Mostrando postagens com marcador ONU. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ONU. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Desmatamento na Amazônia e as secas no Sudeste

Caro leitor, em seguida trazemos artigo do meteorologista Luiz Carlos Molion sobre as secas que atualmente assolam o Sudeste. Há duas opiniões sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, por sinal uma crise prevista pelos especialistas. Qual é a sua opinião? Importante lembrar que água é um Direito Humano previsto na Resolução da ONU 64/292 (veja no pé do post entrevista do relator especial da ONU, o brasileiro Leo Heller). Mais. O estado de São Paulo está sobre o Aquífero Guarani e dentro da Bacia do Prata. Além disso, é de conhecimento que o consumo doméstico de água representa menos de 10% do total, o agronegócio (irrigação) aproximadamente 70% e indústrias - principalmente agroindústrias e metalúrgicas - em torno de 20%.
Zilda Ferreira, editora do EDUCOM

Por Luiz Carlos Baldicero Molion, PhD em Meteorologia
A afirmação de que as secas da Região Sudeste estão sendo causadas pelo desmatamento da Amazônia é leviana, não tem base científica, pois não sobrevive a uma análise de dados climáticos, além de ser contrária ao bom senso. A anomalia climática pela qual São Paulo está passando é decorrente da variabilidade natural do clima e já ocorreu, até com intensidade maior, no passado. O gráfico abaixo representa a variação dos desvios de precipitação padronizados para a Estação da Luz, no centro da capital paulista, que tem dados observados de chuva desde 1888. Nesse gráfico, notam-se desvios fortemente negativos em anos como 1933 e 1936,e na década dos anos 1960, como 1963, 1968 e 1969. Séries de precipitação mais curtas, a partir dos anos 1950, também registram as secas da década de 1960 que afetou a Região Sudeste. Ou seja, a Região já esteve submetida a secas severas no passado quando o desmatamento  da Amazônia era incipiente.


















A floresta está lá porque as condições climáticas globais, notadamente o transporte de umidade vindo do Oceano Atlântico Norte, criam as condições propícias para que ela exista. É claro que, após a instalação da floresta, há complexos mecanismos de interação floresta-atmosfera que tornam o clima local mais úmido. Antes do soerguimento dos Andes a 70 milhões de anos atrás, a floresta não existia como ela é vista hoje. E no pico da última era glacial, há 15 mil anos, há evidências que também não existia uma floresta extensa e contínua, mas apenas algumas "ilhas de vegetação” ou "refúgios” na denominação de Aziz Ab’Saber e Paulo Vanzolini. Portanto, é o clima global atual que permite a existência da floresta extensa e contínua, como observada modernamente, e não o contrário!

A umidade para as chuvas do Sudeste não é produzida na Amazônia. Ela vem do Oceano Atlântico Norte e, notem,apenas passa sobre a Amazônia e interage com a floresta. Como essa floresta produz atrito ao escoamento do ar que sai do oceano[como um carrinho elétrico que passa da cerâmica (superfície lisa) para cima de um tapete (superfície rugoso)], essa rugosidade cria intensa turbulência vertical e nuvens convectivas que convertem mais eficientemente parte da umidade transportada pelos ventos em chuva.O restante do fluxo de umidade oceânica segue seu caminho para fora da Região. Afirmação que “uma árvore cuja copa tenha 10 metros de raio, fornece mil litros de água por dia para a atmosfera”, tem o objetivo de sensibilizar o público leigo e usa, de forma inadvertida, resultados, por exemplo, obtidos no Experimento Micrometeorológico na Amazônia (ARME), organizado e dirigido por nós na década dos anos 1980 na Amazônia Central próximo a Manaus. No ARME, concluímos que a evapotranspiração [evaporação + transpiração da vegetação] injetava na atmosfera 3,4 mm por dia, ou 3,4 litros de água por metro quadrado por dia [l/m2/d], um número bem inferior ao que era tido como verdadeiro na época. Ora, um círculo de 10 metros de raio possui uma área de cerca de 300 metros quadrados que, multiplicada pela taxa de evapotranspiração acima, de 3,4 l/m2/d, resulta em 1000 litros por dia. A pergunta que cabe aqui é de onde essa tal árvore retirou a umidade que está transferindo para a atmosfera? E a resposta óbvia é“a umidade foi retirada da chuva que se infiltrou no solo”. Sabe-se que 98%a 99% da umidade que a vegetação retira do solo são utilizados apenas para manter baixa a temperatura de sua folhagem por meio do processo físico de vaporização da água, que consome grandes quantidades de energia solar e refrigera a folhagem. Se a evaporação não ocorresse, a temperatura da folhagem poderia atingir valores superiores a 34°C-35°C e danificaria os tecidos da folhagem severamente, ou seja, a floreta não sobreviveria. Portanto, apenas 1% a 2% da água retirada do solo ficam incorporados nas árvores. A floresta não é fonte de umidade, ela é apenas um transdutor da água da chuva, que é derivada do fluxo de umidade oceânica transportado pelos ventos para dentro do continente. A floresta recicla 98% a 99% da água da chuva, devolvendo-a para o escoamento atmosférico que a transporta para outras regiões do país. Na eventual hipótese absurda de se desmatar completamente a Amazônia, a rugosidade da floresta deixaria de existir, choveria menos na Amazônia e, pode se dizer, um fluxo de umidade um pouquinho maior do que o atual seria transportado para o Sudeste, possivelmente aumentando suas chuvas.

