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quarta-feira, 13 de março de 2013

Ao menos 70% das espécies da Terra são desconhecidas

25/02/2013 - Por Karina Toledo
- FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo

Agência FAPESP – Embora o conhecimento sobre a biodiversidade do planeta ainda esteja muito fragmentado, estima-se que já tenham sido descritos aproximadamente 1,75 milhão de espécies diferentes de seres vivos – incluindo microrganismos, plantas e animais.

O número pode impressionar os mais desavisados, mas representa, nas hipóteses mais otimistas, apenas 30% das formas de vida existentes na Terra.

Estima-se que existam outros 12 milhões de espécies ainda por serem descobertas”, disse Thomas Lewinsohn (foto: Léo Ramos), professor do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante a apresentação que deu início ao Ciclo de Conferências 2013 organizado pelo programa BIOTA-FAPESP com o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência.

Mas como avaliar o tamanho do desconhecimento sobre a biodiversidade?

Para isso, fazemos extrapolações, tomando como base os grupos de organismos mais bem estudados para avaliar os menos estudados. Regiões ou países em que a biota é bem conhecida para avaliar onde é menos conhecida. Por regra de três chegamos a essas estimativas”, explicou.

Técnicas mais recentes, segundo Lewinsohn, usam fórmulas estatísticas sofisticadas e se baseiam nas taxas de descobertas e de descrição de novas espécies. Os valores são ajustados de acordo com a força de trabalho existente, ou seja, o número de taxonomistas em atividade.

No entanto, o mais importante a dizer é: não há consenso. As estimativas podem chegar a mais de 100 milhões de espécies desconhecidas. Não sabemos nem a ordem de grandeza e isso é espantoso”, disse.

Lewinsohn (foto) avalia que, para descrever todas as espécies que se estima haver no Brasil, seriam necessários cerca de 2 mil anos. “Para descrever todas as espécies do mundo o número seria parecido. Mas não temos esse tempo”, disse.

Algumas técnicas recentes de taxonomia molecular, como código de barras de DNA, podem ajudar a acelerar o trabalho, pois permitem identificar organismos por meio da análise de seu material genético.

Por esse método, cadeias diferentes de DNA diferenciam as espécies, enquanto na taxonomia clássica a classificação é baseada na morfologia dos seres vivos, o que é bem mais trabalhoso.

Dá para fazer? Sim, mas qual é o custo?”, questionou Lewinsohn.

Um artigo publicado recentemente na revista Science apontou que seriam necessários de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão por ano, durante 50 anos, para descrever a maioria das espécies do planeta.

Novamente, o número pode assustar os desavisados, mas, de acordo com Lewinsohn, o montante corresponde ao que se gasta no mundo com armamento em apenas cinco dias.

Somente em 2011 foram gastos US$ 1,7 trilhão com a compra de armas. É preciso colocar as coisas em perspectiva”, defendeu.

Definindo prioridades
Muitas dessas espécies desconhecidas, porém, podem desaparecer do planeta antes mesmo que o homem tenha tempo e dinheiro suficiente para estudá-las.

Segundo dados apresentados por Jean Paul Metzger (foto), professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), mais de 50% da superfície terrestre já foi transformada pelo homem.

Essa alteração na paisagem tem muitas consequências e Metzger abordou duas delas na segunda apresentação do dia: a perda de habitat e a fragmentação.

São conceitos diferentes, que muitas vezes se confundem. Fragmentação é a subdivisão de um habitat e pode não ocorrer quando o processo de degradação ocorre nas bordas da mata. Já a construção de uma estrada, por exemplo, cria fragmentos isolados dentro do habitat”, explicou.

Para Metzger, a fragmentação é a principal ameaça à biodiversidade, pois altera o equilíbrio entre os processos naturais de extinção de espécies e de colonização. Quanto menor e mais isolado é o fragmento, maior é a taxa de extinção e menor é a de colonização.

“Cada espécie tem uma quantidade mínima de habitat que precisa para sobreviver e se reproduzir. Não conhecemos bem esses limiares de extinção”, alertou.

Metzger acredita que esse limiar pode variar de acordo com a configuração da paisagem, ou seja, quanto mais fragmentado estiver o habitat, maior o risco de extinção de espécies.

Como exemplo, ele citou as áreas remanescentes de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, onde 95% dos fragmentos têm menos de 100 hectares.

Estima-se que ao perder 90% do habitat, deveríamos perder 50% das espécies endêmicas. Na Mata Atlântica, há cerca de 16% de floresta remanescente. O esperado seria uma extinção em massa, mas nosso registro tem poucos casos. Ou nossa teoria está errada, ou não estamos detectando as extinções, pois as espécies nem sequer eram conhecidas”, afirmou Metzger.

Há, no entanto, um fator complicador: o período de latência entre a mudança na estrutura da paisagem e mudança na estrutura da comunidade.

Enquanto as espécies com ciclo curto de vida podem desaparecer rapidamente, aquelas com ciclo de vida longo podem responder à perda de habitat em escala centenária.

