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quarta-feira, 3 de abril de 2013

A sociedade se descola


 Por Luciano Martins Costa (*)


Lembra do tempo quando a opinião pública era a opinião dos donos de jornais? (Aparecido Araujo Lima)
     
Os jornais da quarta-feira (27/03/2013) não trazem um tema impactante, desses capazes de mobilizar as opiniões dos leitores. Mas o conjunto das notícias forma um mosaico interessante para a análise de algumas mudanças que podem ser percebidas na relação da sociedade com a mídia tradicional.

Com exceção do Globo, as manchetes destacam a aprovação do projeto que estende os direitos trabalhistas de empregadas domésticas, tema que já vem sendo debatido nas redes sociais há pelo menos uma semana: a única coisa que o leitor tem de novidade é que agora se tornou lei, e os jornais aproveitam para esclarecer melhor as novas regras.

O Globo prefere usar a manchete para discutir o fechamento do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, mas também registra a mudança nas normas trabalhistas. A Folha de S.Paulo ainda encontra espaço para sua recém-inaugurada cruzada contra o novo prefeito de São Paulo, cujo mandato ainda não completou três meses.

De modo geral, parece haver um esforço dos diários para se manter sintonizados com os debates nas redes sociais digitais, onde a natureza do trabalho doméstico produz opiniões muito divergentes. Há reportagens alertando para o risco de centenas de milhares de demissões, a possibilidade de se reduzir o número de empregos domésticos com carteira assinada, e para o possível aumento das demandas na Justiça do Trabalho.

Parte da imprensa também registra o caso do jovem que teve um braço decepado após atropelamento em São Paulo e que se reencontrou com os homens que o socorreram na ocasião do acidente.

Em todos esses temas, é interessante observar como o noticiário da mídia tradicional interage com informações e opiniões postadas autonomamente por participantes das mídias digitais. Assim como acontece com as instituições que regulam a vida pública, como o conjunto dos partidos políticos, comissões do Congresso ou entidades do sistema Judiciário, parece estar em andamento uma diluição do poder da imprensa sobre aquilo que se costumava chamar de “opinião pública”.

Os espaços públicos para a comunicação se expandem sem limites perceptíveis e os temas dos quais se ocupa a sociedade não dependem mais apenas nos meios institucionais de informação e opinião. A questão da violência urbana, por exemplo, ganha outra dimensão nos relatos e comentários publicados nas redes sociais, onde as pessoas podem entender melhor os sentimentos do jovem atropelado ao rever aqueles que salvaram sua vida.

Democracia midiática
Há sinais de que a sociedade em rede se descola rapidamente da imprensa e demais instituições tradicionais. Por outro lado, pode-se notar como a rotina das instituições passa a ser afetada pela dinâmica do ambiente de relações virtuais criado pela tecnologia digital de comunicação.

A nomeação de deputado pastor Marcos Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara provocou uma onda de protestos nas redes sociais. Os jornais de quarta-feira (27) informam que seu partido, o PSC, vai manter sua indicação, mas outros integrantes falam em abandonar a comissão, para obrigá-lo a renunciar.

Não foi certamente um súbito ataque de pruridos morais que provocou a ruptura no corporativismo parlamentar, mas isso parece resultar das pressões de milhares de indivíduos nos grupos de debates online. Claramente, a agenda pública se transfere do ambiente administrado pela mídia tradicional para o amplo e caótico espaço hipermediado, e não há como prever até que ponto as informações e opiniões dispersadas pelas redes poderão criar algum padrão que possa ser analisado objetivamente.

A notícia segundo a qual o fundador do Facebook,Mark Zuckerberg, estaria organizando um grupo político para atuar junto a instituições americanas merece uma observação cuidadosa. Trata-se de um movimento que segue a estratégia de iniciativas como o Avaaz.org, que organiza campanhas comunitárias por todo o mundo e tem ajudado a congregar ativistas dispersos nas redes sociais.

O que Zuckergerg pretende, segundo informe distribuído pelo Facebook,é criar um fundo destinado a financiar mobilizações por reformas legislativas nos Estados Unidos. Com cerca de US$ 50 milhões, ele planeja juntar especialistas para levar um pouco de racionalidade aos debates parlamentares sobre a política de imigração e estimular projetos de reforma do sistema educacional americano. Além disso, o projeto prevê investimentos em pesquisas, também com objetivo de reduzir a distância entre o conhecimento científico e as normas legais.

