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domingo, 10 de junho de 2012

Rio+20 e justiça ambiental: por uma economia política do meio ambiente

Sérgio Ricardo (*)
extraído do Jornal dos Economistas - Edição de maio/2012

Do ponto de vista diplomático e propriamente ambiental, é possível esperar que ocorra um grande fracasso político na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontecerá em junho na cidade do Rio de Janeiro.

Os principais países economicamente desenvolvidos, mesmo que atualmente estejam à beira da insolvência, e as corporações transnacionais, a exemplo do que ocorreu nas últimas Conferências sobre Mudanças Climáticas, não abrem mão de manter inalterado o modus operandi predatório e ambientalmente perverso de suas economias, exportadoras de poluição e degradação ambiental para os subúrbios do Império: os países periféricos pobres ou em desenvolvimento, cujas elites corrompidas e a falácia do discurso desenvolvimentista tratam de facilitar e muitas vezes financiam a instalação de megaempreendimentos sujos, poluentes e que fazem uso intensivo e privado de recursos naturais comuns, gerando “empregos verdesde qualidade duvidosa, inclusive como parte da estratégia adotada pela Europa e EUA para saírem da atual crise em que se encontram.

Ou seja: apesar dos discursos oficiais e corporativos por uma nova ordem econômica global ambientalmente sustentável, que chamam singelamente de “Economia Verde”, as instituições que há séculos – desde a Revolução Industrial – representam o status quo dominante não pretendem ceder um centímetro sequer em favor de uma verdadeira sustentabilidade social, ambiental e econômica, já que pretendem manter inalterado seu padrão capitalista de produção e consumo altamente predatório dos bens da natureza, e com isso preservar e multiplicar seus lucros, que têm levado a alta concentração de renda em favor de alguns poucos e desigualdades generalizadas por toda parte do planeta.

Os dados que são divulgados periodicamente são cada vez mais assustadores e colocam em xeque o atual modelo civilizatório: 40% da população mundial vive abaixo dos níveis de pobreza; 1 bilhão de pessoas atualmente vivem em áreas desertificadas, onde o acesso à água é escasso e a agricultura tornou-se inviável; e mais de 50 milhões de seres humanos são considerados pela própria ONU como “refugiados climáticosou “refugiados ambientais” segundo o movimento internacional de Justiça Ambiental. Soma-se a isso a incalculável perda de biodiversidade e de patrimônio genético oriundas da crescente extinção de espécies da fauna e flora e dos produtivos ambientes marinhos, que estimulam a lucrativa biopirataria. O Brasil, por sua riqueza ecológica, é uma das principais rotas mundiais deste verdadeiro mercado da rapinagem.

A crescente poluição dos oceanos e rios, além de representar ausência de compromisso efetivo em se promover investimentos massivos em saneamento ambiental – disposição adequada de lixo, água tratada, tratamento de esgotos e controle de inundações, em especial nas áreas mais pobres e vulneráveis, o que reduziria significativamente as altas taxas de mortalidade por doenças de veiculação hídrica, onde as crianças de famílias pobres são as principais vítimas –, também provoca perdas incalculáveis na produção de alimentos e ameaça de extinção de riquezas ecológicas ainda pouco conhecidas, onde podem repousar as soluções e curas que a humanidade tanto necessita.

Quando se discute meio ambiente hoje, inclusive as macromudanças climáticas que afetam e redesenham as cidades onde hoje em dia vive a maior parte da população do planeta, não é razoável deixar de fora do debate sobre as favelas, loteamentos e comunidades periféricas, aquelas que se encontram nas franjas das cidades: ou seja, o capitalismo atual está para as cidades hoje como estava para a indústria nos séculos XX e XIX.

O regime de acumulação da atual fase do capitalismo está organicamente vinculado às cidades e ao controle e exploração de seus fluxos e territórios. A mais-valia é então extraída de toda a produção social que tem hoje, nos territórios da cidade e não somente no chão da fábrica, seu lastro e capital fixo. Na lógica vigente da acumulação e do lucro exponencial, os bens comuns como água, solo e energia, entre outros, valem tanto ou mais que um vasto exército de mão de obra a ser explorada.
Os países desenvolvidos em geral não gostam de tratar nas negociações internacionais de temas considerados sensíveis para os detentores do poder, como transferência de tecnologias e direitos de acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento tecnológico-científico, inclusive das novas tecnologias da informação, por parte das nações menos desenvolvidas. Ao mesmo tempo, incentivam o deslocamento de indústrias transnacionais poluidoras e de tecnologias sujas e obsoletas, que ainda consomem grande volume de água e de energia nos seus processos de produção e emitem elevadas taxas de poluentes e resíduos (lixo tóxico), que migram dos seus países de origem na Europa e EUA e buscam se instalar nos países menos desenvolvidos ou periféricos, configurando o que teóricos e movimentos sociais têm chamado de Racismo Ambiental, ou seja, a desigualdade socioambiental que se materializa nos territórios onde vivem as populações mais empobrecidas e vulneráveis.