É fato observado e incontestável que áreas dentro da própria Amazônia e ao sul da mesma apresentam uma estação seca bem definida ao longo do ano.No Centro Oeste e Sudeste, por exemplo, a estação seca chega a ser de seis meses, notadamente entre abril e setembro. Por que não chove nessas regiões se a floresta está em pleno funcionamento e transferindo umidade para o ar?  É porque o clima global não permite a umidade existente na superfície seja convertida em chuva regionalmente. Durante a estação seca, e em anos de seca, essas regiões estão sobre o domínio de um sistema de alta pressão atmosférica de milhares de quilômetros de extensão e a inversão térmica associada a ele e existente a cerca de 2 km de altura, inibe a formação e o desenvolvimento de nuvens de chuva. Além do ciclo anual, o clima do Brasil apresenta variabilidade interanual decorrente de fenômenos de escala global como os eventos El Niño que, afirma-se, produzem secas severas sobre a Amazônia, mesmo com toda umidade que, em princípio, seria fornecida pela floresta. Em adição, existe uma variabilidade climática na escala decadal resultante da variabilidade da temperatura da superfície (TSM) dos Oceanos Pacífico e Atlântico que, juntos, ocupam 54% da superfície do planeta. Durante o período que o Pacífico Tropical ficou, em média, ligeiramente mais frio, entre 1946 e 1976, chovia 10% a 20% a menos no país de maneira geral. Isso porque a atmosfera [e, como consequência, o clima] é aquecida por baixo, o ar se aquece em contato com a superfície. Se as TSM ficam mais frias, o clima também se resfria, a evaporação dos oceanos se reduz, o transporte do fluxo de umidade para cima dos continentes é diminuído e uma atmosfera mais fria e mais seca produz menos chuva na região tropical. A partir de 1999, o Pacífico começou a se resfriar e o estado energético do clima parece estar semelhante ao do período 1946-1976 quando o Pacífico se resfriou e, portanto, mais baixo que o do período 1976-1998 recém-passado, em que o pacífico estava mais aquecido e o estado energético do clima era mais elevado e chovia mais. Admitindo que o ciclo de resfriamento/aquecimento do Pacífico seja de 50-60 anos, conforme publicado na literatura especializada, o Pacífico deve permanecer, em média, ligeiramente mais frio até os anos 2025-2030. Sob considerações meramente baseadas na dinâmica do clima global observada ao longo dos últimos 100 anos, se este se assemelhar ao período frio passado [1946-1976], as chuvas devem se reduzir em todo país, notadamente no Sudeste e Centro Oeste, independentemente de se acabar com o desmatamento e recuperar as áreas degradadas na Amazônia. Não queremos dizer, com isso, que somos favoráveis ao desmatamento na Amazônia. Muito pelo contrário, somos contra o desmatamento da Amazônia, em função da fantástica biodiversidade nela existente e dos serviços ambientais por ela prestados à sociedade. E os produtores rurais da Amazônia tem plena consciência disso.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Por Zilda Ferreira, fundadora e editora do EDUCOM

Água é um bem comum. Sem água não existe vida. Mas não lemos nenhuma linha na mídia sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento, determinados pela Resolução 64/292 das Nações Unidas. Nada foi publicado sobre esse direito nem mesmo no Dia Internacional da Água, 22 de março último, apesar de três bilhões de pessoas no mundo não terem acesso a água corrente em casa, segundo dados da ONU.