No Brasil, as mobilizações ainda dependem da vontade de militantes dispostos a doar seu tempo para campanhas, mas, ainda que faltem recursos e organização, tais iniciativas já produziram, por exemplo, a lei da Ficha Limpa.

Na medida em que as redes socais aumentam sua distância das mídias tradicionais e seu vicioso processo de controle da comunicação, é possível que estejamos assistindo à consolidação de uma forma muito interessante de democracia midiática.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_sociedade_se_descola

(*) REDES SOCIAIS - A sociedade se descola - Por Luciano Martins Costa em 27/03/2013 na edição 739 - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/3/2013


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Novos paradigmas: Revolução 2.0


Maria Lucia Martins

O mundo assiste uma sucessão de mudanças. No cenário, queda de governos, populações nas ruas em protesto em várias partes do mundo, Estados enfraquecidos frente ao poder econômico das corporações estão distantes de uma resposta. O chamado “capitalismo cognitivo” se pauta pela busca de outras acumulações. Segundo Giuseppe Cocco (UFRJ) nos últimos anos vemos a socialização das perdas. Os movimentos emergem sem a condução dos Partidos, reunindo, através da internet, pessoas decidas a traçar seus destinos. Onde vão dar estas ondas emergentes de manifestações, ainda não se sabe. O que se pode dizer é que tudo isto faz parte de novos paradigmas, nos quais estão as propostas de uma nova economia, da produção compartilhada, da dinâmica da interatividade, da democracia participativa de diversas formas. Estes temas foram debatidos no seminário internacional Revolução 2.0 – da crise do capitalismo global à constituição do comum, realizado no Rio de Janeiro. Vivemos uma crise das intermediações e nos perguntamos quem são ou serão os outros mediadores.

Neste contexto, de ações alternando-se entre as ruas e as redes, destaca-se a experiência em curso da SolTV, do site Puerta del Sol en Directo, onde se pode acompanhar on line o mapa das mobilizações e no qual se cria mobilização e solidariedade. Percebe-se a simultaneidade dos acontecimentos e a complexidade do espaço-tempo: lutas globais, num outro imaginário. Sobre este momento e o Movimento 15 de maio falou Raul Sanchez, da Universidade Nômade de Madri.

Uma experiência criativa, revelada por Ivana Bentes (UFRJ), é a do artista argentino Gustavo Romano que, explorando a máxima “tempo é dinheiro”, criou moedas com valores em tempo, e mesmo um Banco Mundial onde se pode emprestar tempo. Uma crítica radical à monetarização da vida (http://gustavoromano.org/). Em nosso país, Ivana considerou importantes as marchas recentemente realizadas entre as quais a da Liberdade que aconteceu em 70 municípios, abarcando todos os estados brasileiros nos meses de maio/junho de 2011, e o Circuito Fora do Eixo.  O hackerismo também ganha outras possibilidades, saindo do tecnológico em si para as ações sociais. Cada vez mais o futuro da democracia depende da comunicação e a democracia na rede depende da interatividade e esta do individualismo colaborativo, que gere estratégias em vários campos, disse Sérgio Amadeu (AFABC). A rede, afirmou Amadeu, alterou completamente a interatividade e dificultou as estratégias dos governos centrais. Um exemplo é o Wikikleaks; porém, a rede encontra-se superdimensionada também por interesse do capital financeiro e o que chamamos de “crise econômica” foi uma alavancagem que fez com que o mercado de derivativos seja comparado a um cassino.