Cria-se um débito de extinção e, mesmo que a alteração na paisagem seja interrompida, algumas espécies ficam fadadas a desaparecer com o tempo”, disse Metzger.

Mas a boa notícia é que as paisagens também se regeneram naturalmente e além do débito de extinção existe o crédito de recuperação. O período de latência representa, portanto, uma oportunidade de conservação.

“Hoje, temos evidências de que não adianta restaurar em qualquer lugar. É preciso definir áreas prioritárias para restauração que otimizem a conectividade e facilitem o fluxo biológico entre os fragmentos”, defendeu Metzger.

Colhendo frutos
Ao longo dos 13 anos de existência do BIOTA-FAPESP, a definição de áreas prioritárias de conservação e de recuperação no Estado de São Paulo foi uma das principais preocupações dos pesquisadores.

Os resultados desses estudos foram usados pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para embasar políticas públicas, como lembrou o coordenador do programa e professor do Instituto de Biologia da Unicamp, Carlos Alfredo Joly (foto abaixo), na terceira e última apresentação do dia.

Atualmente, pelo menos 20 instrumentos legais, entre leis, decretos e resoluções, citam nominalmente os resultados do BIOTA-FAPESP”, disse Joly.

Entre 1999 e 2009, disse o coordenador, houve um investimento anual de R$ 8 milhões no programa. Isso ajudou a financiar 94 projetos de pesquisa e resultou em mais de 700 artigos publicados em 181 periódicos, entre eles Nature e Science.

A equipe do programa também publicou 16 livros e dois atlas, descreveu mais de 2 mil novas espécies, produziu e armazenou informações sobre 12 mil espécies, disponibilizou e conectou digitalmente 35 coleções biológicas paulistas.

Desde que foi renovado o apoio da FAPESP ao programa, em 2009, a questão da educação se tornou prioridade em nosso plano estratégico. O objetivo deste ciclo de conferências é justamente ampliar a comunicação com públicos além do meio científico, especialmente professores e estudantes”, disse Joly.

A segunda etapa do ciclo de palestras está marcada para 21 de março e terá como tema o “Bioma Pampa”.

No dia 18 de abril, será a vez do “Bioma Pantanal”.

Em 16 de maio, o tema será “Bioma Cerrado”.

Em 20 de junho, será abordado o “Bioma Caatinga”.

Em 22 de agosto, será o “Bioma Mata Atlântica”.

Em 19 de setembro, é a vez do “Bioma Amazônia”.

Em 24 de outubro, o tema será “Ambientes Marinhos e Costeiros”.

Finalizando o ciclo, em 21 de novembro, o tema será a "Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais”.

Programação do ciclo:
www.fapesp.br/7487

Fonte:
http://agencia.fapesp.br/16867

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Queimadas continuam a devastar um dos biomas mais ameaçados do país

11/09/2012 - por Assessoria de Imprensa - Fundação Grupo Boticário
extraído do site Envolverde

Queimadas no Cerrado. Foto: protetoresdafloresta

Ação de combate ao fogo é criada no Cerrado para conscientizar população e já apresenta reflexos positivos.

O ano de 2012 nem terminou e o número de queimadas registrado no País já ultrapassou os 32.064 focos de incêndio acumulados no ano passado, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

A situação é ainda pior na região do bioma Cerrado, que compreende principalmente o Distrito Federal e os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Piauí.

Em 2011, foram registrados 22.537 focos de incêndio no Cerrado, sendo que até o dia 20 de agosto deste ano, já foram detectadas 39.892 queimadas, um aumento de 83%.

Com base nos dados do INPE, esses números alarmantes ficam ainda pior quando se faz uma previsão total para o ano de 2012 no Brasil, na qual se estima que serão registrados 79.677 focos de incêndio de janeiro a dezembro, o que representa um aumento de aproximadamente 140%, com relação a 2011.

De acordo com o coordenador de Emergências Ambientais do ICMBio, Christian Berlinck, os incêndios naturais ocorrem por causa de raios, que normalmente, precedem as chuvas. “Assim, a própria chuva ajuda a apagar os focos de fogo evitando que eles tomem grandes proporções”, afirma.

Segundo ele, a maioria dos incêndios na época das secas é causada pelas próprias pessoas da região. “Os incêndios podem ser colocados por muitos motivos, principalmente para limpeza de área para agricultura e renovação de pastagem, porém como a vegetação fica muito seca, o fogo espalha-se muito rápido, fugindo do controle”, destaca.

Berlinck afirma que o fogo em uma unidade de conservação traz grandes prejuízos para a população e para a região. “Podemos destacar a perda de biodiversidade, redução qualitativa e quantitativa da água, emissão de gases com potencial para agravar o aquecimento global, perda de nutrientes do solo, erosão, morte de animais e alteração da vegetação”.Como forma de minimizar o problema, a Reserva Natural Serra do Tombador, uma das maiores Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) do Cerrado, localizada em Cavalcante (GO), criou neste ano uma brigada voluntária comunitária de combate a incêndios.

