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quarta-feira, 4 de março de 2015

Secaram São Paulo e podem secar o Brasil

Por Zilda Ferreira*

Imaginem o Brasil, o mais rico do planeta em água, com sede. O País, conforme novas descobertas, tem água para saciar a sede da população mundial. Possui as duas maiores bacias hidrográficas; Amazônica e do Prata, além de ter  os dois maiores aquíferos; Alter do Chão e Guarani. Mas não tem uma legislação que proteja os rios aéreos, e as águas subterrâneas são de domínios dos Estados, conforme a Lei das Águas de 1997. Para agravar não há políticas públicas para gerir esses recursos em benefício do Estado e da população. Parece até que o Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA) aderiram a política das empresas do mercado da água de privar para privatizar (Leia A obscura ameaça de privatização das águas, "Água não se nega a Ninguém parte 5/5" e "Brasil o país mais rico em água do planeta").

A destruição do Bioma Cerrados que congrega o Planalto Central, onde nascem quase todos os grandes rios brasileiros, atualmente contaminados e destruídos pelo agronegócio, principalmente suas nascentes e matas ciliares, sem dúvida é também responsável  por essa iminente catástrofe. São Paulo foi a primeira vítima, mesmo ficando  em cima do aquífero Guarani e na Bacia do Prata. O agronegócio e a produção de biocombustíveis nesse Estado consomem aproximadamente 80% de água e suas industrias mais de 20%. Além disso, São Paulo foi primeiro Estado da Federação a incentivar  a privatização da água em seus municípios, através de concessões, e não investiu na rede de abastecimento - apesar do consumo doméstico ser prioritário por lei - o acesso foi negado com a falta de água, contrariando a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano ("Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos"). Não deixe de ler: Novo secretário de Recursos Hídricos reacende ameaça de privatização da Sabesp

MINERADORAS PODEM SECAR O BRASIL

Agora, os Brasileiros devem temer que esse problema se espalhe pelo país porque as mineradoras, principalmente as multinacionais, podem secar a Amazônia, o cofre hídrico do continente. Há denúncias de que  uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas, no Peru. Em Alter do Chão, distrito de Santarém, PA, à beira do Rio Tapajós, dois engenheiros argumentavam com uma jornalista que  o maior problema da poluição e do desequilíbrio ambiental da Amazônia são as mineradoras e não desmatamento (Leia "Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros" e "Um inferno siderúrgico na Amazônia").

Durante um simpósio em Tucuruí/PA, um engenheiro Florestal assegurava que a ALCOA -empresa líder mundial na produção de alumínio - consumia mais energia que toda a população de São Luis, além da grande quantidade de água e de envenenar os rios. Em seguida, um outro palestrante usou uma metáfora para explicar a importância  de não poluir as águas: "Os rios são como veias de um corpo e as barragens como um grande coágulo, se as mineradoras não envenenassem esse sangue da terra e não sugassem tanta água, a natureza regeneraria. Mas, elas não permitem" (Leia: "Um povo cercado por um anel de ferro"  e "Água: as mineradoras têm (muita) sede").


OS CONVERTIDOS DA MÍDIA

Alheios às causas que geram a crise hídrica os convertidos da mídia infernizam vizinhos, convocam reuniões de condôminos para discutir a crise da água. O clima desses encontros é tenso. Normalmente, pedem novas regras de consumo de água, denunciam vizinhos, e querem instalações urgentes de medidores individuais em prédios antigos. Numa dessas reuniões, na Tijuca, um bairro de classe média do Rio de Janeiro, uma moradora resolveu indagar se alguém sabia  que o agronegócio consumia mais de 70%, as indústrias mais de 20% e que consumo doméstico não chegava 8%, lembrando que a água tratava é cara. Todos desconheciam essa informação, mesmo uma bióloga ambientalista e uma jornalista que trabalhava para uma ONGs de Educação Ambiental. (Leia "Água: mídia alternativa e EBC se redem ao ecomercado").

Enquanto esse discurso da mídia  tem azedado relações entre vizinhos e gerado até brigas sérias, parece que o mercado está satisfeito. Recentemente um empreendimento imobiliário - detalhes no link -  fazia grande  propaganda de um oásis, preparado através da mudança   do curso de um rio, especialmente aos paulistas que quisessem fugir do drama da falta de água para viver num clima de abundância hídrica, com águas cristalinas. Um verdadeiro sonho para quem pudesse pagar (Leia "Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos").

Entretanto, com as empresas a mídia é benevolente e tem evitado atritos, não divulga quem consome mais água e nem o nome de uma empresa de bebidas que desviou o curso de um rio para beneficiar sua fábrica. Pouca gente sabe que a Sadia é a empresa que mais consome água do Aquífero Guarani e também uma das maiores poluidoras da cidade de Toledo, no Paraná. É bom lembrar que só para produzir um quilo de frango são necessários dois mil litros de água. Ninguém divulga também que os irmãos Marinhos nos anos 90 compraram terras exatamente em cima do Aquífero Guarani, embora essa denúncia tenha sido feita por professores de universidades paulistas, na ocasião (Leia: "Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos").

Esses fatos e a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano são escondidos para que a população não proteste contra o processo de privatização desse bem comum e essencial à vida (Leia: "A luta pelo direito à água na Rio+20" e "Agora, água para todos").

O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

Atualmente há dois grupos que defendem subliminarmente a privatização da água e se revezam no comando da política hídrica brasileira: os tecnicistas, com inovações tecnológicas descontaminantes, debitando na conta do cidadão o problema de escassez da água; e os conservacionista da natureza, com discurso  da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza e da cultura. A capacidade de perversão e sedução desse discurso e tão alienante que modifica hábitos do povo para economizar água até para escovar os dentes.

É difícil separar esses dois grupos, porque os interesses deles são mais ou menos os mesmos. Por exemplo, o grupo que atualmente dirige a SABESP e a política hídrica do Estado de São Paulo é formado por técnicos altamente especializados, ex- dirigentes da Agência Nacional de Águas (ANA) - considerados tecnicistas - mentores da  atual política hídrica brasileira, implantada no governo FHC, dentro dos princípios neoliberais científicos e tecnológicos de dominação do homem e da natureza.

É importante lembrar que a atual ministra do Meio ambienta, Isabela Teixeira, tem formação acadêmica na COPPE/UFRJ - instituição dominada na área hídrica pela Suez Lyonnaise des Eaux, segunda maior empresa do mercado mundial da Água e GDF Suez também francesa, considerado o segundo grupo de energia do mundo. Isabela é uma tecnocrata, discípula desses grupos e talvez por isso tenha endossado políticas do Conselho Mundial da Água, que congrega as maiores empresas do mercado da Água, defensoras da privatização - Ficou claro no VI Fórum Mundial da Água em Marselha, em 2012 (Leia "Olho na governança Global da Água" e "Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado").

SUSTENTABILIDADE?

E quem sonhava com o discurso de sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva, já percebeu que a realidade é uma catástrofe ainda maior. Os conservacionistas com o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza, têm como estratégia de poder o hiper-realismo da globalização no ocultamento dos mecanismo de repressão, a fim de dilapidar recursos ambientais e ficarem impunes. Defendem até a federalização do mundo, e assim, a  governança dos ativos ambientais brasileiros seria entregue às nações hegemônicas.(Para entender o que esconde o marketing ambiental dos conservacionistas leia "A disputa pela Terra em Copenhague" e "O agronegócio e o ecomercado ameaçam a vida"). 