Em julho de 2010, 122 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram a Resolução 64, com 41 abstenções e nenhum voto contra. Os Estados Unidos se abstiveram, como outros Estados industrializados, entre eles Áustria, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Japão e Suécia. Nos debates houve clara divisão entre as nações do Norte e do Sul, como já era esperado. Durante a Rio+20, em 2012, os Estados da União Européia e outras nações industrializadas tentaram derrubá-la. Desde 2010, o ecomercado centraliza o tema água, apresentando-a como commodity e de maneira subliminar, utilizando sofisticado marketing ambiental e cooptando a imprensa alternativa.

Na sua edição de março de 2014, a Folha do Meio Ambiente abriu dez páginas para lembrar todas as campanhas da água desde 1994, quando foi criado o Dia Internacional. Ao citar 2010, no entanto, omitiu a aprovação da Resolução 64/292 em 28 de julho e considerada por muitos a maior conquista do início do século. Carta Capital, publicação preferida de muitos militantes da esquerda, ignorou o Dia Internacional. Tendo oferecido pouco ou nenhum destaque ao 22 de março, a mídia alternativa mostrou-se cooptada pelo sofisticado marketing do ecomercado. Que dizer então da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação e que, portanto, deveria estar imune aos interesses do mercado para informar corretamente e expor a manipulação? Acabou também escancarando sua cooptação, ao ouvir uma porta-voz dos grupos financeiros e de conglomerados de mídia, a ONG WWF-Brasil. ONG esta que já foi presidida pelo senhor José Roberto Marinho.

Como já era de se esperar, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre os problemas de água em Manaus. Mas apontou como vilão o indivíduo que desperdiça água tratada, não observando os vazamentos domésticos... Essa abordagem a respeito do abastecimento de água em Manaus é cruel. Primeiro porque há muitas pessoas que não têm água em suas torneiras há muito tempo e, por isso, deixaram de pagar a conta. Atualmente, elas não têm crédito porque seus nomes estão no SPC. Segundo, e o mais importante, Manaus está sobre o maior aquífero do mundo, o Alter do Chão, que tem água de boa qualidade. Há denúncias de que a concessionária que abastece Manaus é estrangeira, não investe e cobra caríssimo pela água que fornece. Quem não não pode pagar não tem.


Voltando ao assunto manipulações da mídia, pasme, os meios alternativos passaram a usar dados do ecomercado sobre informações essenciais. Quando esteve recentemente no Brasil a relatora da ONU para os Direitos Humanos a Água e Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque, colocaram para assessorá-la um representante da mídia alternativa que defendia os créditos de carbono. Em uma entrevista coletiva não-divulgada para a maioria dos jornalistas especializados, a relatora apresentou dados positivos apenas de cidades abastecidas por concessionárias privadas. Albuquerque certamente recebeu esses dados de sua assessoria brasileira, uma vez que é contra a privatização. Grande surpresa para os fluminenses bem informados sobre o tema, Niterói foi uma das cidades bem avaliadas - fato repercutido pelas mídias. Não faz muito tempo, a "cidade sorriso" foi palco de um drama: ao sair do hospital onde tratava um câncer, a mãe de um jornalista encontrou a água de sua casa cortada por falta de pagamento, em razão da absurda taxa que os familiares não puderam pagar.

Assim, depois de muito tempo entendi a frase lapidar do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves: "Quanto mais se fala em meio ambiente, pior fica". Por isso ficaremos em silêncio por algum tempo, até que possamos fazer uma campanha robusta sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento.