A Reserva, criada e administrada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, foi pioneira na ação na região de Cavalcante. De acordo com a administradora da Reserva, Daniele Gidsicki, a experiência tem sido bastante positiva. “Nós unimos esforços com aqueles que estavam interessados em fazer algo a mais pela região e o retorno foi ótimo. Tivemos uma boa aderência e estamos percebendo que a população local está mais conscientizada”, explica.

Daniele conta que, após sua criação em maio deste ano, a brigada já foi chamada duas vezes: na primeira não foi preciso ir até o local do incêndio, pois o fogo foi controlado. Na segunda, ocorrida no dia 23 de agosto, a brigada agiu o mais rápido possível, o que fez com que o fogo não chegasse até a Reserva. “A equipe está de parabéns. A mobilização foi eficiente impedindo que a Reserva sofresse a ação do fogo”.

Segundo a administradora da Reserva, esse cenário de conservação contrasta com o ano passado, quando foram registrados dois grandes incêndios, sendo que um deles, ocorrido em setembro, atingiu cerca de 80% da extensão da RPPN. “Acreditamos que, embora a época das secas ainda não tenha terminado, esse já é um reflexo positivo da conscientização da população local e do esforço conjunto para preservar a natureza”, conclui.

A capacitação dos voluntários da brigada foi realizada em parceria com a Coordenação Geral de Proteção Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CGPro/ICMBio).

Segundo Berlinck, esse tipo de ação de prevenção e combate a incêndios florestais dificilmente é realizadas de forma isolada. “O Governo Federal sozinho não consegue fazer frente a eventos difusos e com diversas causas, precisa do engajamento da sociedade civil. Felizmente o ICMBio e a Fundação Grupo Boticário estão construindo uma parceria sólida e integrada para apoio mútuo nas ações de prevenção e combate a incêndios”, completa.

Fogo “colocado”
De acordo com Christian Berlinck, é preciso solicitar autorização para qualquer queima de vegetação e fala das medidas de controle. “Além disso, a pessoa deve aceirar a área, acompanhar a queimada, precisa ter água, abafadores, ferramentas de corte para controlar eventuais saídas de controle desse fogo. Existem diversas técnicas de queima controlada.

Outra medida adotada é fazer aceiros, que são faixas em que o capim é cortado para evitar que o fogo se alastre além daquele ponto. “Os incêndios são risco não só para animais e vegetação nativa, mas para as próprias pessoas. O combate ao fogo exige treinamento e equipamentos adequados”, explica.

Proteção da biodiversidade
A administradora da Reserva Natural Serra do Tombador explica que a formação da brigada voluntária faz parte de um programa mais amplo da Reserva de manejo do fogo, que inclui outras capacitações, ações de sensibilização da comunidade, monitoramento, pesquisa, entre outros. “O nosso objetivo é reduzir o risco de incêndios que possam comprometer a biodiversidade do local, já que a Reserva foi criada justamente para conservar a natureza ali presente, além de garantir a segurança das pessoas e a manutenção da infraestrutura”, afirma Gidsicki.

A Reserva Natural Serra do Tombador é a maior RPPN do estado de Goiás, com 8,7 mil hectares. Ela está localizada ao norte goiano, a cerca de 90 km do centro de Cavalcante, no sentido para Minaçu. Em linha reta, a Reserva se encontra a 24 km do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, mas engloba formações vegetais, relevo e componentes da fauna e flora diferentes das existentes no Parque. “A RPPN também tem amostras de quase todos os tipos de ambientes característicos do Cerrado, o que reforça sua importância na conservação do bioma", complementa Gidsicki.



(Fundação Grupo Boticário)

Fonte: 
http://envolverde.com.br/noticias/queimadas-continuam-a-devastar-um-dos-biomas-mais-ameacados-do-pais/

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Água Não Se Nega a Ninguém - Parte 2/5


Algumas razões da desordem ecológica vista a partir das águas
Carlos Walter Porto-Gonçalves*

Parte 1/5: A Necessidade de Ouvir Outras Vozes

O malthusianismo como se sabe exerce, ainda, uma forte influência no debate ambiental e, como já salientamos, faz parte de um discurso do medo, do pânico [3], em nome do que se tenta convencer os outros da validade de suas propostas, quase sempre, o controle da população.

Também com relação aos recursos hídricos, a mesma cantilena é aduzida como se os problemas derivassem do crescimento da população.

Entretanto, e aqui mais uma vez, a questão parece ser mais complexa do que esse reducionismo, até porque se a população mundial cresceu 3 vezes desde os anos 50, a demanda por água cresceu 6 vezes, segundo nos informa o diretor da Agência Nacional de Águas do Brasil, Sr. Jerson Kelman. No Canadá, entre 1972 e 1991, enquanto a população cresceu 3% o consumo de água cresceu 80%, segundo a ONU (GEO-3). Considerando-se o nível de vida da população canadense, os dados acima quando comparados com o crescimento da população mundial e a demanda global por água vemos claramente que é o crescimento exponencial de populações com o nível de vida europeu e norte americano que está aumentando a pressão sobre esse e outros recursos naturais de modo insustentável. Assim, a demanda por água cresce mais que o crescimento demográfico, indicando que devemos buscar em outro campo as razões do desequilíbrio hidrológico.