Não há esperança a vista. Imaginem a que ponto chegamos, o Financial Times divulgou que uma das causas para o impeachment de Dilma seria a falta de Água. O voracidade do mercado e a mídia perderam a noção, mas parece que contam com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que jamais foi criticada pelo Globo e pela mídia em geral. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Por Zilda Ferreira, fundadora e editora do EDUCOM

Água é um bem comum. Sem água não existe vida. Mas não lemos nenhuma linha na mídia sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento, determinados pela Resolução 64/292 das Nações Unidas. Nada foi publicado sobre esse direito nem mesmo no Dia Internacional da Água, 22 de março último, apesar de três bilhões de pessoas no mundo não terem acesso a água corrente em casa, segundo dados da ONU.

Em julho de 2010, 122 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram a Resolução 64, com 41 abstenções e nenhum voto contra. Os Estados Unidos se abstiveram, como outros Estados industrializados, entre eles Áustria, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Japão e Suécia. Nos debates houve clara divisão entre as nações do Norte e do Sul, como já era esperado. Durante a Rio+20, em 2012, os Estados da União Européia e outras nações industrializadas tentaram derrubá-la. Desde 2010, o ecomercado centraliza o tema água, apresentando-a como commodity e de maneira subliminar, utilizando sofisticado marketing ambiental e cooptando a imprensa alternativa.

Na sua edição de março de 2014, a Folha do Meio Ambiente abriu dez páginas para lembrar todas as campanhas da água desde 1994, quando foi criado o Dia Internacional. Ao citar 2010, no entanto, omitiu a aprovação da Resolução 64/292 em 28 de julho e considerada por muitos a maior conquista do início do século. Carta Capital, publicação preferida de muitos militantes da esquerda, ignorou o Dia Internacional. Tendo oferecido pouco ou nenhum destaque ao 22 de março, a mídia alternativa mostrou-se cooptada pelo sofisticado marketing do ecomercado. Que dizer então da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação e que, portanto, deveria estar imune aos interesses do mercado para informar corretamente e expor a manipulação? Acabou também escancarando sua cooptação, ao ouvir uma porta-voz dos grupos financeiros e de conglomerados de mídia, a ONG WWF-Brasil. ONG esta que já foi presidida pelo senhor José Roberto Marinho.

Como já era de se esperar, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre os problemas de água em Manaus. Mas apontou como vilão o indivíduo que desperdiça água tratada, não observando os vazamentos domésticos... Essa abordagem a respeito do abastecimento de água em Manaus é cruel. Primeiro porque há muitas pessoas que não têm água em suas torneiras há muito tempo e, por isso, deixaram de pagar a conta. Atualmente, elas não têm crédito porque seus nomes estão no SPC. Segundo, e o mais importante, Manaus está sobre o maior aquífero do mundo, o Alter do Chão, que tem água de boa qualidade. Há denúncias de que a concessionária que abastece Manaus é estrangeira, não investe e cobra caríssimo pela água que fornece. Quem não não pode pagar não tem.


Voltando ao assunto manipulações da mídia, pasme, os meios alternativos passaram a usar dados do ecomercado sobre informações essenciais. Quando esteve recentemente no Brasil a relatora da ONU para os Direitos Humanos a Água e Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque, colocaram para assessorá-la um representante da mídia alternativa que defendia os créditos de carbono. Em uma entrevista coletiva não-divulgada para a maioria dos jornalistas especializados, a relatora apresentou dados positivos apenas de cidades abastecidas por concessionárias privadas. Albuquerque certamente recebeu esses dados de sua assessoria brasileira, uma vez que é contra a privatização. Grande surpresa para os fluminenses bem informados sobre o tema, Niterói foi uma das cidades bem avaliadas - fato repercutido pelas mídias. Não faz muito tempo, a "cidade sorriso" foi palco de um drama: ao sair do hospital onde tratava um câncer, a mãe de um jornalista encontrou a água de sua casa cortada por falta de pagamento, em razão da absurda taxa que os familiares não puderam pagar.

Assim, depois de muito tempo entendi a frase lapidar do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves: "Quanto mais se fala em meio ambiente, pior fica". Por isso ficaremos em silêncio por algum tempo, até que possamos fazer uma campanha robusta sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento.

Não deixe de ler:
Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida
Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água
A luta pelo direito à água na Rio+20

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O vale de lágrimas é aqui

21/01/2014 - Venício Lima - Carta Maior
- Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Assim como outros milhares da minha geração, nascidos em famílias católicas, ainda criança aprendi a popular oração “Salve Rainha” que inclui a súplica: “A vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas” [Ad te clamamus, exsules filii Hevae, ad te suspiramus, gementes et flentes in hac lacrimarum valle].

Segundo a Wikipedia, “a autoria da oração é atribuída ao monge Hermano Contracto, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenan, na Alemanha.

Naquela época, a Europa central passava por calamidades naturais, epidemias, miséria, fome e a ameaça contínua dos povos nômadas do Leste, que invadiam os povoados, saqueando-os e matando”. 

Cresci repetindo mecanicamente esta súplica sem saber o que poderia ser “um degredado filho de Eva” ou, muito menos, por que razão estaríamos todos a “suspirar, gemer e chorar” num “vale de lágrimas”.

Com o tempo, ensinaram-me que o “pecado original” nos tornava a todos “degredados”, e que a expressão “vale de lágrimas” tinha sua origem numa passagem do Salmo 84 [na numeração da Bíblia Hebraica], conhecido como Salmo dos Peregrinos.

Anos mais tarde, me dei conta de que, no Salmo 84, o significado literal de “vale de lágrimas” é muito diferente daquele que prevalece na interpretação cristã dominante.

[Registro, embora este não seja o objetivo aqui, que palavras e expressões mudam de significação ao longo do tempo, da mesma forma que palavras são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.

Ver, por exemplo, “A linguagem seletiva do ‘mensalão’“.]

Baca e as lágrimas
A tradução literal da passagem do Salmo 84 no original hebraico é:

“Bem-aventurados os homens cuja força está em Ti, em cujo coração os caminhos altos passando pelo vale de Baca, fazem dele um lugar de fontes; e a primeira chuva o cobre de bênçãos.”

Na Vulgata Latina (Salmo 83), no entanto, que serve de referencia para as interpretações cristãs, o “vale de Baca” é substituído por valle lacrimarum:

Beatus vir cui est auxilium abs te ascensiones in corde suo disposuit in valle lacrimarum in loco quem posuit etenim benedictiones.”

Na verdade, a palavra hebraica “baca” significa tanto lágrima, choro, como bálsamo.

As “balsameiras” (amoreiras) são árvores que “choram” porque produzem uma resina de cheiro agradável, o bálsamo, palavra que, figurativamente, significa conforto, lenitivo, alívio.

Esta é razão pela qual o vale, ao norte de Enom, recebeu o nome de Baca: é o vale das árvores que “choram”.

Ele era também a última etapa da peregrinação, na encruzilhada das estradas que vinham do norte, do oeste e do sul, com destino ao Templo em Jerusalém [foto].

Os peregrinos, que chegavam até Baca, depois de uma longa caminhada, eram bem-aventurados e poderiam transformar as chuvas em fontes (de água) e de bênçãos.

Na pregação cristã, ao contrário, o “vale das árvores que choram” foi se transformando no “vale de lágrimas” e até mesmo no “vale da morte”, uma condição inescapável da vida humana, uma sequência de sofrimento e purgação para os pecadores na busca do perdão de Deus.

