso e torturado – desta vez, psicologicamente, de forma ainda mais sádica e cruel, por sete ou oito anos.

Genoíno [foto com José Dirceu] sempre repete para os amigos que a tortura moral infligida pela mídia é muito pior do que a tortura física da ditadura; porque vai direto na sua alma.

Os blogs também perderam.

Ficaram imprensados entre um governo assustado e a loucura revolucionária (?) das ruas.

As ruas… As ruas também perderam.

Depois de mostrar seus enormes pés, as ruas não conseguiram revelar uma cabeça.

A lógica do espetáculo rapidamente prevaleceu. Tornou-se uma diversão de final de tarde.

Os jovens na rua sem saber porque estavam na rua.

Os policiais, também perdidos.

E o helicóptero da Globo sobrevoando e tentando vender audiência.

Ao final, incêndios, quebra quebra e audiência em alta da GloboNews.

A própria Mídia Ninja, que alça os píncaros da fama e ganha ares de ferramenta revolucionária, termina desempenhando o melancólico papel de parasita do caos (ela só ganha audiência se há quebra-quebra, violências e fogo).

E o Fora do Eixo, entidade por trás da Mídia Ninja, se tornou saco de pancadas de coxinhas virtuais.

A imprensa perdeu muito.

As ruas foram agressivas contra as mídias tradicionais.

Jornalistas eram quase linchados em meio à turba de coxinhas enfurecidos.

Quer dizer, nem só coxinhas.

Houve cenas épicas, como a de um sujeito que flagrou o repórter da Globo forjando um protesto contra a Dilma.

O repórter pediu para uma senhora segurar uma plaqueta contra a presidente.

Um homem (um sindicalista) viu a cena e protestou contra aquela fraude sem vergonha, na cara de todo mundo.

Foi um boca a boca memorável, que encerrou com o repórter saindo de fininho, sob uma saraivada de xingamentos e cantorias anti-mídia.

Tudo filmado por um celular.

Aliás, as manifestações de rua tiveram um caráter anti-mídia que a própria mídia, naturalmente, até hoje trata de esconder com unhas e dentes.

A Globo pediu desculpas envergonhadas por ter dado “apoio editorial” à ditadura…

Houve protestos de todo o tipo.

Foi algo tão grande que é difícil enxergar de perto.

Ouvi muita gente caçoar do Arnaldo Jabor [foto abaixo], que logo após as primeiras manifestações declarou que os garotos nas ruas não valiam nem 20 centavos.

Dias depois, ele muda totalmente de ideia e começa a tecer loas aos protestos.

Bem, eu não critiquei o Jabor por mudar de ideia.

Bem aventurados os capazes de mudar, diria o profeta.

O problema está na razão pela qual mudamos, que nem sempre é louvável.

Eu mesmo me portei igual ao Arnaldo Jabor, só que às avessas.

Quando ele criticou, eu elogiei. Quando ele passou a elogiar, eu passei a criticar.

Porque aconteceu uma coisa sinistra, que os coxinhas e os black blocs não perceberam.

Em questão de dias, a mídia se adaptou à nova realidade e iniciou uma estratégia de manipulação que chegou facilmente às ruas.

Se a pauta dos protestos era difusa, a Globo oferecia a solução para todos os seus problemas.

O foco é a corrupção, foi o título de um post de Merval Pereira [foto abaixo] no auge dos protestos.

A mídia também conseguiu transformar a PEC 37, que regulamentava o poder de investigação do Ministério Público, em alvo dos manifestantes [abaixo].

A PEC 33, que impunha limites ao STF, sumiu do mapa.

Com certeza, entre as primeiras e as últimas manifestações, houve reunião emergencial de barões da imprensa e caciques de oposição, provavelmente em alguma sala de luxo no Instituto Millenium.

Eles tomaram decisões rápidas, o que é a grande vantagem de centros de comando enxutos, unificados e com orçamento infinito.

Não estou falando da cúpula do partido comunista chinês, mas do grupinho de endinheirados que domina a mídia brasileira.

Duas ou três famílias de banqueiros, três ou quatro famílias donas das principais infra-estruturas de mídia no país, e pronto, tem-se um bloco de poder avassalador.