Não deixe de ler:
Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida
Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água
A luta pelo direito à água na Rio+20

sábado, 8 de março de 2014

Domitila, uma mulher das minas bolivianas

08/03/2014 - Domitila: 'Se me deixam falar...', o livro, 25 anos depois
- Testemunho de uma mulher das minas bolivianas
- para a professora Moema Viezzer
- Resenha do livro por Christina Iuppen (*) - Rio, março de 2014

Há quase quatro décadas, o mundo se assombrou com uma figura inusitada.

Saindo das minas fumegantes da Bolívia, Domitila Barrios de Chungara sobe à Tribuna Internacional da Mulher, organizada pelas Nações Unidas no Ano Internacional da Mulher (1975), e dali profere o seu 'Se me deixam falar...', que se tornaria um clássico da literatura de resistência latino-americana dos anos 70-80.

Não estava só.

Levava consigo a herança de Juana Azurduy, Manuela Sáenz, Policarpa Salavarrieta, Leona Vicario, Josefa Ortiz, Joana Mora de López, Maria Cornelia Olivares, Simona Manzaneda, Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar e tantas outras heroínas nossas, insuspeita inspiração. 

Não falava por si.

O que eu falei foi somente o que ouvi de meu povo desde o berço (...).

que de melhor aprendi foi dado pelo povo’.

E Domitila falou.

Contou da exploração voraz sobre os mineiros, operários, camponeses.

Da luta interminável das mulheres bolivianas pela sobrevivência, pela dignidade.

Das condições de semi-escravidão em que viviam os trabalhadores bolivianos. 

De seu co-protagonismo com a resistência popular.

Apontou as guerras múltiplas, desde o Chaco, impulsionadas pelas grandes empresas internacionais, nas quais só o povo sempre perdeu.

Priorizou as muitas batalhas político-ideológicas dos trabalhadores contra o capitalismo explorador sobre os combates meramente sexistas que animavam a burguesia de então.

Mostrou sua frustração com os governos pseudo-populares e sua incapacidade crônica de atender as necessidades de mudança para o povo. 

Mostrou ao mundo que a consciência política se forja no seio da própria luta.

E sonhou com o futuro:No futuro, nosso governo terá que ser da nossa origem, terá que ser operário, terá que ser camponês’.

A boliviana baixinha, gordota e determinada assumiu, desde então, um papel de ponta nos caminhos da militância feminina latino-americana.

Colhida por outro dos tantos golpes na Bolívia enquanto ainda nas Nações Unidas, foi obrigada ao exílio com toda a família – marido e sete filhos – na Suécia. 

Nada a deteve.

Do antigo Comitê de Donas de Casa da Siglo XX-Catavi, onde começou sua militância, até a atual Escola Móvel Domitila, onde trabalha na conscientização de jovens e edita o boletim Imilla (**), passando por incontáveis oficinas, palestras e conferências mundo afora, Domitila segue na Bolívia, aos 75 anos, (***) denunciando e combatendo o multifacético imperialismo norte-americano, ‘trazendo a visão de uma política que vem das mulheres, mas que é para toda a humanidade’.

Domitila Barrios de Chungara faz de sua trajetória de vida um exemplo e um alento para todas as mulheres, militantes e consciências livres de Nossa América.

(*) Christina Iuppen atualmente é tradutora, professora de literatura e, por muitos anos, militante da resistência de esquerda latino-americana. 
(**) Palavra quéchua que significa mulher jovem, garota solteira.
(***) Domitila faleceu nesse mesmo ano, em 2012.

Mais uma palavra:
Não é possível ler ou lembrar de 'Se me deixam falar...' sem trazer à memória a Professora Moema Viezzer [1], [foto] uma gaúcha de Caxias, socióloga, educadora e pesquisadora social, formuladora e militante em Educação de Gênero e Meio Ambiente, com contribuições incontáveis à questão consequente da mulher.  

Graças à visão política, combatividade, coragem e perseverança de Moema, as intervenções e lições de Domitila se registram e perpetuam para gerações de mulheres por todo o planeta.

  
Gerações que hoje, especialmente, a saúdam, aplaudem e agradecem.

[1] Moema Viezzer [foto] revolucionou a pesquisa social com seu livro 'Se me deixam falar...' fiel à vida do personagem Domitila Barrios de Chungara, mas contextualizado à historia do continente.