A urbanização se coloca como um componente importante dessa maior demanda por água. Um habitante urbano consome em média 3 vezes mais água do que um habitante rural assim como, já o vimos, a pegada ecológica, água incluída, entre os habitantes do primeiro mundo e os do terceiro mundo é extremamente desigual. Segundo Ricardo Petrella, "um cidadão alemão consome em média nove vezes mais água do que um cidadão na Índia” (entrevista à Agência Carta Maior durante o 1º Fórum Alternativo da Água em Florença - 2003).

Além disso, as cada vez maiores aglomerações urbanas exigem captação de água a distâncias cada vez maiores, para não nos referirmos à energia que por todo lado implica mudar o uso e o destino (e os destinatários, não nos esqueçamos) da água, não só quando é produzida enquanto hidrelétrica, como também nas termelétricas e nas usinas nucleares, onde a água é amplamente utilizada para fins de resfriamento das turbinas. Segundo a ONU, somente nos últimos 50 anos, entre 40 e 80 milhões de habitantes, quase sempre camponeses e populações originárias, foram atingidos por inundação de suas terras para fins de construção de diques e barragens (GEO-3: 151). Dos 227 maiores rios do mundo, 60% foram barrados por algum dique nesse mesmo período e, ainda em 1998, estavam sendo construídos nada menos que 349 diques com mais de 60 metros de altura em diferentes países do mundo, em grande parte financiados pelo Banco Mundial.

Roberto Melville e Claudia Cirelli nos dão uma boa caracterização de todo esse processo quando nos dizem que “os blocos capitalista e comunista em que estava dividido o mundo até pouco tempo tinham muitos pontos de controvérsia ideológica, mas ambos coincidiam em sua admiração pelo desenvolvimento técnico e competiam para mostrar avanços nesse terreno. Sob esta mentalidade, se empreenderam projetos em grande escala, com armazenamentos de água atrás de represas de concreto, com dispositivos para geração de energia, controle de inundações e derivados para a irrigação agrícola. Podemos assinalar alguns exemplos destas obras monumentais. Nos Estados Unidos, a represa Hoover no rio Colorado, ou a cadeia de represas construída na bacia do rio Tennessee. Na União Soviética, o projeto Dnipropertovsk na Ucrânia representou um vigoroso impulso para a industrialização socialista. Mais tarde, ambas potências difundiram seus modelos sociopolíticos e de desenvolvimento tecnológico em suas respectivas áreas de influência. No rio Nilo, a União Soviética fez replicar sua capacidade tecnológica na construção da represa de Assuan (no Egito). No México, com apoio financeiro internacional, a Comissão Federal de Eletricidade construiu a represa Chicoasén, uma das 10 maiores represas do mundo”. (Roberto Melville e Claudia Cirelli, La crisis dela água. In http://www.memoria.com.mx/, 9 de junio de 2000).

No Brasil, foi construído um complexo sistema nacional integrado de energia com base na construção de grandes hidrelétricas, que contou com apoio do Banco Mundial. Urubupungá, binacional Itaipu, Balbina, Tucuruí e Xingó são alguns dos grandes projetos com enorme impacto socioambiental por todo lado.

O crescimento da população urbana e da industrialização, com a conseqüente expansão da economia mercantil que lhe acompanha e impulsiona [4], estão impondo mudanças significativas no modo de organização do espaço em todo o mundo. As monoculturas passam a predominar nas paisagens rurais visando abastecer os centros urbanos tanto no interior dos diferentes países, como para garantir o fluxo de matéria entre os países, fluxo esse sobretudo dirigido aos países hegemônicos, sem o que os valores de uso concretos não podem ser produzidos e o usufruto da riqueza tangível, implicado num estilo de vida consumista tão ciosamente induzido pelos meios de comunicação de massas, possa ser praticado. Não sem razão, a irrigação e a captação de águas subterrâneas se generaliza, tanto para fins agrícolas como de abastecimento urbano-industrial, com o uso crescente em todo o mundo, sobretudo nos últimos 30 anos, de bombas a diesel e de poços artesianos. O problema da água, literalmente, se aprofunda.

Assim, numa outra escala geográfica, agora global, a lógica industrial volta a se encontrar com a água, relação essa que esteve presente já nos inícios da revolução industrial com a máquina a vapor (d’água). Ali, o carvão viera substituir a madeira no aquecimento da água, haja vista a escassez de madeira para esse fim. Pouco a pouco os motores foram se transformando e se tornando mais eficientes em termos energéticos sem, entretanto, deixar de consumir água. Afinal, maior eficiência energética implica maior capacidade de transformação da matéria e, com isso, maior consumo de água, maior dissipação de energia sob a forma de calor (2º princípio da termodinâmica) e, nas turbinas concretamente, maior necessidade de água para resfriamentos.