Um pastor presbiteriano assim descreve o vale de Baca:

“É muito indesejável.
a) É árido. Não tem rios de alegria; os poços, cavados por alguns dos peregrinos que nos antecederam ou por nós mesmos são, muitas vezes, “cisternas rotas que não retêm as águas” (Jeremias 2.13).
b) É pedregoso. Os peregrinos conseguem remover as pedras menores, não as grandes; a caminhada é muito sofrida; muitos tropeçam e caem.
c) É escuro. As trilhas serpenteiam entre rochas de angústia e montanhas de pecado; o Sol da Justiça esconde-se por trás destas e o vale fica muito sombrio.
d) É extenso. Os peregrinos sabem que Sião está à frente, mas não podem vê-la; a caminhada parece não ter fim. Muitos ficam desencorajados.
e) É infestado. Há espíritos maus neste vale. Eles tentam; fazem insinuações malditas e sugestões blasfemas: armam ciladas, lançam os “dardos inflamados do maligno” (Efésios 6.11,16) [ver aqui].

Esta é a significação que “vale de lágrimas” (Baca) tem na oração “Salve Rainha”. É um mundo pleno de misérias e obstáculos.

Ajuda divina
Toda essa introdução é para observar que um visitante estrangeiro que desembarque no Brasil e que tome como referência as notícias diariamente veiculadas na grande mídia brasileira se convencerá de que o “vale de lágrimas” da interpretação cristã do Salmo 84 é aqui, hoje e agora.

No enquadramento padrão do jornalismo praticado entre nós, até mesmo as notícias eventualmente “boas” são acompanhadas de comentários irônicos e jocosos insinuando que alguma coisa deu ou dará errado, mantendo-se o “clima geral” de que estamos vivendo numa permanente e irrecorrível sequência de sofrimento e purgação de pecados.

Dia desses, fiz um teste assistindo ao noticiário local da concessionária de televisão líder de audiência do Distrito Federal.

Além das chamadas de abertura e passagem, nos três blocos de notícias, cada um com três matérias, todas tinham um enquadramento negativo e crítico:

- o hospital universitário, que finalmente iniciaria uma necessária reforma na sua maternidade, criava um novo problema para as grávidas, pois elas teriam que procurar outros hospitais;
- o subsecretário de Segurança era criticado (justamente) por referir-se a uma pessoa desaparecida e encontrada morta sob suspeita de ter sido assassinada por policiais como “um zé”;
- um incêndio no Cerrado, incomum nesta época do ano, tinha causado uma enorme fumaça e atrapalhado a visibilidade dos motoristas, mesmo combatido e controlado pelo Corpo de Bombeiros;
- em algumas regiões do Distrito Federal faltavam vagas para crianças de zero a cinco anos, perto de suas casas, nas creches públicas;
- as chuvas estavam provocando buracos nas ruas de uma cidade satélite onde as “bocas de lobo” estão entupidas e com as tampas quebradas;
- em outra satélite há um cruzamento onde a falta de um semáforo tem dificultado a travessia e provocado acidentes;
- e, por fim, o retrato falado de um suspeito de praticar sequestros relâmpago é divulgado com o inescapável comentário sobre a crise na segurança pública.

Por óbvio, o “vale de lágrimas” não é a única característica do jornalismo brasileiro que omite e/ou enfatiza seletivamente aquilo que atende mais ou menos aos seus interesses, implícitos e/ou explícitos.

De qualquer maneira, o noticiário televisivo do Distrito Federal, escolhido aleatoriamente, é apenas um exemplo de um padrão que se repete várias vezes ao dia, todos os dias.

Não haveria nada de positivo eventualmente acontecendo e merecedor de ser noticiado neste pedaço do planeta “descoberto” por Cabral?

No jornalismo do “vale de lágrimas” que vem sendo praticado pela grande mídia, salvar o Brasil, só com ajuda divina.

Vamos todos rezar o “Salve Rainha”.

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio, Paulus, 2013, entre outros livros

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-vale-de-lagrimas-e-aqui/30055

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Política e debates na rede - Maurício Caleiro

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O midiativismo se multiplica


Por Luciano Martins Costa em 21/08/2013 na edição 760

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 21/8/2013

     
Nas edições de quarta-feira (21/8), a Folha de S. Paulo e o Globo informam que um policial militar do Rio foi afastado do serviço após ter sido identificado lançando gás de pimenta contra jornalistas e advogados que acompanhavam um protesto no bairro do Catete.

Os dois textos oferecem informações detalhadas sobre a ação do agente público, depoimentos e declarações de autoridades, com as costumeiras promessas de “apuração rigorosa”. Mas há uma diferença fundamental entre as duas reportagens: para o Globo, o vídeo que denuncia a atitude do policial apenas “circula nas redes sociais”. Já a Folha esclarece que as imagens foram produzidas e divulgadas “por um grupo identificado como Coletivo Mariachi” (ver aqui).

Só os editores do jornal carioca podem explicar porque omitem de seus leitores a autoria do material jornalístico que permitiu identificar o perpetrador desse ato abusivo. Mas não é difícil relacionar esse “esquecimento” com o esforço que faz a mídia tradicional para relativizar a importância dos midiativistas, que se notabilizaram recentemente a partir do coletivo chamado Mídia Ninja.

Segundo o site especializado em mídia e publicidade Bluebus (ver aqui), o Coletivo Mariachi éum novo fruto do processo de multiplicação do jornalismo “ninja”, que dinamiza e diversifica o ambiente comunicacional.

Formado originalmente por um documentarista mexicano e dois jornalistas brasileiros, esse novo grupo, segundo o Bluebus, acompanha as manifestações na cidade do Rio de Janeiro para a produção de um documentário que deverá se intitular “Primavera Carioca”.

Enquanto intelectuais discutem o formato dessas iniciativas, “o que seria jornalismo, o que seria narrativa”, diz o site, “o mundo novo da mídia avança sobre a polícia e mostra o absoluto despreparo dos soldados que deveriam zelar pela ordem nas ruas”.

Pode-se discutir em que ponto eclode a violência que tem se seguido às manifestações, se policiais despreparados detonam ou contribuem para acirrar o ânimo dos protestadores, mas não se pode fugir ao fato de que, sem a ação dos midiativistas, todos os dedos estariam apontados para os manifestantes.

Ao omitir a autoria do vídeo que denuncia a arbitrariedade policial, o Globo admite implicitamente que não pode ignorar a informação, mas se sente compelido a omitir a fonte.

Esses tais de ninjas

Esse episódio pode ser compreendido de vários ângulos. Um deles mostra como é patética a tentativa de demonizar a Mídia Ninja apartir de sua ligação com o coletivo de produtores culturais chamado Fora do Eixo. Nesse contexto, torna-se explícito também que o midiativismo não é uma contracorrente, em relação à mídia tradicional: ele acontece à revelia da imprensa clássica. Nem é mesmo resultado de um ânimo contracultural: é a manifestação de uma enorme convergência que se expressa à revelia das instituições.

Trata-se do mais genuíno exercício de liberdade de informação e expressão, aquele que é produzido por muitos, por quem quiser, e publicizado no “não-lugar” das redes, o campo aberto cujos limites ainda não são definidos por interesses desta ou daquela empresa de comunicação.

Há um elemento básico a ser considerado nesse debate, e que vem sendo omitido ou sobrepassado por alguns analistas: o fenômeno do midiativismo ocorre num momento da modernidade em que os conflitos entre capital e trabalho são dissimulados ou abrandados pelo consumo de bens e serviços tecnológicos que, em variados níveis, democratizam a posse ou controle dos meios de produção da comunicação.