Por aqui, estas empresas altamente poluidoras ainda por cima recebem fartos incentivos fiscais e benesses do setor público. Em geral contam com financiamento do BNDES, mas na verdade as promessas de empregos não se cumprem após a fase de instalação e obras estes megaempreendimentos industriais.

A exposição a riscos e a poluentes de tipologias diferentes por parte de trabalhadores (as) e das populações vizinhas a estes pólos industriais altamente poluentes ainda não é compatibilizada no PIB (Produto Interno Bruto) do país, nem muito menos consta dos “balanços sociais” ou da contabilidade financeira das grandes empresas.

Ou seja: O PIB cresce e os direitos da cidadania diminuem.

Não é a toa que o câncer e outras doenças ambientais se transformaram numa epidemia global, haja vista a excessiva exposição cotidiana a que estamos submetidos por meio de poluentes atmosféricos; a alimentação a base de venenos químicos como agrotóxicos e transgênicos; os meios de transportes estressantes, que numa cidade como o Rio de Janeiro consomem em média quatro horas por dia da vida do trabalhador; e a vulnerabilidade do abastecimento público das cidades, que juntos ameaçam e adoecem o corpo das pessoas, com impactos negativos na saúde coletiva.

A Conferência oficial não tratará em profundidade de nenhum destes importantes temas, todos de grande interesse para toda a humanidade, e que seriam assuntos necessariamente obrigatórios caso se desejasse que a Rio+20, de fato, servisse para começarmos a desconstruir a velha ordem capitalista e a construir uma nova sociedade mais igualitária, justa e democrática, assim como uma economia de fato mais limpa, menos poluente e que promova efetiva distribuição de renda.

Neste aspecto o encontro internacional de chefes de Estado, a ser sediado no Rio, será um retumbante fracasso anunciado, já que está deslocado da realidade social, o que deverá ser potencializado e visibilizado de forma inédita através das redes sociais e na mídia: sequer está prevista a definição de metas ambientais modestas que necessariamente deveriam fazer parte dos acordos multilaterais a serem firmados entre as nações durante o evento.

Conceitos como “governança global”, criação de “fundos ambientais” e “combate à pobreza”, bases de uma suposta economia verde” que na prática visa preservar intacto o regime de acumulação capitalista não deverão sair do papel, se limitando às declarações oficiais dos políticos e empresários, que quase sempre buscam demonstrar otimismo diante das câmeras de TV e contam para isso com o papel estratégico exercido pelas oligopólicas corporações de comunicação social, que contam e reproduzem a História na ótica do poder e das elites.

Diante das crises climática e ambiental e da insolvência da economia das grandes potências, fenômeno sem precedentes, o Brasil, atualmente considerado uma das maiores economias do mundo, tem um importante papel a desempenhar neste cenário, uma vez que é uma reconhecida potência ambiental, com sua imensa biodiversidade e mananciais de água.

Somos uma nação detentora de grandes riquezas minerais, solos férteis e diversificados, enorme volume de água doce e extenso litoral, biodiversidade abundante e rara. Destaca-se no jogo das nações o grande potencial de nosso país em se desenvolver nas áreas da ciência e tecnologia, comunicações e inovação, assim como as condições singulares de segurança energética, com a possibilidade de geração através de diferentes fontes de energias renováveis e menos poluentes. Soma-se a isso a reconhecida diversidade cultural e de manifestações artísticas de nosso povo, com sua criatividade, ritmos, sabores e beleza, que nos torna uma nação singulare plural, apesar de ainda lamentavelmente convivermos com histórico déficit de democracia participativa, baixos níveis de educação, fortes desigualdades regionais e bolsões de pobreza e de exclusão social.

Apesar disso, o PAC, símbolo maior da retomada econômica do país, tem servido basicamente para repassar dinheiro público em grande volume, via BNDES, para grandes
empreiteiras, bancos privados e fundos de pensão travestidos de “investidores” nacionais
e estrangeiros, seguindo o tradicional receituário neoliberal das Instituições Financeiras Multilaterais (FMIs).