Assim, a maior eficiência que se obtém numa escala micro ao se generalizar torna possível a maior transformação global da matéria e, assim, acelera a transformação global da natureza do que o efeito estufa e as mudanças climáticas globais são uma demonstração, assim como a desordem ecológica global que vimos assinalando.

Assim, as soluções encontradas à escala micro para resfriar as turbinas, ou o termostato que desliga automaticamente a máquina quando atinge certo grau de aquecimento, não são transplantáveis para a escala do planeta como um todo e que pudesse amenizar o aquecimento global provocado pelo efeito estufa. Como se vê, a água flui por meio da agricultura, da indústria, do nosso estilo de vida e a pressão sobre seu uso está longe de ser explicada pelo crescimento da população, simplesmente, como quer a matriz malthusiana de pensamento.

Hoje, com o motor a diesel se busca água no subsolo e, com isso, introduz-se no nosso léxico cotidiano novas expressões como aqüíferos, já que as águas superficiais e mesmo os lençóis freáticos já não se mostram suficientes, pelo menos na hora e no lugar desejados.

Cada vez é maior o saque aos aqüíferos e, deste modo, introduz-se um componente novo na injustiça ambiental generalizada no mundo e em cada país com a expansão da racionalidade econômico-mercantil engendrada pelo capitalismo. Afinal, a captação de água à superfície era, de certa forma, mais democrática na medida que a água estava ao alcance de todos, literal e materialmente. Com a captação de águas nos subterrâneos os meios de produção, as bombas a diesel, se tornam sine qua non conditio e como nem todos dispõem desses meios a injustiça ambiental ganha novos contornos por meio do desigual acesso aos recursos hídricos.

Nos anos 90, na América do Norte 50% de todo o consumo dos habitantes foi obtido em águas subterrâneas, segundo a ONU (GEO-3). Na China também é cada vez maior a proporção de águas captadas subterraneamente.

Se, de um lado, com a irrigação podemos aumentar a área de terras para a agricultura é preciso considerar os vários lados dessa prática. Cerca de 20% dos solos irrigados no mundo estão hoje salinizados e, assim, impraticáveis para a agricultura (GEO-3). Em Madras na Índia, a captação de águas subterrâneas levou a um rebaixamento de tal ordem do lençol freático que a águas salgadas avançaram pelo subsolo cerca de 10 quilômetros continente adentro trazendo sérios problemas de abastecimento (ONU-GEO-3).

Consideremos, ainda, que essa expansão generalizada da economia mercantil vem avançando sobre áreas como manguezais e outros humedales, áreas riquíssimas do ponto de vista das cadeias alimentares da vida, assim como sobre áreas florestais que, como vimos com o exemplo da Amazônia, abrigam enorme quantidade de água nelas mesmas. Essas áreas, em particular as florestas tropicais, cumprem um papel importantíssimo para o equilíbrio climático global pela umidade que detém e, assim, contribuem para que as amplitudes térmicas, as diferenças entre as temperaturas máximas e as mínimas diárias e anuais, não aumentem ainda mais como vem ocorrendo, em grande parte pelo próprio desmatamento.

Relembremos que com a aplicação aos próprios meios de transportes do princípio da máquina a vapor, o deslocamento da matéria se tornou possível numa proporção que não mais dependia dos ventos e das calmarias, das marés e correntes marinhas, e tampouco dos braços escravos que moviam as embarcações com seus remos. Com isso, a injustiça ambiental se generaliza ainda mais, na medida que as matérias ao se deslocarem no sentido geográfico que as relações sociais e de poder determinam, escrevem uma geografia desigual dos proveitos e dos rejeitos. Afinal, a água circula não só pelos rios, pelo ar, com as massas de ar, ou pelos mares e correntes marinhas, mas também sob a forma social de mercadorias várias - tecidos, automóveis, matérias primas agrícolas e minerais - enfim, sob a forma de mercadorias tangíveis e, só assim, podemos entender o desequilíbrio hidrológico impulsionado pela lógica de mercado generalizada. Afinal, para se produzir um quilo de qualquer grão, seja de milho ou de soja, se demanda, com as atuais técnicas agrícolas, 1.000 litros de água! Um quilo de frango consome 2000 litros de água!


Fixemos a imagem de um caminhão frigorífico em plena Rodovia Transamazônica transportando frango produzido em Chapecó, Santa Catarina, para termos uma idéia do custo energético e hídrico desse frango para a sociedade brasileira e o planeta como um todo!

E isso para não falar do que significa para as populações locais dos lugares que importam esse frango que, por essa lógica, não servem nem para criar galinha! A racionalidade econômico mercantil não poderia ganhar um exemplo mais radical de ineficiência ambiental global.

Não olvidemos que quando exportamos frango para a Europa e Oriente Médio, e o fazemos até mesmo de avião, estamos exportando energia e água. Não é demais repetir: 1 quilo de frango consome 2.000 litros de água! Quando essas regiões exportadoras estiverem implicadas em algum stress hídrico, como soem estar cada vez mais, como recentemente esteve Santa Catarina no sul do Brasil, devemos ter em conta as limitações de qualquer especialista para dar conta dessa problemática que, embora se manifeste em cada local de modo específico está, na verdade, submetida a um processo global de desenvolvimento desigual mas combinado, como estamos vendo.