O jovem que porta um smartphone e com ele capta e distribui imagens do cotidiano não deixa de ser um trabalhador e ou estudante, telespectador e, eventualmente, leitor da imprensa escrita; mas agrega à sua potência individual a possibilidade de ser também mídia. Sua autonomia como indivíduo se amplia exponencialmente, com a apropriação desses bens e serviços tecnológicos.

O propósito de agregar essas expressões, mantendo suas singularidades, é que faz da Mídia Ninja um ponto de ruptura na história da comunicação de massa no Brasil. O conceito que registra a substituição da “mídia de massa” pela “massa de mídias” não poderia ter melhor tradução.

Quem acompanha profissionalmente a evolução das tecnologias digitais de informação e comunicação pode antever o que há logo adiante. A qualquer momento, o fluido que escorre pelas ruas e se expressa nas redes digitais vai acabar se consolidando em nova instituição. Nesse momento, aquilo que costumávamos chamar de imprensa terá encolhido até caber num nicho específico do ecossistema de informações.

Por isso, o Globo precisa reproduzir as imagens da violência policial, mas tenta omitir que os autores são esses tais de “ninjas”.


Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_midiativismo_se_multiplica

Leia também

Por que as redes assustam a imprensa – L.M.C. Obsevatório da Imprensa

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A censura em nome da liberdade


Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 20/08/2013 na edição 760

     
É possível afirmar a luta pela democratização da comunicação quando se discrimina quem pode e quem não pode trabalhar numa cobertura?

Representantes da Mídia Ninja contestaram, com toda a razão, a atitude do governo do estado do Rio de Janeiro, que há cerca de um mês os barrou na entrada do Palácio Guanabara, onde se realizava uma coletiva, porque não lhes reconhecia o status de “imprensa”. No entanto, o grupo que desde a semana passada ocupa a Câmara dos Vereadores do Rio, em protesto contra o desvirtuamento na composição da CPI dos Ônibus, age precisamente da mesma forma, ao impedir o acesso de jornalistas da chamada imprensa tradicional, autorizando apenas a entrada dos ninjas. A justificativa é de que essa imprensa distorce as informações, manipula os fatos e tem um passado que a condena: “apoiou a ditadura”.

Não se trata, agora, da hostilização às vezes extremamente violenta contra jornalistas, especialmente de redes de TV, durante as manifestações de massa que ocorreram em junho e julho. Nesses casos, sempre seria possível apontar uma indignação difusa, supostamente espontânea, de pessoas comuns revoltadas contra a atuação da grande mídia, embora seja sempre importante lembrar que palavras de ordem não surgem do nada: alguém “puxa” e o coro corresponde. Agora é diferente, porque há um pequeno grupo organizado que delibera quem pode ou não trabalhar, quando e como.

Qual liberdade?

Quando se contesta essa atitude, há quem responda que o que se deseja é a mídia livre, e que de nada adianta a presença de jornalistas se o seu trabalho será deturpado na hora da edição.

Estamos, portanto, de volta aos tempos da censura prévia, com a particularidade de que nem sequer se permite a apuração dos fatos, para que não sejam divulgados como não se deve.

Curiosamente, no famoso Roda Viva de duas semanas atrás, o líder do coletivo Fora do Eixo contestava a imparcialidade como valor para o jornalismo e defendia, em contrapartida, a “multiparcialidade”.

Seria interessante indagar como produzir essa multiplicidade de pontos de vista, se tantos são impedidos de ver.

Talvez, porém, essa “multiparcialidade” diga respeito apenas aos que são “mídia livre”: por consequência, os demais, os que “apoiaram a ditadura”, devem ser silenciados.

Faz sentido: Saint-Just, um dos ícones da política do terror que se seguiu à Revolução Francesa, dizia que não poderia haver liberdade para os inimigos da liberdade. Pouco importam as tragédias que a História acumula: sempre sobrevivem os partidários dos comitês de salvação pública e de suas guilhotinas.

Todos ou ninguém

Como já pude comentar neste Observatório (ver “Contra a demonização da imprensa“), o pressuposto que automaticamente condena tudo o que vem da grande imprensa parece expressão de aguda consciência política, quando não passa de uma brutal ignorância. Mas, em tempos turbulentos como os que estamos vivendo, radicalizar faz parte: quanto mais, melhor.

Em várias entrevistas, o líder do Mídia Ninja repetiu que discordava da hostilização aos jornalistas, que não agiria assim, mas que entendia por que os outros agiam. Na prática, portanto, não contestava esse comportamento: “entender”, nesse caso, acaba sendo sinônimo de “aceitar”, por mais que o discurso afirme outra coisa.

Diante do que ocorre na Câmara de Vereadores do Rio, se discordassem de fato dessa atitude, os ninjas poderiam simplesmente rejeitar o privilégio. Bastaria dizer: ou todos cobrem, ou ninguém. Seria uma forma objetiva e pedagógica de contestar a discriminação e de demonstrar solidariedade a quem exerce a profissão de jornalista, algo que militantes de outras épocas sabiam valorizar muito bem.

Os empresários que comandam as grandes corporações de comunicação são absolutamente refratários à democratização dos meios e sempre acusaram de “censura” qualquer tentativa de regulação nesse campo. Quem impede a imprensa de trabalhar provavelmente imagina estar agindo de maneira mais eficaz na contestação a esse poder. Opta pela ação direta, despreza a via institucional. Mas o exercício da censura em nome da liberdade, além de um absurdo lógico, significa apenas a inversão de sinais e o afastamento de qualquer hipótese de projeto democrático.

Naturalmente, todos falam em nome do povo. Mas, nesse horizonte, o que se vislumbra tem a forma oblíqua de uma lâmina pronta para decepar cabeças.

***

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

Fonte: Observatório da Imprensa

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A linguagem que veio das ruas


Por Luciano Martins Costa em 12/08/2013 na edição 758

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/8/2013

   
A análise da mídia requer atenção a detalhes da narrativa, como as escolhas de ícones e a sua distribuição no tempo e no espaço de cada mensagem, de acordo com o meio em que se aplica. Na rotina, as intenções que se escondem sob a falsa objetividade do texto jornalístico podem ser identificadas nos módulos de informação que são destacados nas manchetes e no alto da páginas de jornais, nas capas de revistas e nas “chamadas” reiteradas dos telejornais.

Em todos os casos, os temas sobre os quais a imprensa quer chamar mais atenção ganham mais centímetros por coluna na mídia impressa e mais segundos preciosos na televisão, comumente acrescentando-se personagens e comentários de especialistas, cuja credibilidade é bancada pelo próprio veículo.

Eventualmente, as coisas da vida, como uma doença ou a falta de preparo intelectual ou psicológico, reduzem o valor de um ou outro desses analistas, como no caso de uma protagonista onipresente no rádio e na TV, que costumava ser convocada para falar de tudo, e acabou se atrapalhando num dia em que, tendo ingerido uma quantidade maior de bebida alcoólica, colocou no ar a voz pastosa dos embriagados.

Esse modelo de jornalismo está em recesso, por algumas razões que exigem um pouco mais de esforço do observador. Quase todas essas razões têm relação direta com o conjunto de elementos presentes nas manifestações que paralisaram muitas das grandes cidades brasileiras no mês de junho.