O STF é o mais fácil de dominar, porque são poucos, mas o neocoronelismo midiático que vivemos alcança todos os setores, com ênfase nas classes A e B, onde figura a elite do serviço público e das empresas privadas.

As ruas, os coxinhas e os black blocs também perderam.

O Congresso se aproveitou da confusão das pautas e não adotou nenhuma delas.

Os black blocs, depois de usados pela mídia, foram descartados.

E agora, ao final do ano, quando o Senado teria a oportunidade de introduzir pautas progressistas na reforma do Código Penal, o relator Pedro Tacques [foto abaixo], o mesmo Pedro Tacques que tanto elogiou a rebelião das ruas – sobretudo quando enxergou nelas um sopro de oposição popular – agora lhes passa uma sórdida rasteira, ao eliminar os poucos avanços que havia no texto.

Tacques removeu os avanços em relação ao aborto e às drogas.

A democracia perdeu feio em 2013.

Perdeu nas manifestações, quando reprimiu com violência, primeiro; e perdeu quando deixou a coisa rolar frouxa demais, em seguida.

Perdeu com o avanço do STF sobre o Legislativo.

Perdeu com o bloqueio absoluto imposto pela grande imprensa ao debate sobre a democratização da mídia.

Dilma perdeu.

A barbada de 2014 não é mais tão certa. Há variáveis mais complexas e instáveis em ação.

Sua aprovação encerra o ano vinte ou mais pontos abaixo do que tinha em seu início.

A oposição perdeu.

Aécio Neves [foto abaixo com Eduardo Campos] conseguiu a incrível proeza de figurar como um príncipe na mídia e… cair nas pesquisas.

Campos fez algo ainda mais extraordinário: uniu-se a uma campeã eleitoral, que entrou em seu partido e passou a lhe apoiar publicamente e… perdeu intenções de voto (aumentou na primeira pesquisa após sua união com Marina, mas começou a cair em seguida).

O trensalão, o helicóptero do pó, a máfia fiscal da prefeitura paulistana, a coisa de repente ficou feia, em termos “éticos”, para a oposição.

Seu discurso de vestais ficou ainda mais ridículo e falso do que sempre foi.

Eu também perdi algumas coisas este ano.

A virgindade processual, por exemplo.

Agora sou um processado por Ali Kamel [foto D], o todo-poderoso diretor de jornalismo das Organizações Globo, e se perder terei que lhe pagar R$ 41 mil.

Em novembro, sofri meio que um bullying político por parte de simpatizantes de black blocs, reunidos num auditório na UFRJ.

Me puseram na mesa na condição de blogueiro famoso e “criminalizado”, por causa do processo do Kamel.

A meu lado, os parlamentares Jandira Feghali e Jean Wyllys; um advogado da OAB; Mario Augusto Jakobskind, presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa); e um professor que havia passado uns dias num presídio após a polícia lhe prender por varrer a frente da Câmara dos Vereadores.

Eu suspeitei que estava em terreno minado.

Afinal, o que já dei de pancada verbal em black bloc e coxinhas, não tá no gibi.

Eu sou a favor da violência: verbal. E contra violência física.

Os black blocs são o contrário: são a favor da violência física, mas contra a violência verbal: ninguém pode criticá-los.

Todos falaram, inclusive eu, e ao final uma moça se ergueu para me fazer uma pergunta, pegou um bloco e passou a ler um trecho de um post meu de meses atrás.

Eu respondi da forma que pude.

Houve um início de gritaria, com minhas amigas me defendendo e outras pessoas me atacando.

Até que o Jakobskind pegou o microfone e determinou: “temos que cerrar fileiras em torno desse rapaz (eu), porque ele está enfrentando o maior império de todos!

Jakobskind é um jornalista íntegro e portanto anti-global, até porque ele está lutando para evitar que o candidato da Globo vença as próximas eleições da ABI.

Esse é o tipo de enrascada previsível para um blogueiro de opiniões polêmicas.

Só lamento não ter dado uma resposta clara e firme à moça, porque ela atacou abaixo da cintura: ela conseguiu catar, como quem cata uma pulga, o erro mais grave que cometi, não no conteúdo, mas na forma como eu expressei uma ideia.

Mas ela podia ter pego mil outros exemplos.