Basta se multiplicar por mil as milhões de toneladas de grãos de milho, de soja, de girassol para sabermos a quantidade de água que está sendo importada pelos países para onde as relações sociais e de poder dirigem o fluxo dessas matérias. O mesmo raciocínio pode ser feito com o alumínio, o papel, a celulose. As indústrias e plantações altamente consumidoras de água, ou que nela lançam muitos rejeitos, como são os casos das indústrias de papel e celulose ou de bauxita-alumínio (no caso do alumínio, para cada 1 tonelada de bauxita deixa-se no ambiente 15 toneladas de uma lama vermelha altamente poluidora), vêm se transferindo, desde os anos 70, para os países ricos em matérias brutas – energia, minerais, solos, Sol, água – de onde exportam o proveito e deixam os rejeitos.

A ideologia do desenvolvimento abençoa essa lógica, para o que muito vêm contribuindo os organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial e a OMC) com suas políticas de ajuste, fomento, ajuda e apoio.

Um exemplo concreto pode nos ajudar a fixar a tese central: a separação do minério de cobre numa jazida implica abandonar cerca de 99,5% da matéria revolvida como rejeito! Relembremos que, cada vez mais, trabalha-se com minerais raros e o nome traz em si mesmo a proporção do que é útil e do que é rejeito, afinal são raros! Separar os minerais raros exige água em proporções enormes e, assim, a revolução nas relações sociais e de poder implicada na nanotecnologia com sua desmaterialização e transmaterialização, implica mais água por todo lado. A água é por todo lado um meio amplamente usado e, diferentemente de qualquer commoditty, é insubstituível. Pode-se melhorar a eficiência de seu uso mas não se pode prescindir dela. Daí todo o significado de se considerar a vida como um outro estado da água e de tomar a sociedade com todas as suas contradições como parte do ciclo da água.

No Brasil, o avanço do agronegócio, sobretudo no Planalto Central com suas chapadas extensas e planas, não teria o sucesso econômico de curto prazo que vem obtendo não fossem desenvolvidas as técnicas de captação de água em grandes profundidades que tornaram possível agricultar aquelas regiões antes ocupadas pelos cerrados [5].

Quase sempre se vem destacando a inegável contribuição da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - no desenvolvimento de sementes e de todo um pacote tecnológico para a expansão do agronegócio nos cerrados. Recusemos aqui o mau raciocínio do ou isso ou aquilo, e chamemos a atenção para o fato de que sem a água, nenhum cultivo é possível e esse se constituía num dos principais fatores limitadores do cultivo nas chapadas do Planalto Central. O sucesso que vem obtendo esse modelo agrário-agrícola deverá ser melhor avaliado num tempo outro, médio e longo, e não somente sob a lógica do curto prazo para saldar a dívida eterna. O aumento de áreas abandonadas pelo cultivo por desequilíbrio ecológico, como formação de ravinas e voçorocas, perda de solos por erosão, são maus indícios da insustentabilidade desse modelo. Não olvidemos que os cerrados onde hoje reina o agronegócio herdaram as maiores reservas hídricas do Brasil, bastando observar que é de lá que partem importantes rios para diferentes bacias hidrográficas brasileiras.

No dizer de Guimarães Rosa [6], o cerrado é ‘uma caixa d’água’.

Um dos conflitos ambientais mais intensos vividos nessas regiões do Planalto Central está relacionado à questão da água não pela sua escassez, haja vista ser abundante, mas sim aos conflitos de classe por apropriação e expropriação de terras e de águas.

Ali, a água captada nas chapadas pelos pivôs centrais [7] rebaixa o lençol freático fazendo secar rios, lagoas, brejos e ‘pantamos’, onde toda uma rica e diversificada (agri)cultura camponesa se desenvolve historicamente.

O exemplo dos cerrados (savanas) do Planalto Central brasileiro é um caso emblemático das implicações socioambientais das demandas por água que se vem colocando em todo o mundo com a expansão da economia mercantil nesse período neoliberal. A água, como se infiltra em tudo – no ar, na terra, na agricultura, na indústria, na nossa casa, em nosso corpo - revela nossas contradições socioambientais talvez melhor que qualquer outro tema. Afinal, por todo lado onde há vida há água.

Atentemos, pois, que a vida deve ser entendida para além de sua dimensão estritamente biológica, posto que a água está presente na sociedade por todo lado – na agri-cultura, no artesanato e na indústria.

Nosso modo de comer, mesmo nas cidades, está em grande parte condicionado pelo modo como nossos alimentos são produzidos nos campos; nosso próprio abastecimento depende de barrar rios e mudar o destino e os destinatários da água (inclusive, para fins de energia).

A questão da água, vê-se, urbaniza o debate sobre o sistema agrário-agrícola e por meio da questão ambiental põe em xeque todo o estilo de vida alimentado por um modo de produção que o estimula para acumular riqueza virtual – dinheiro – e, com isso, pondo em risco a riqueza da água, da terra, do solo, da vida, na sua concretude.