É possível destacar o péssimo mau exemplo que o anfitrião, o Estado do Rio de Janeiro, mostrará ao mundo com seus impactantes megapolos de desenvolvimento industrial (de celulose no noroeste fluminense, siderúrgico na Baía de Sepetiba, petrolífero na Baía de Guanabara, portuário-industrial em Barra de São João e Campos, entre outros), onde os acelerados licenciamentos ambientais fast food” (ver blog http://), que se transformaram pedlowski.blogspot.com.br/num balcão de negócios em favor dos interesses econômicos de grandes empresas poluidoras e da especulação imobiliária predatória, e têm gerado um novo ciclo desenvolvimentista poluidor com formação de passivos socioambientais.

As regiões mais pobres e distantes dos centros financeiros e de decisão política têm sido transformadas em verdadeiras zonas de sacrifício ambiental e social – onde a ausência de políticas públicas gerou uma dívida socioambiental histórica que precisa ser reparada para ser superada.

Portanto, está em formação uma “Economia cinzaou um “desenvolvimento econômico marrom” no estado do Rio de Janeiro, em profunda contradição e em conflito com as metas ousadas de redução dos gases de efeito estufa assumidas, em 2009, pelo Brasil em Copenhague, durante a COP-15, onde mais uma vez a comunidade internacional buscou –sem obter consenso – limitar ou reduzir o crescimento das emissões de gases de efeito estufa.

Para de fato enfrentar o debate sobre as soluções viáveis para reverter os problemas em larga escala decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas cada vez mais presentes, a Rio+20 precisa analisar com atenção a origem destas vulnerabilidades socioambientais e dos atuais níveis de poluição e enfrentá-la. Essas vulnerabilidades não têm nada de democráticas, uma vez que afetam de forma desigual e injusta os mais pobres, os trabalhadores e as comunidades impactadas pelo atual modelo dedesenvolvimento.

A questão ambiental, materialmente falando, é por definição socioambiental. Os problemas decorrentes do aquecimento global, que afetam o regime de águas e chuvas, são agravados pelas más condições de vida nestas áreas periféricas: falta de saneamento, dificuldade de acesso à água tratada, precárias condições de moradia, e meios de transportes insuficientes e onde os riscos de deslizamentos de encostas e as inundações
são mais frequentes.

Não é possível admitir que as nações do Sul tenham que agora pagar a conta (ou a dívida)com a limitação drástica do crescimento econômico dos países periféricos e menos desenvolvidos, sob o argumento de que é preciso “salvar o planeta e a humanidade”, enquanto as nações mais poderosas, inclusive do ponto de vista industrial e militar, mantêm inalterado seu padrão de desenvolvimento predatório. Afinal, há séculos são os países do Norte – com suas economias sem limites e sem escrúpulos – os maiores vilões entre os emissores de gases de efeito estufa.

A Rio+20 daria um grande passo se ao menos abolisse de vez a estratégia mercantil da obsolescência planejada, onde por decisões de cunho meramente mercadológico os produtos e bens são fabricados para terem vida curta e com isso terem sua durabilidade ou funcionamento por um tempo bastante reduzido.

Mais que isso: deveria exigir que ao menos a economia passasse a levar em conta (e contabilizar) o ciclo de vida dos materiais e produtos, desde sua fase de extração na natureza, produção, consumo e destino final, ao invés de se limitar a fomentar desejos de consumo desenfreado e ilimitado.

O mundo dos negócios e o “deus mercado” tradicionalmente gananciosos como os conhecemos sobreviveriam a isso?!

Temos a certeza que, apesar de não pautado na Rio+20, é necessário um combate sem tréguas ao Racismo Ambiental e às desigualdades sociais e de renda que são suas marcas.

E que esta solução é uma construção social no curto, médio e longo prazos para se conquistar coletivamente uma qualidade de vida decente, a proteção dos territórios, preservação da cultura dos povos originários e de sua riqueza ecológica e para a construção de uma Economia sustentável sim, mas na medida da escala humana e das demandas das maiorias, ou seja, dos pobres que são os que mais precisam destas profundas e necessárias transformações sociais e econômicas.

(*) Ambientalista, gestor e planejador ambiental. Foi coordenador da Comissão Permanente da Alerj, sub-secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Nova Iguaçu e membro fundador da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
sergioricardoverde@gmail.com