O fato de milhares de cidadãos, na maioria jovens, haver denunciado a falta de representatividade do sistema partidário e a falta de credibilidade das instituições republicanas, de alguma forma levou a imprensa a se distanciar um pouco do objeto central de suas pautas – a política partidária – e abrir o olhar para outros aspectos da vida social. Assim é que proliferam reportagens sobre transporte público, assunto que ganhou centralidade após os protestos liderados pelo Movimento Passe Livre.

Por outro lado, a questão das multiparcialidades, colocada em debate com a grande evidência dada ao coletivo Mídia Ninja a partir dos mesmos eventos que tomaram as ruas, induz os jornalistas a reflexões sobre a bipolaridade que marca o debate político nos últimos anos.

Não por acaso, esse é um dos temas anunciados na primeira página do Estado de S.Paulo na edição de segunda-feira (12/8), sobre um artigo que analisa resultados de pesquisa eleitoral que mostra a recuperação da popularidade da presidente da República.

Detalhes da narrativa

A diluição da bipolaridade entre PT e PSDB, que transformou todos os debates em briga de torcidas, tem uma relação direta com a explicitação de uma complexidade na qual os analistas se veem obrigados e constatar, por exemplo, os limites da mídia tradicional na cobertura de eventos de massa.

De outra parte, torna-se obrigatório compreender como funcionam os coletivos de mídia, que por sua vez nascem dos coletivos de produção cultural, que por seu lado são resultado de políticas públicas que contornaram o campo dominado pela indústria hegemônica de entretenimento e informação.

Entre os detalhes dessa mudança, registre-se a inclusão da expressão “coletivo” na narrativa jornalística tradicional. Por exemplo, em reportagem publicada domingo (11/8) pelo Estado, sobre projeto da prefeitura paulistana de regularizar a situação de imóveis ocupados por movimentos de sem-teto no centro de São Paulo, há espaço para o registro de uma experiência social de convivência num prédio de treze andares tomado por 170 famílias desde outubro de 2012.

No texto do jornal, há referências à gestão coletiva do imóvel, que reúne famílias sem casa, prostitutas, imigrantes do Haiti, estudantes de arquitetura, intelectuais e ativistas de movimentos sociais (ver aqui). O prédio tem internet coletiva, creche, cozinha comunitária, hortas nas sacadas, biblioteca, sala de cinema, e um conjunto de regras que prioriza o bem-estar coletivo.

Ler no vetusto diário paulista um texto que se refere a “coletivos culturais”, “produtores independentes” e “moradia popular” sem o velho ranço reacionário que caracteriza tradicionalmente a imprensa, é um desses detalhes a ser registrado.

Nos debates que se prolongam nas redes sociais sobre problemas na ação do coletivo Fora do Eixo, que deu origem ao grupo denominado Mídia Ninja,o foco das análises críticas de alguns intelectuais são os desvios. No entanto, até a mídia tradicional começa a ver as possibilidades de uma nova forma de vida comunitária e produção de cultura que não precisa de referências bibliográficas para acontecer.

Fonte: Observatório da Imprensa

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_linguagem_que_veio_das_ruas

sábado, 3 de agosto de 2013

O cerco informativo ao governo Dilma


Por Carlos Castilho em 28/07/2013 - Observatório da Imprensa

   
O governo federal está encurralado no cenário político nacional em matéria de estratégias de comunicação e informação, numa situação que pode ter reflexos diretos na campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 2014.

A imagem pública da presidente Dilma Rousseff foi desconstruída ao longo de um processo em que a imprensa teve um papel relevante, e que começou já há bastante tempo. Trata-se de um processo onde a construção ou desconstrução da forma como o público vê um político tem mais a ver com percepções do que com evidências. É como no famoso dito de que, em política, as versões são mais importantes do que os fatos.

Dilma hoje está sendo julgada mais pela imagem que a imprensa, a oposição partidária e os desafetos presidenciais no Poder Judiciário construíram em torno da presidente do que pelos feitos de seu governo. Entre a imagem e os feitos há uma considerável diferença – e os eventuais benefícios factuais capazes de ser capitalizados por Dilma estão sendo pulverizados pelos efeitos devastadores do encurralamento comunicacional e informativo.

O governo federal está claramente na defensiva porque a estratégia comunicacional dos adversários de Dilma logrou associar sua gestão à incerteza econômica ao supervalorizar processos como a inflação, queda do PIB, declínio da atividade econômica e redução do superávit na balança comercial. São todos fenômenos muito condicionados pela situação econômica internacional, mas foram apresentados como exclusivamente domésticos para associá-los a uma imagem de má gestão.

A onda de protestos de rua, em junho, confundiu o panorama político e ameaçou tirar Dilma do clinch político-partidário. [Clinch é o jargão usado no boxe para definir uma situação em que um lutador se abraça ao adversário para impedi-lo de continuar atacando.] Ela até que tentou retomar a iniciativa com a proposta de plebiscito, da reforma política, aumento das verbas para a educação e o envio de médicos para o interior. Mas faltou ousadia para romper com o fantasma da governabilidade. Para concretizar a sua estratégia destinada a encampar o clamor das ruas, a presidente tentou ganhar apoio parlamentar – e foi aí que ela se perdeu.

Negociar com políticos e candidatos em véspera de eleições é a forma mais segura de emascular uma proposta política que altere o status quo, especialmente quando se trata de acabar com privilégios e aberrações da atividade parlamentar. Surgiu uma aliança informal entre políticos e magistrados do Supremo Tribunal Federal com o apoio corporativista dos médicos que transformou em fumaça o projeto emergencial do governo.

Para romper o cerco, a presidente tem as redes sociais na internet como provavelmente a única alternativa para desenvolver uma nova estratégia de comunicação política. Mas essa opção exige uma considerável ousadia porque implica meter-se num ambiente informativo com regras e procedimentos bem diferentes dos usados habitualmente pelos altos escalões do governo.

Uma aposta nas redes sociais virtuais permitiria ao governo prescindir da imprensa como mediadora na relação com os cidadãos. Mas para tentar essa estratégia, a presidente teria que abrir mão da busca da tal governabilidade e da barganha de ministérios com partidos políticos. Poderia governar como pediam os participantes dos protestos de rua, em junho. Seria uma jogada de altíssimo risco.

Os desafetos da presidente não têm muita intimidade com o uso dos mecanismos digitais. Deputados federais, senadores, magistrados e até mesmo a imprensa preferem os métodos tradicionais de comunicação, embora eles se distanciem cada vez mais das ferramentas virtuais adotadas pelos jovens que saíram às ruas para exigir um país diferente.

Os riscos da opção estratégica pelas redes sociais são consideráveis. Primeiro, porque o governo teria que conviver com um forte criticismo de um segmento importante da blogosfera. A internet é muito mais transparente que a imprensa convencional e isso faz com que o debate político siga caminhos bem diferentes dos usuais. A convivência com xingamentos e acusações passa a ser uma necessidade porque o objetivo é o conjunto das opiniões e não a de um indivíduo isolado.

Nem pensar em controlar os comentários porque isso seria imediatamente associado à censura, o que anula qualquer eventual efeito positivo da presença online do governo federal. Além disso, uma estratégia online do Planalto exigiria uma profunda reciclagem comunicacional da cúpula do governo, que é tão conservadora em relação à internet quanto a oposição.

A aposta é arriscadíssima, mas a presidente está na posição de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

http://observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/o_cerco_informativo_ao_governo_dilma

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Cheque a informação antes de divulgar algo sério via redes sociais

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog

Facebook e Twitter têm sido fundamentais para catalisar o processo de mobilização dos últimos dias.