Leituras afins:
- O tratado de educação ambiental na Rio+20 - Zilda Ferreira
- Moema Viezzer faz balanço da RIO+20 - Zilda Ferreira

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Água, saneamento e energia: contas pendentes

20/02/2014 - Thalif Deen, da IPS (Inter Press Service)
- extraído do site Envolverde

Nações Unidas, 20/2/2014 – Quando vencer o prazo para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2015, haverá uma omissão grave: milhões de pessoas continuarão sem água potável, saneamento e eletricidade em suas casas.

Conscientes dessa falta, os 193 membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) realizaram uma reunião de alto nível de dois dias, encerrada ontem, para abordar esses três temas com relação à próxima agenda mundial de desenvolvimento que substituirá os ODM.

Especialistas em água têm sérias dúvidas de que esses objetivos sejam alcançados até o próximo ano, a menos que haja uma drástica aceleração de esforços, particularmente na Ásia meridional e na África subsaariana.

Um informe da ONU afirmava em 2012 que a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas que vivem sem água potável fora alcançada e beneficiava mais de dois bilhões de seres humanos.

Porém, atualmente há 327 milhões de subsaarianos a mais do que em 1990 sem acesso a este serviço, disse à IPS o diretor de programas internacionais da organização WaterAid, com sede em Londres, Girish Menon [foto].

Nesse passo, essa região africana só poderá alcançar a referida meta em 2030, ressaltou.

Ao falar, no dia 18, perante os delegados, o presidente da Assembleia Geral, John Ashe [foto abaixo], descreveu a magnitude do problema com dados concretos: 783 milhões de pessoas vivem sem água potável, 2,5 bilhões não têm saneamento adequado e 1,4 bilhão carecem de eletricidade.

Para agravar essa situação, em muitos países do planeta existe um severo estresse hídrico e escassez de água”, afirmou. Ashe disse que cerca de 80% da população mundial vive em áreas com graves ameaças à segurança hídrica.

Um documento de referência preparado por seu escritório alerta que “conseguir o acesso universal à água potável, ao saneamento básico e aos serviços modernos de energia é um dos grandes desafios multifacetários do desenvolvimento que o mundo enfrenta hoje”.

Menon estima que essas carências devem ser contempladas nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agenda que substituirá os ODM no próximo ano. “Se os ODS tiverem êxito em erradicar a pobreza sobre uma base sustentável, devem aprender com os fracassos dos ODM e reverter a negligência em matéria de saneamento e higiene”, afirmou.

Clarissa Brocklehurst [foto], ex-chefe de assuntos de água, saneamento e higiene do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), disse à IPS que, “embora os ODM sejam maravilhosos para impulsionar ações, ainda há vários desafios quando se aproxima o prazo de 2015”.

A meta referente à água foi alcançada, mas ainda não há um monitoramento geral da qualidade do serviço, e as estimativas sobre o número de pessoas que têm água potável se baseia em cálculos de aproximação, como o tipo de tecnologia usada pelas famílias, pontuou Brocklehurst. “Não houve progresso suficiente em saneamento, e estamos atrasados para alcançar a meta dos ODM”, acrescentou.

A especialista lamentou que o saneamento não faça parte dos ODM e, portanto, não tenha a atenção que merece. “Talvez o mais preocupante seja que os progressos feitos tanto em água como em saneamento estejam muito desiguais”, acrescentou.

Os moradores de zonas urbanas têm mais probabilidades de contar com água e saneamento do que os que residem em áreas rurais, bem como os ricos têm maior chance de contar com esses serviços do que os pobres.

Também há evidência de que, em alguns países, os grupos étnicos marginalizados têm mais probabilidade de depender de fontes de água não melhoradas e de serem obrigados a defecar ao ar livre, acrescentou Brocklehurst.

No jargão hídrico, uma fonte melhorada é aquela cuja instalação protege apropriadamente a água da contaminação externa, especialmente da matéria fecal.

“No ritmo atual, não conseguiremos a meta mundial de saneamento de 8%, isso representa 500 milhões de pessoas”, ressaltou Menon à IPS. Apenas 30% dos africanos subsaarianos contam com adequado saneamento, proporção que aumentou apenas 4% desde 1990. Este lento progresso está atrasando muitas outras metas, alertou.