(*) Geógrafo, doutor em Ciências pela UFRJ e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000) é autor de diversos artigos e livros publicados no Brasil e no exterior.

[3] Explosão demográfica, bomba populacional, baby boom, eis alguma dessas expressões de um verdadeiro terrorismo demográfico.

[4] O espaço urbano é o locus por excelência da economia de mercado. Afinal, o ambiente urbano torna praticamente impossível a chamada economia natural, isto é, aquela que não requer a mediação mercantil. Assim, a economia gerada pelo expansão da população urbanizada introduz a mediação do ilimitado nas relações sociedade-natureza por meio do dinheiro. A tensão entre o simbólico, o dinheiro, e a materialidade do mundo se instaura enquanto questão ambiental.

[5] Jogou ainda um papel importante nesse avanço do agronegócio o fato dessas regiões de chapada estarem, até muito recentemente, nos anos 70, em grande parte com um uso extensivo para fins de pastagens para gado e para fins de extrativismo (de pequi, de baru, de fava d’anta, entre tantas espécies) num sistema de uso da terra que combinava uso familiar da terra, no fundo dos vales, com uso comum das chapadas conhecidas em muitos lugares como gerais [6]. O fato de serem terras de uso comum, gerais, muito facilitou a grilagem, quando não a concessão pelo Estado para os grandes empresários em detrimento dos camponeses, quilombolas e indígenas que, hoje, vêm se mobilizando para recuperar seus direitos a essas terras e aperfeiçoar seu modo de vida em condições menos limitadas do que as que vêm sendo submetidos. Afinal, na tradição do direito romano, terra que não tem um dono, não tem dono e, com isso, ignora-se as diferentes modalidades de apropriação coletiva, comunitária e de uso comum dos recursos naturais muito mais generalizadas no Brasil do que se tem admitido, como bem destacam Alfredo Wagner, Nazareno de Campos e Porto-Gonçalves entre outros.

[6] Uma leitura possível do título da obra maior de Guimarães Rosa – “Grande Sertões, Veredas” – dá conta dessa unidade na diversidade de paisagens que compõem os Cerrados: o Grande Sertão, os Gerais, sendo as chapadas, e Veredas onde os camponeses têm suas casas, as baixadas nos fundos de vales.

[7] - Inclusive com baixíssima eficiência no seu uso, haja vista o enorme desperdício que, avalia-se, em 70% a perda por evaporação.

[Nota da Equipe Educom: Parece que o Brasil está fazendo um movimento inverso à luta dos povos latino-americanos... De modo geral, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM (Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais) têm ajudado o mercado da água a acelerar o processo de privatização, à medida que pesquisadores do país descobrem que nosso potencial de água é maior do que imaginávamos. Entregam pesquisas já feitas por brasileiros a estrangeiros, patrocinadas a peso de ouro com recursos do povo brasieliro, negados aos pesquisadores das instuições e das universidades brasileiras.]

Próxima Parte: 3/5 - Águas Para Quem? Do Interesse Privado e do Público

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O novo faroeste caboclo do Cerrado