Mas, ao mesmo tempo, uma situação nova como esta, em que não é possível prever o que acontecerá logo em seguida, é um terreno fértil para cultivar boatos. Muita coisa fake tem corrido a rede loucamente, criando medo. Tenho encontrado pessoas que estão apavoradas ou, pior, histéricas por conta de postagens.

Segui o histórico de replicação dessas postagens e cheguei aonde? Em lugar algum, nada que sustente a informação. Ou era “telefone sem fio”, do tipo “quem conta um conto aumenta um ponto”, ou problemas de interpretação de texto sobrepostos ou um pessoal que, acredito, criou a história porque lhes era conveniente. Igual a uma cebola: é grande, é dura, mas se você for descascando descobre que, lá dentro, não tem nada.

Como já escrevi, fico assustado com a quantidade de coisa mal checada e precipitada que circula pelas redes sociais, principalmente em momentos de grande comoção. Fofoca sempre existiu, mas agora é transmitida em massa e em tempo real. As plataformas digitais em redes sociais ajudam a mudar o modo como nos comunicamos e fazemos fluir informação pela sociedade, alterando – consequentemente – as estruturas tradicionais de poder. O que é fantástico. Mas se elas ajudam a furar bloqueios e formar, também desinformam.

Tem sempre um pilantra distorcendo ou descontextualizando informação e divulgando-a, por ignorância, má fé ou visando a um objetivo pessoal ou de seu grupo. Ou aqueles que misturam realidade e desejo, fato e ficção, consciente ou inconscientemente.

Fiz com a ajuda de colegas jornalistas, há algum tempo, dez conselhos para usar bem o Twitter e o Facebook na cobertura de um acontecimento. Trago eles de novo, atualizados para o momento. Já ouço lá no fundo alguém me chamar de censor. Bem, alguns podem achar que o certo seria divulgar tudo e deixar os próprios internautas perceberem o que é mentira. Tipo: deixa que o mercado se regular sozinho que, automaticamente, o  bem estar da população será atendido. Faz me rir.

Uma informação errada ao ser divulgada causa um impacto negativo contrário maior do que sua correção. Ou seja, muitas vezes, o desmentido (por ser mais sem graça) não chega tão longe quando a denúncia.

Há muita coisa acontecendo nesses tempos interessantes em que vivemos. Tudo tem que ser encarado com calma e responsabilidade. Então, controlem a emoção.

Os Dez Mandamentos para Jornalista de Facebook e Twitter

1) Não divulgarás notícia sem antes checar a fonte da informação.

2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação. Um “cara gente boa” ou uma BFF não é, necessariamente, fonte de informação confiável

3) Tuítes e posts “apócrifos”, sem fonte clara, jamais serão aceitos como instrumento de checagem ou comprovação.

4) Não esquecerás que informação precede opinião.

5) Não confirmarás presença em eventos duvidosos do Facebook sem antes checar o tema e o naipe do organizador. Por exemplo, quem tem fetiche por armas não combina, necessariamente, com pautas de paz. E terás cuidado com o que atestas. Um “like” não é inofensivo.

6) Lembrarás que mais vale um tuíte ou post atrasado e bem checado que um rápido e mal apurado. E que um número grande de retuítes, compartilhamentos e “likes” não garante credibilidade de coisa alguma.

7) Não matarás – sem antes checar o óbito.

8 ) Não se esquecerás que a apuração in loco, por telefone e/ou por e-mail precede, em ordem decrescente de importância, o chute.

9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta.

10) Na dúvida, não retuitarás, compartilharás ou darás “like” em coisa alguma. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas e atestas. Ou seja, se der merda, você também é culpado.

sábado, 18 de maio de 2013

Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Laurindo Lalo Leal Filho*

 
Artigo publicado originalmente na ‘Revista do Brasil’ – edição de maio de 2013

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca.

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade.

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais.

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães.

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia.

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público.

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter.

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Fonte: Carta  Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6095


Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html


sábado, 6 de abril de 2013

Dilma cala sobre blogosfera em encontro com a juventude




Brasil de Fato: análise de Renato Rovai(*)



Provocada pelo representante do MST, a presidenta Dilma calou-se sobre a ação orquestrada sofrida por vários blogueiros pelos meios de comunicação tradicional (vulgo PIG). Há um ditado que diz que quem cala consente. Mas, na prática neste caso quem cala concede ao lado mais poderoso o poder de continuar agindo da mesma forma.

A presidente perdeu a oportunidade de dizer, por exemplo, que o recurso judicial é sempre legítimo, mas que ela, por exemplo, em respeito a liberdade de expressão não o utiliza contra veículos que a criticam. E não são poucos. Às vezes, inclusive, de forma muito desrespeitosa. Por isso, lamenta que esse expediente esteja sendo utilizado por veículos de comunicação e por jornalistas contra colegas de profissão. Mas que essa é uma decisão pessoal e de fórum intimo. Mas ela não disse isso. E perdeu a oportunidade de colocar uma importante reflexão para a sociedade brasileira.

Provavelmente isso tem relação com o fato de estar assessorada por gente que prefere o lado de lá do que o lado de cá. A Globo e a Veja são hoje mais bem tratadas pelo governo do que a mídia livre e alternativa. No debate da democratização da comunicação, Dilma escolheu seu lado.



A seguir, matéria publicada na Página do MST

MST denuncia perseguição da blogosfera progressista; Dilma não responde

As organizações que realizam uma jornada da juventude brasileira por mudanças estruturais na sociedade brasileira fizeram uma audiência com a presidenta Dilma Rousseff, na tarde desta quinta-feira (4/4), no Palácio do Planalto.

Na audiência, o coordenador do Coletivo de Juventude do MST, Raul Amorim, cobrou a apresentação do projeto com o marco regulatório dos meios de comunicação e denunciou as ameaças a jornalistas independentes, citando o exemplo da condenação a pagamento de multa pelo jornalista Luiz Carlos Azenha, em processo movido pelo diretor das Organizações Globo, Ali Kamel.

“Está em curso um processo de criminalização de jornalistas independentes a partir de ações da grande mídia no Poder Judiciário, como é o caso do Luiz Carlos Azenha”, disse Amorim à presidenta.

O coordenador da juventude do MST pediu que o governo encaminhe as deliberações aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, para que seja respeitado o direito à manifestação do pensamento, à expressão e à informação, como garante a Constituição.

Amorim defendeu a implementação de políticas públicas voltadas para a mídia alternativa, de forma a garantir um sistema de comunicação que represente a pluralidade da sociedade.

A presidenta Dilma não respondeu as propostas e preocupações, mas disse que a internet é um espaço democratizador, que deve chegar a todos os brasileiros por meio da implementação do Plano Nacional de Banda Larga.

Os jovens defenderam também a prorrogação das investigações por mais dois anos, maior transparência na divulgação dos relatórios e criação de um processo de participação popular mais amplo por meio de audiências públicas.

“Nenhum dos relatórios realizados até agora foram apresentados para a sociedade. Não há transparência alguma. Não dá para se ter justiça sem que haja o envolvimento da sociedade civil nesse processo”, disse Carla Bueno, do Levante.

A presidenta Dilma prometeu levar à Comissão Nacional da Verdade (CNV) e aos ministérios envolvidos na discussão a proposta de prorrogação das investigações.

Jornada

Os jovens dirigentes das organizações brasileiras que promovem a Jornada Nacional da Juventude Brasileira apresentaram a plataforma das manifestações à presidenta Dilma Rousseff, em audiência realizada nesta sexta-feira (4/4), no Palácio do Planalto.