Água, saneamento e higiene são fundamentais para erradicar a pobreza, melhorar a saúde, a nutrição, a educação e a igualdade de gênero, e tudo isso permite o crescimento econômico, observou Menon. “Devido ao alcance do desafio, propomos que seja fixada uma meta mundial concentrada em garantir água sustentada e saneamento para todos”, ressaltou.

Porém, Brocklehurst advertiu que os progressos constatados em vários ODM mostram um padrão semelhante. As novas metas pós-2015 deveriam ser desenhadas de forma a estimular os governos a considerarem com máxima prioridade os pobres, vulneráveis e marginalizados.

A água, o saneamento e a higiene devem ser parte das futuras metas. E essas metas devem ser capazes de criar o impulso para um acesso universal, enfatizou.

Segundo Menon, a ajuda internacional para água e saneamento caiu cerca de US$ 1 bilhão entre 2009 e 2011, em parte devido à crise financeira mundial. 

Embora essa assistência tenha se recuperado em 2012, ainda está na metade do valor necessário para financiar completamente os ODM. A informação dos países em desenvolvimento em água e saneamento não é clara, mas parece que nenhum governo subsaariano cumpriu sequer seu próprio objetivo de destinar 0,5% de seu produto interno bruto a esses setores, apontou Menon.

O ativista afirmou que o secretário-geral adjunto da ONU, Jan Eliasson [foto], assumiu a liderança nesses temas, e destacou seu “chamado à ação sobre saneamento” e seus discursos em diversos fóruns internacionais.

Por outro lado, acrescentou, a Organização Mundial da Saúde e o Unicef lideraram consultas internacionais para elaborar novas metas para depois de 2015.

A WaterAid apoia ativamente esses esforços e acredita que o acesso universal até 2030 é uma meta ambiciosa mas alcançável”, concluiu.

Número por número

• 748 milhões de pessoas não têm água limpa. Isto é quase um em cada dez habitantes do planeta.

• 2,5 bilhões de pessoas não têm banheiro adequado. Isto é um em cada três habitantes do planeta.

• Cerca de 700 mil crianças morrem por ano de diarreia causada por água contaminada e falta de saneamento. Isto é quase duas mil crianças por dia.

* Fonte: WaterAid - Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/agua-saneamento-e-energia-contas-pendentes/

Leituras afins:
A luta pelo direito à água na Rio+20 - Zilda Ferreira
Agora, água para todos - Thalif Deen

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Líderes europeus rejeitam apoio a missões militares francesas na África

20/12/2013 - Por Redação, com DW - de Brasília - Correio do Brasil

Líderes da UE rejeitaram ajuda financeira pedida por Hollande para apoiar missões militares francesas no continente africano

O presidente da França, François Hollande [foto], sofreu uma derrota no primeiro dia do encontro de cúpula da União Europeia (UE), em Bruxelas. Os líderes da UE rejeitaram a ajuda financeira pedida por Hollande para apoiar as missões militares francesas no continente africano.

Na reunião, os 28 países-membros da UE aprovaram somente uma avaliação das regras que preveem o financiamento conjunto de missões militares realizadas por um ou mais parceiros do bloco europeu.

- Não podemos financiar nenhuma missão em que não estivemos envolvidos no processo de decisão – declarou a chanceler federal alemã, Angela Merkel [foto], no final do primeiro dia do encontro.

Merkel declarou ainda que a Alemanha e outros países-membros da UE esperam, no futuro, uma mudança de comportamento da França.

Segundo Merkel, uma decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas não é suficiente para que um país-membro da UE empreenda uma missão militar.

É necessário também que a missão seja coordenada e aprovada pelos parceiros da UE caso se almeje uma corresponsabilidade europeia.

Merkel afirmou que já teria dito isso a Hollande, em encontro bilateral na quarta-feira em Paris.

Solidariedade europeia em estruturas europeias
No ano passado, Hollande mandou tropas francesas para o Mali e, recentemente, enviou 1.600 soldados para a República Centro-Africana, com o objetivo de reprimir revoltas e pacificar países que se localizam em tradicional zona de influência francesa na África Ocidental.

A França está, portanto, agindo em interesse próprio.