por Thiago Foresti, da Carta Capital
131 O novo faroeste caboclo do Cerrado
Índios funi-ô caminham por uma clareira no Santuário dos Pajés, aberta pela construtora Emplavi. Foto: Thiago Foresti
O ambiente climatizado e formal do Prédio da Justiça Federal em Brasília não é exatamente o lugar onde os antropólogos se sentem mais à vontade. Pelo menos é o que as mãos levemente trêmulas e a voz às vezes vacilante de Jorge Eremites demonstram. Ele está diante da juíza Clara Mota dos Santos, cuja fala contundente e precisa contrasta com seu rosto jovem. Apesar de o antropólogo vestir terno preto, deixa transparecer adereços indígenas nos pulsos, pescoço e orelhas. Nas mãos carrega anotações e diários de campo, tudo escrito à caneta.
Ele está cercado de advogados de empreiteiras e representantes da Fundação Nacional do Índio, a Funai. A data: sexta-feira, 27 de outubro. Todos prestam atenção nas perguntas da juíza, que, de toga e em frente a um crucifixo gigante pendurado na parede, colhe o depoimento.
“Porque esses índios não podem realizar esses rituais em outro lugar?”, pergunta a juíza. “Excelentíssima, derrubar árvores sagradas para eles representa algo como pisar em crucifixos para nossa cultura”, responde o antropólogo.
Jorge Eremites, o depoente, é responsável por um laudo bastante controverso e combatido, no qual atesta que os 50 hectares do último quinhão de cerrado nativo do Plano Piloto do Distrito Federal é na verdade uma terra indígena, o Santuário dos Pajés.
A audiência foi resultado dos crescentes protestos de estudantes no noroeste do Plano Piloto, no Distrito Federal (DF). A região é hoje palco de uma das maiores e mais caras disputas indigenistas do país, envolvendo de um lado a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), e do outro o índio Santixiê, que representa uma tribo com 16 indígenas da etnia funi-ô tapuia.
Construtoras x Índios
O território reivindicado por Santxiê é hoje o metro quadrado mais caro do país. Cada lote foi negociado por cerca de 15 milhões de reais pela Terracap, empresa estatal de Brasília que negocia as terras da união. Duzentos apartamentos já foram vendidos na planta a uma média de 1,5 milhão cada.
“Alguns dos meus clientes pagaram por esses lotes à vista e agora não podem construir, isso é um absurdo. Cada dia de obra parada nos custa algo em torno de 60 mil reais”, diz Antônio Gomes, advogado das construtoras Emplavi, João Fortes e Brasal. Gomes foi presidente da Terracap na época da negociação dos terrenos com as empreiteiras. Na época ele chegou a chamar os índios funi-ô tapuia de “interesseiros” e disse que era um despropósito criar uma reserva indígena numa área tão valiosa. “Não admitimos a criação dessa reserva nem por hipóteses. Meus clientes pagaram pela terra e tem documentos que atestam essa propriedade. Nós não vamos aceitar mais interrupções nas obras. Vamos até o Supremo Tribunal Federal se for necessário”, diz o advogado em entrevista para jornalista durante o intervalo da audiência.
Em 2009 o juiz Hamilton de Sá Dantas, a pedido de uma ação civil pública, impediu a Terracap de reformatar parte do setor noroeste, defendendo ali a demarcação legal do Santuário dos Pajés. A Procuradoria da República do Distrito Federal, também solicitou à Funai a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para decidir de uma vez por todas se o local é território indígena, ou não. Essa era inclusive o condicionante 2.35 da Licença Prévia concedida pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) para o início das construções no Noroeste: resolver a questão indígena – solução que só poderia ser apontada pela Funai.
Desse modo, sem o licenciamento completo e sem a questão indígena resolvida, os lotes começaram a ser leiloados no Noroeste em 2008 pela Terracap. Só dois anos mais tarde, em 2010, a Funai publicou portaria no Diário Oficial autorizando uma diligência técnica a estudar o caso do Santuário dos Pajés. A conclusão do antropólogo Jorge Eremites foi de que os funi-ôs tapuia eram uma comunidade tradicional e terminava o laudo recomendando a criação de 50 hectares de Terra Indígena. O resultado do seu trabalho foi elogiado e defendido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), mas não agradou à Funai, que reprovou o laudo e solicitou estudos complementares.
Um saco de gatos chamado Funai
A sessão do dia 27 de outubro, que durou nove horas, tinha por objetivo esclarecer o laudo e o trabalho dos antropólogos, mas o que ficou mais evidente durante toda a audiência foi a falta de clareza dos processos burocráticos da Funai.
“A senhora poderia dizer por que o laudo do antropólogo Jorge foi reprovado?”, pergunta a juíza para Maria Auxiliadora, diretora de assuntos fundiários da Funai, que prestou depoimento logo após o antropólogo. “Não saberia citar, vossa excelência. Teria que consultar meu corpo técnico”, respondeu.
Os relatos demonstraram que o trabalho de campo também não foi tranquilo. Houve desentendimentos e desavenças entre integrantes da equipe e os índios: “Não escolhi minha equipe, vossa excelência, e todos os antropólogos que me foram designados já tinham uma opinião formada sobre o trabalho”. Em seu relato, Jorge contou que uma das antropólogas apareceu apenas duas tardes na aldeia. Já outro entrou em conflito com os índios por afirmar que a divindade deles era hermafrodita.
Nem mesmo o georreferenciamento da Terra Indígena ficou claro. Um topógrafo designado pela FUNAI também prestou depoimento e confundiu ainda mais os presentes que se amontoaram na mesa da juíza para tentar entender até onde iam os 50 hectares reivindicados pelos indígenas.
A sessão terminou com a leitura da decisão da desembargadora Selene Maria de Almeida, a mesma do caso Belo Monte. A decisão, na prática, autorizava as construtoras a ligarem os motores das retroescavadeiras já no dia seguinte.

*publicado originalmente no site da Carta Capital.

Fonte: Site Envolverde.

Nota da editora do Blog. Estive na  região Amazônica. Passei um dia num seminário na UFPA. Conversei com estudantes de geologia e oceania, além de professores/doutores da Instituição.
Essa matéria retrata bem o que vi e ouvi: o marketing e a maquiagem ambiental são armas das empresas modernas, que usam  as ONGs, a mídia,  a justiça, e até mesmo a academia para  aumentar a injustiça socioambiental." A vida  dos habitantes  do interior  da Amazônia está muito mais devastada do que a própria floresta", dizia Thiago de Mello, no seu  Livro AMAZÔNIA:  A Menina dos Olhos do Mundo.
Conheço os Cerrados, onde morem mais crianças ídigenas de fome, em virtude do agronegócio. Agora, nas periferias das cidades, as empreiteiras expulsam os índios. Assim aumenta a injustiça socioambiental. (Zilda Ferreira)