A jornada organizada por mais de 40 entidades defende mudanças estruturais na sociedade brasileira, como o financiamento público da educação para universalização da educação em todos os níveis,o fim do extermínio da juventude nas grandes cidades, sobretudo negra, a democratização dos meios de comunicação, garantia de trabalho decente, reforma política democrática e a Reforma Agrária.

A jornada, que começou em 25 de março, somará protestos em 16 capitais. Já foram realizadas manifestações em São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Paraná, Porto Alegre, Sergipe, Ceará, Manaus, Piauí e Goiás.

A jornada é um marco histórico na luta da juventude brasileira. Há um antes e depois dessa jornada. Isso demonstra a importância da mobilização de rua, que as mudanças estruturais nesse país só se dão com o povo na rua”, disse Raul Amorim, da Coordenação Nacional do Coletivo de Juventude do MST.

“A reunião acontece no contexto das nossas mobilizações. O principal fruto dessa processo foi levar às ruas milhares de jovens e mostrar o protagonismo da juventude tanto nas pautas mais amplas da sociedade quanto as que dizem respeito à juventude”, disse Carla Bueno, do Levante Popular da Juventude.

Paulo Vinicius, secretário de juventude da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “os temas da juventude são estratégicos para o desenvolvimento do país, dentro de um contexto em que há 60 milhões de jovens que enfrentam variadas dificuldades”.

Para ele, a jornada demonstra a distinção entre o papel do governo e o papel da sociedade, que tem o dever de pressionar para avançar as mudanças. “Ficou evidente a necessidade do povo brasileiro ir às ruas para mudar a realidade deste país. Temos que fazer nossas lutas. A lutas da juventude tendem a crescer. Essa é a nossa tarefa”, acredita.

Educação

De acordo com Manuela Braga, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a educação tem um papel fundamental para o desenvolvimento do país e para a superação da desigualdade.

Os estudantes cobraram de Dilma a destinação de 10% do PIB, 50% do fundo social do pré-sal e 100% dos royalties do petróleo exclusivamente para educação. Segundo Braga, a presidenta declarou apoio à demanda, mas ponderou a necessidade de aprovação no Congresso Nacional da Medida Provisória 592/12, que destina a receita dos royalties do petróleo e recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação.

Para que o país tenha soberania e independência, é preciso uma reformulação da educação. Essa é uma luta do trabalhador e do estudante do campo e da cidade. Isso possibilitará mudar em profundidade o Brasil ”, disse Amorim, do MST.

Os jovens defenderam as cotas raciais nas universidades públicas, mas colocaram à presidenta a preocupação em relação às universidades estaduais, uma vez que parte delas ainda não incorporou esse sistema.

“Muitas das universidades estaduais trabalham numa lógica de exclusão, e não de inclusão. Levamos essa questão à presidenta e esperamos que se faça algo para mudar esse fato”, disse Braga.

Reforma Agrária

Amorim cobrou da presidenta o assentamento imediato das 150 mil famílias acampadas e a ampliação do programa de agroindústrias do governo federal. Ele denunciou também que, nos últimos 10 anos, 1 milhão de jovens saíram do campo brasileiro e migraram para a cidade.

Para o dirigente do MST, o êxodo rural dos jovens é consequência da paralisação da Reforma Agrária e da lentidão para a generalização de políticas de desenvolvimento da pequena agricultura. “As políticas públicas para os jovens do campo são insuficientes”, disse.

A presidenta Dilma não respondeu as colocações relacionadas ao meio rural.

Reforma política

Os jovens defenderam que o governo federal trabalhe para fazer a reforma política, que garanta financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais e a regulamentação do artigo 14 da Constituição que trata da realização de referendos e plebiscitos de iniciativa popular.

“Sem a reforma política, a juventude fica fora do debate político, sendo que é 40% do eleitorado. Mulheres e negros também são sub-representados”, disse Amorim. Para ele, as eleições no Brasil são um “processo desleal”, já que quem tem mais dinheiro é beneficiado.

A presidenta disse que a reforma política depende da mobilização da sociedade, para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a proposta de mudança.

Quem participa da jornada : Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT); Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP); Associação Cultural B; Centro de Estudos Barão de Itararé; Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM); CONEM; Consulta Popular; ECOSURFI, Coletivo Nacional de Juventude Enegrecer, Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Federação Paulista de Skate, Fora do Eixo, Juventude da CTB, Juventude da CUT, Juventude da Contag, Juventude do PSB, Juventude do PT, Juventude Pátria Livre; Levante Popular da Juventude; Marcha Mundial das Mulheres; Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Nação Hip Hop Brasil; Pastoral da Juventude, Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Rede Ecumênica da Juventude (REJU); Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA); União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES); União Brasileira de Mulheres (UBM), União da Juventude Socialistas (UJS); União Nacional dos Estudantes (UNE); Via Campesina

Fonte: Brasil de Fato edição 527  de 4 a 10 de abril de 2013
(*) Renato Rovai é editor da Revista Fórum

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A sociedade se descola


 Por Luciano Martins Costa (*)


Lembra do tempo quando a opinião pública era a opinião dos donos de jornais? (Aparecido Araujo Lima)
     
Os jornais da quarta-feira (27/03/2013) não trazem um tema impactante, desses capazes de mobilizar as opiniões dos leitores. Mas o conjunto das notícias forma um mosaico interessante para a análise de algumas mudanças que podem ser percebidas na relação da sociedade com a mídia tradicional.

Com exceção do Globo, as manchetes destacam a aprovação do projeto que estende os direitos trabalhistas de empregadas domésticas, tema que já vem sendo debatido nas redes sociais há pelo menos uma semana: a única coisa que o leitor tem de novidade é que agora se tornou lei, e os jornais aproveitam para esclarecer melhor as novas regras.

O Globo prefere usar a manchete para discutir o fechamento do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, mas também registra a mudança nas normas trabalhistas. A Folha de S.Paulo ainda encontra espaço para sua recém-inaugurada cruzada contra o novo prefeito de São Paulo, cujo mandato ainda não completou três meses.

De modo geral, parece haver um esforço dos diários para se manter sintonizados com os debates nas redes sociais digitais, onde a natureza do trabalho doméstico produz opiniões muito divergentes. Há reportagens alertando para o risco de centenas de milhares de demissões, a possibilidade de se reduzir o número de empregos domésticos com carteira assinada, e para o possível aumento das demandas na Justiça do Trabalho.

Parte da imprensa também registra o caso do jovem que teve um braço decepado após atropelamento em São Paulo e que se reencontrou com os homens que o socorreram na ocasião do acidente.

Em todos esses temas, é interessante observar como o noticiário da mídia tradicional interage com informações e opiniões postadas autonomamente por participantes das mídias digitais. Assim como acontece com as instituições que regulam a vida pública, como o conjunto dos partidos políticos, comissões do Congresso ou entidades do sistema Judiciário, parece estar em andamento uma diluição do poder da imprensa sobre aquilo que se costumava chamar de “opinião pública”.

Os espaços públicos para a comunicação se expandem sem limites perceptíveis e os temas dos quais se ocupa a sociedade não dependem mais apenas nos meios institucionais de informação e opinião. A questão da violência urbana, por exemplo, ganha outra dimensão nos relatos e comentários publicados nas redes sociais, onde as pessoas podem entender melhor os sentimentos do jovem atropelado ao rever aqueles que salvaram sua vida.