Mas, devido ao alto custo das missões militares, Hollande sugeriu um fundo europeu permanente para o financiamento de tais missões.

O presidente francês, por sua vez, afirmou no primeiro dia de reuniões que a Polônia se dispôs a apoiar, com 50 técnicos da Força Aérea, a missão militar francesa na República Centro-Africana.

Antes do encontro, Hollande havia dito que tanto a ONU quanto a União Europeia teriam apoiado a intervenção no Mali e na República Centro-Africana (RCA).

“E ao financiamento deve seguir o apoio político”, exigira Hollande.

O presidente, no entanto, parece ter se enganado.

Além de Merkel, também o primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt [foto], afirmou que, “quando se pede a solidariedade europeia, então a tomada de decisão deve se encontrar dentro de estruturas europeias”.

Cameron, Rasmussen e a Otan
O primeiro-ministro britânico, David Cameron [foto], afirmou que considera sensata uma cooperação militar entre os europeus.

Mas não é correto que a União Europeia possua tais capacidades – um Exército próprio, Força Aérea etc.

Cameron não quer de maneira alguma estruturas paralelas à Otan.

Isso não somente seria um desperdício de dinheiro, argumenta, mas também poderia vir a enfraquecer a Otan.

Nesse ponto, no entanto, Cameron contradisse ninguém menos que o próprio secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen [foto abaixo], que também foi convidado para as negociações em Bruxelas.

Rasmussen não disse ver nenhuma contradição entre um aumento da capacidade de defesa da Europa e uma Otan forte.

“Se nós, europeus, não pudermos mais cuidar da nossa segurança, corremos o risco de que os EUA se afastem de nós.”

Para acalmar os ânimos de Cameron, defensor das relações com os EUA e com a Otan, Rasmussen acresceu que não se trata de criar um Exército europeu.

As Forças Armadas continuam a pertencer aos diversos países.

Cooperação em tempos de crise
De qualquer forma, em tempos de “vacas magras”, os chefes de Estado e governo aprovaram em Bruxelas uma cooperação europeia mais estreita na política de segurança e armamentos.

Em 2014, a UE pretende aprovar ao menos uma estratégia de segurança marítima comum e pretende chegar a um acordo sobre um enquadramento legal para a defesa contra ataques cibernéticos.

Além disso, entre 2020 e 2025, os países-membros da UE pretendem desenvolver um drone europeu.

Isso poderia ajudar a encontrar uma solução para o problema da partida e aterrissagem de aviões militares não tripulados em espaço aéreo civil, o que foi um dos motivos para o fracasso na Alemanha do desenvolvimento do drone Euro Hawk.

Fonte:
http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/lideres-europeus-rejeitam-apoio-a-missoes-militares-francesas-na-africa/672066/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20131221

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leia também:
- Duas aventuras pan-europeias: na África e na Ucrânia - Rui Peralta, de Luanda

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Nas escolas, o beabá dos direitos humanos

10/12/13 - ONU: “Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos”
- Danilo Mekari - Portal Aprendiz

“Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade.” 

É o que defende Nadine Gasman [foto acima], representante da ONU Mulheres no Brasil, sobre o papel do ensino na erradicação da violência contra mulheres e meninas.

Na data em que se encerra a campanha “16 Dias de Ativismo”, que envolveu mais de 130 países em ações simultâneas em prol de maior comprometimento social para prevenir, punir e erradicar a violência de gênero, Nadine falou ao Portal Aprendiz sobre os desafios que o Brasil enfrenta para reverter a questão.

Uma mulher morta a cada duas horas.

Em comparação a outros países, o Mapa da Violência 2012 apresenta o Brasil na sétima posição em um ranking que mede a ocorrência de assassinatos de mulheres em 84 nações. Só na última década, mais de 43 mil brasileiras foram vítimas de homicídio, o equivalente a uma mulher morta a cada duas horas, em sua maioria no ambiente doméstico.

É preciso reconhecer que a violência contra as mulheres e meninas é uma expressão de um fenômeno social e cultural de exercício de poder e subordinação entre homens e mulheres, que implica em violações de múltiplos direitos humanos e que não é natural, aceitável ou tolerável em nenhuma cultura, classe social ou religião.