Peter Pal Pelbart (PUC-SP) assinalou a “crise da medida”, lembrando o Livro de Jó e o prefácio feito por Antônio Negri em que este afirma que “toda utopia é de fato uma paixão. É de dentro dessa condição material que podemos mudar, transformando-a por dentro, libertando-nos de todas as subjetivações capitalistas”. Em Jó, a força do escravo está expresso que “só paixão da criação poderia derrocar a crise da medida”. Ele afirmou que temos a necessidade de pensar algo novo e que doravante a aventura não pode ser linear.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

Resistir é preciso....



por Nemércio Nogueira*


1187 Resistir é preciso...No dia 27 do mês passado, São Paulo assistiu a um evento de grande importância para a História do Brasil, proporcionado pelo projeto “Resistir é Preciso…”, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog com o patrocínio da Petrobras.
O lançamento desse trabalho foi feito no Memorial da Resistência (antigo DOPS), resgatando para a nossa memória a trajetória de uma imprensa nacional que, com a   intenção explícita de resistir à ditadura e combatê-la, nasceu, cresceu e se expandiu no exílio , na clandestinidade e até nas bancas de jornais.
Essas três formas da imprensa resistir ao totalitarismo e à ditadura fazem parte fundamental de um cenário mais amplo da historiografia brasileira: a circulação de jornais para difundir idéias, sem a concordância do poder do momento. Vale lembrar, aliás, que o Correio Braziliense, marco do nascimento da imprensa brasileira, em 1808, era editado no exílio de Londres e distribuído clandestinamente para escapar à censura da corte portuguesa, que se mudara para a colônia brasileira.
A profunda pesquisa em que se baseia o projeto “Resistir é Preciso…” parte de uma coleção de mais de 250 títulos de publicações produzidas nas mais adversas condições, recolhidas pelo historiador José Luiz del Roio e catalogadas pelo Centro de Documentação e Memória da UNESP-Universidade Estadual Paulista. O projeto foi implementado sob a coordenação geral de Clarice Herzog e tendo os jornalistas Ricardo Carvalho como coordenador de conteúdo e Vladimir Sacchetta como coordenador de pesquisa. Com uma vida inteira dedicada à arte e à cultura, Fábio Magalhães é o curador de exposições do projeto.
O resultado desse trabalho é constituído da pesquisa, digitalização, contextualização e álbuns de fac-simile, dez documentários de 26 minutos, 60 depoimentos em vídeo dos protagonistas dessa história em uma coleção de 12 DVDs, programetes de três minutos de duração, uma publicação bilíngue amplamente ilustrada, portal de internet e exposições no Centro Cultural Banco do Brasil.
A revista Pif Paf, fundada por Millôr Fernandes em Maio de 1964, um mês após o golpe militar, foi a primeira publicação da imprensa chamada alternativa, que marcou o período de 1964 até a anistia, promulgada em 1979. Tinha como colaboradores alguns dos melhores jornalistas, escritores e cartunistas da época, como Rubem Braga, Antonio Maria, Sergio Porto, Ziraldo, Claudius, Fortuna e outros. Pif Paf, porém, só durou oito edições, porque a censura do governo a tirou de circulação. Em seu último número, um texto que transpira a ironia de Millôr advertia: “Se o governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia”.
Ao longo dos 15 anos que durou esse período triste da nossa História, outros títulos se tornaram amplamente conhecidos, como Opinião, Movimento, Ex- e O Pasquim, o mais famoso de todos. Essas eram publicações alternativas, ou seja, legalmente constituídas, com autores e locais de impressão oficialmente sabidos. Menos conhecidos são órgãos produzidos na clandestinidade e no exílio, como Revolução, ligada a setores católicos radicais, ou a Frente Brasileira de Informações, que circulou na Argentina e Chile.
Publicações como essas surgiram no Brasil e no exterior como forma dos que se opunham ao regime totalitário manifestarem suas ideias e opiniões – e, naturalmente, quem as escrevia, publicava e distribuía era alvo prioritário da repressão.
Ao promover a realização do projeto “Resistir é preciso…”, o Instituto Vladimir Herzog cumpre sua principal missão, que é ajudar a preservar a História do Brasil, com foco especial a partir do golpe de 1964 e tendo como centro de referência a própria história do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura.
Fundado em 25 de Junho de 2009, com o objetivo de contribuir para a reflexão e produção de informação que garanta o direito à vida e à justiça, o Instituto, sem fins lucrativos e com neutralidade político-partidária, tem também por meta promover, orientar e premiar trabalhos de comunicação sobre temas pertinentes às questões que afetam tais direitos.

* Nemércio Nogueira é consultor de empresas e diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog.
(O autor)

Fonte: publicado originalmente no site Envolverde