Democracia midiática
Há sinais de que a sociedade em rede se descola rapidamente da imprensa e demais instituições tradicionais. Por outro lado, pode-se notar como a rotina das instituições passa a ser afetada pela dinâmica do ambiente de relações virtuais criado pela tecnologia digital de comunicação.

A nomeação de deputado pastor Marcos Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara provocou uma onda de protestos nas redes sociais. Os jornais de quarta-feira (27) informam que seu partido, o PSC, vai manter sua indicação, mas outros integrantes falam em abandonar a comissão, para obrigá-lo a renunciar.

Não foi certamente um súbito ataque de pruridos morais que provocou a ruptura no corporativismo parlamentar, mas isso parece resultar das pressões de milhares de indivíduos nos grupos de debates online. Claramente, a agenda pública se transfere do ambiente administrado pela mídia tradicional para o amplo e caótico espaço hipermediado, e não há como prever até que ponto as informações e opiniões dispersadas pelas redes poderão criar algum padrão que possa ser analisado objetivamente.

A notícia segundo a qual o fundador do Facebook,Mark Zuckerberg, estaria organizando um grupo político para atuar junto a instituições americanas merece uma observação cuidadosa. Trata-se de um movimento que segue a estratégia de iniciativas como o Avaaz.org, que organiza campanhas comunitárias por todo o mundo e tem ajudado a congregar ativistas dispersos nas redes sociais.

O que Zuckergerg pretende, segundo informe distribuído pelo Facebook,é criar um fundo destinado a financiar mobilizações por reformas legislativas nos Estados Unidos. Com cerca de US$ 50 milhões, ele planeja juntar especialistas para levar um pouco de racionalidade aos debates parlamentares sobre a política de imigração e estimular projetos de reforma do sistema educacional americano. Além disso, o projeto prevê investimentos em pesquisas, também com objetivo de reduzir a distância entre o conhecimento científico e as normas legais.

No Brasil, as mobilizações ainda dependem da vontade de militantes dispostos a doar seu tempo para campanhas, mas, ainda que faltem recursos e organização, tais iniciativas já produziram, por exemplo, a lei da Ficha Limpa.

Na medida em que as redes socais aumentam sua distância das mídias tradicionais e seu vicioso processo de controle da comunicação, é possível que estejamos assistindo à consolidação de uma forma muito interessante de democracia midiática.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_sociedade_se_descola

(*) REDES SOCIAIS - A sociedade se descola - Por Luciano Martins Costa em 27/03/2013 na edição 739 - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/3/2013


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Por que o governo deve apoiar a mídia alternativa

15/01/2013 - Venício A. de Lima - Observatório da Imprensa
- edição 729

Em audiência pública na Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada em 12 de dezembro último, o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, defendeu que 30% das verbas publicitárias do governo federal sejam destinadas às pequenas empresas de mídia.

Dirigentes da Altercom também estiveram em audiência com a ministra da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), Helena Chagas, para tratar da questão da publicidade governamental.

Eles argumentam que o investimento publicitário em veículos de pequenas empresas aquece toda a cadeia produtiva do setor.

Quem contrata a pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência publicitária, a pequena produtora de vídeo, são os veículos que não estão vinculados aos oligopólios de mídia.

Além disso, ao reivindicar que 30% das verbas publicitárias sejam dirigidas às pequenas empresas de mídia, a Altercom lembra que o tratamento diferenciado já existe para outras atividades, inclusive está previsto na própria lei de licitações (Lei nº 8.666/1993).

Dois exemplos:


1. Na compra de alimentos para a merenda escolar, desde a Lei nº 11.947/2009, no mínimo 30% do valor destinado por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, gestor dessa política, deve ser utilizado na aquisição “de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.

2. No Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento da atividade audiovisual, criado pela Lei nº 11.437/2006 e regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, a distribuição de recursos prevê cota de participação para as regiões onde o setor é mais frágil.

Do total de recursos do FSA, 30% precisam ser destinados ao Norte, Nordeste e Centro Oeste. Vale dizer, não se podem destinar todos os recursos apenas aos estados que já estão mais bem estruturados (ver aqui, acesso em 11/1/2013).

A regionalização das verbas oficiais
A reivindicação da Altercom é consequência da aparente alteração do comportamento da Secom-PR em relação à chamada mídia alternativa.

A regionalização constitui diretriz de comunicação da Secom-PR, instituída pelo Decreto n° 4.799/2003 e reiterada pelo Decreto n° 6.555/ 2008, conforme seu art. 2°, X:

Art. 2º – No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características da ação:

X – Valorização de estratégias de comunicação regionalizada.”

Dentre outros, a regionalização tem como objetivos “diversificar e desconcentrar os investimentos em mídia”.

De fato, seguindo essa orientação a Secom-PR tem ampliado continuamente o número de veículos e de municípios aptos a serem incluídos nos seus planos de mídia. Os quadros abaixo mostram essa evolução.



Fonte: Núcleo de Mídia da Secom, acesso em 11/1/2013
Trata-se certamente de uma importante reorientação histórica na alocação dos recursos publicitários oficiais, de vez que o número de municípios potencialmente cobertos pulou de 182, em 2003, para 3.450, em 2011, e o número de veículos de comunicação que podem ser programados subiu de 499 para 8.519, no mesmo período.

Duas observações, todavia, precisam ser feitas.
Primeiro, há de se lembrar que “estar cadastrado” não é a mesma coisa que “ser programado”.

Em apresentação que fez na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), São Paulo, em 16 de julho de 2009, o ex-secretário executivo da Secom-PR, Ottoni Fernandes Júnior, recentemente falecido, citou como exemplo de regionalização campanha publicitária em que chegaram a ser programados 1.220 jornais e 2.593 emissoras de rádio – 64% e 92%, respectivamente, dos veículos cadastrados.

Segundo e, mais importante, levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo, a partir de dados da própria Secom-PR, publicado em setembro de 2012, revela que nos primeiros 18 meses de governo Dilma Rousseff (entre janeiro de 2011 e julho de 2012), apesar da distribuição dos investimentos de mídia ter sido feita para mais de 3.000 veículos, 70% do total dos recursos foram destinados a apenas dez grupos empresariais (ver “Globo concentra verba publicitária federal”, CartaCapital, 13/9/2012, acesso em 12/1/2013).

Vale dizer, o aumento no número de veículos programados não corresponde, pelo menos neste período, a uma real descentralização dos recursos.

Ao contrário, os investimentos oficiais fortalecem e consolidam os oligopólios do setor em afronta direta ao parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que reza:
Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de oligopólio ou monopólio”.

Democracia em jogo

A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de audiência e CPM (custo por mil).

A prevalecerem esses critérios, ela estará sufocada financeiramente, no curto prazo.

Trata-se, na verdade, da observância (ou não) dos princípios liberais da pluralidade da diversidade implícitos na Constituição por intermédio do direito universal à liberdade de expressão, condição para a existência de uma opinião pública republicana e democrática.

Se cumpridos esses princípios (muitos ainda não regulamentados), o critério de investimentos publicitários por parte da Secom-PR deve ser “a máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais vozes sejam ouvidas e participem ativamente do espaço público.

Como diz a Altercom, há justiça em tratar os desiguais de forma desigual e há de se aplicar, nas comunicações, práticas que já vêm sendo adotadas com sucesso em outros setores.

Considerada a centralidade social e política da mídia, todavia, o que está em jogo é a própria democracia na qual vivemos.

Não seria essa uma razão suficiente para o governo federal apoiar a mídia alternativa?

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed729_por_que_o_governo_deve_apoiar_a_midia_alternativa

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.