Se há política e confronto, haverá sempre algum radical, à esquerda ou à direita, que não concorda com minhas ideias: e pode ser que ele esteja certo, e eu errado.

Eu escrevo diariamente, tanta coisa, e me envolvo em linhas de pensamento sobre as quais preciso meditar com o máximo de urgência. Posso errar, portanto.

Eu errei num post em que narro um episódio no dia 11 de julho, em que algumas amigas minhas se sentiram intimidadas e agredidas por black blocs.

Ao final do post, eu cometo um sério deslize, ao encerrar o post com uma frase deliberadamente vulgar: “se eu vir um mascarado na minha frente sou capaz de lhe dar um murro”.

É chato. Tantos posts intelectualizados, citando latim e teorias políticas, e a pessoa cata uma frase vulgar e brutal presente num post escrito com o fígado.

Repito, sou a favor da violência verbal.

Acho que a violência verbal integra esse universo maior a que alguns chamam liberdade de expressão.

Este é um assunto, aliás, no qual sou absolutamente liberal.

Tenho que ser, porque sem liberdade, eu serei o primeiro a me lascar, visto que, por mais que eu procure ser cuidadoso, não tenho controle total sobre meu (mau) humor e meu sarcasmo.

A literatura é um vale tudo, e literatura de ficção e literatura política às vezes partilham dos mesmos anseios em termos de iconoclastia, subversão e criatividade sintática.

O ano termina, portanto, com um aspecto terrivelmente cansado, como se não tivesse transcorrido apenas um ano, mas uma década. Tenho a impressão, por isso mesmo, de que todos estão exaustos.

Eu me flagrei cometendo errinhos bestas de sintaxe ou lógica em posts recentes.

Esses feriados de Natal e Ano Novo serão providenciais para mim.

O recesso dos poderes públicos nos dão um pouco de paz por alguns dias. Esperemos que a mídia também sossegue.

O ano de 2014 promete ser tão ou mais intenso do que este.

Copa do Mundo, eleições, além dos momentos finais, talvez os mais encarniçados, do debate sobre a Ação Penal 470.

O calor eleitoral reviverá o tema e os esforços canhestros de setores do governo que pretendem “virar a página” darão com os burros n’água.

Na verdade, é provável que os marketeiros se mantenham no terreno das platitudes estéticas.

O trabalho pesado, a desconstrução sistemática das mentiras diárias da mídia, a luta para não deixar que as injustiças da Ação Penal 470 se consolidem como “fato consumado”, ficará sob responsabilidade, como sempre, de blogueiros duros, processados, destemidos e incansáveis.

A diferença é a própria luta de classes e a dicotomia entre o capital e o trabalho, tanto que, em reunião política no Barão de Itararé, discutimos como seria negativo para o Brasil se Dilma obtivesse uma fria e calculista vitória eleitoral, feita por marketeiros, ao invés de uma apaixonada e libertadora vitória política, conduzida por intelectuais, militantes e blogueiros.

Ao menos não estamos mais totalmente sozinhos.

Vários agentes políticos estão se preparando para um embate mais polarizado no ano que vem, e todos que não estarão com a Globo, estarão com a gente.

Da minha parte, construí relações com vários parlamentares, representantes de movimentos sociais e sindicatos, e mesmo com jornalistas da grande imprensa.

No ano que vem, estreitaremos laços com mais gente; esta é a vantagem de um ano eleitoral.

Em ano eleitoral, a mídia perde o monopólio da conspiração política.

Em ano eleitoral, todos viram conspiradores.

Todos fazem reuniões com todo mundo.

O "vamos conversar" de Aécio Neves é o clichê de todos os candidatos, e isso é muito bom.

Num ano em que quase todos os agentes políticos, à esquerda, à direita, na situação e na oposição, na mídia, nas ruas, nos blogs, saíram derrotados, talvez um só tenha sido vencedor. O povo? O Fluminense?

Vou descansar por uns dias.

Tentarei voltar para mais um post antes da virada do ano, mas desde logo lhes desejo um feriado tranquilo e votos de um novo ano cheio de realizações, saúde e felicidade.

Fonte:
http://www.ocafezinho.com/2013/12/23/2013-o-ano-das-grandes-derrotas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.