No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo DataSenado, aproximadamente uma em cada cinco mulheres já foi vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem.

Os percentuais mais elevados foram registrados entre as mulheres que possuem menor nível de escolaridade, entre as que recebem até dois salários mínimos e entre aquelas que têm idade de 40 a 49 anos.

No entanto, a própria pesquisa demonstra que a violência está presente em todas as classes sociais”, afirma Nadine.

De acordo com ela, o fim da violência contra as mulheres será uma realidade “à medida que mais pessoas a considerarem inaceitável e passível de ser evitada, e à medida que mais agressores receberem a punição devida”.

Abertura oficial da campanha "16 Dias de Ativismo" em Novo Hamburgo (RS)

Leia mais:
Campanha 16 Dias de Ativismo pede fim de violência contra mulheres

Portal Aprendiz – Qual a importância da Campanha 16 Dias de Ativismo no contexto brasileiro de combate à violência contra a mulher? Quais ações ocorreram durante esse período?

Nadine Gasman – A campanha é uma forma chamar a atenção da comunidade internacional para que se conscientize e se esforce para combater a violência contra as mulheres fortalecendo o marco dos direitos humanos.

Diversas ações foram realizadas por diferentes pessoas, grupos sociais, instituições públicas e privadas.

(Veja aqui um mapa interativo com as ações que ocorreram no dia 25/11).

Entre as atividades da campanha estavam marchas com o objetivo que denunciar os altos índices de violência praticados contra a mulher no Brasil.

Aprendiz – Como realizar um trabalho educativo com crianças e adolescentes, a longo prazo, que vise eliminar a violência de gênero? E, para além disso, como levar essa educação para a sociedade como um todo?

Gasman - Para citar a Secretária Geral Adjunta das Nações Unidas e Diretora Executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, [foto] “necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo, e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade."

"Necessitamos oportunidades econômicas equitativas e acesso à justiça para as mulheres.

Necessitamos escutar a opinião delas.

Necessitamos mais mulheres na política, na polícia e nas forças de manutenção da paz”.

Temos que envolver os Ministérios da Educação para garantir que os direitos humanos, a educação sexual, a igualdade de gênero e a resolução não violenta de conflitos sejam temas centrais nos currículos em todos os níveis da educação.

Os professores e professoras também precisam receber formação para ensinar sobre esses temas.

Aprendiz –  Qual a avaliação da ONU Mulheres acerca dos sete anos de implementação da Lei Maria da Penha? Quais os principais desafios a serem superados?

Gasman – A Lei Maria da Penha é citada entre as três melhores legislações do mundo com relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres no relatório “O Progresso das Mulheres no Mundo 2008/2009″, junto com a lei da Violência Doméstica na Mongólia (2004) e a lei de Proteção contra a Violência na Espanha (2004).

É realmente uma lei especial, porque 98% da população a conhece e sabe que a violência contra as mulheres é um crime passível de punição.

A Lei Maria da Penha é essencial, pois deu às mulheres a certeza de que podem falar e denunciar.

As mulheres que sofrem violência já não se sentem obrigadas a se calar e aguentar tudo sozinhas.

Elas sabem que existe proteção legal para elas, e estão se sentindo encorajadas a denunciar.

Então, o que vem aumentando é a visibilidade, a possibilidade de tornar pública a violência doméstica e buscar uma solução.

A lei é muito popular, todo mundo sabe que ela existe, e tem sido muito útil na proteção da vida e da integridade das mulheres vítimas de violência.

Porém, o sistema de justiça precisa acompanhá-la.

O sistema de justiça brasileiro reconhece de forma irregular a gravidade da violência doméstica e
familiar.

Apenas um terço dos casos que chega aos tribunais resulta em condenação, e a impunidade ainda é um problema crítico.

O Brasil tem uma rede de atendimento que tem que ser fortalecida para garantir que as mulheres que são agredidas tenham acesso a serviços integrais de qualidade.

A prioridade do governo através do programa “Mulher, viver sem violência” tem potencial de garantir esse acesso.

Fonte:
http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/12/10/onu-necessitamos-que-a-educacao-nas-escolas-ensine-direitos-humanos/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Uma década vencendo a fome

10/12/2013 - Por Luiz Inácio Lula da Silva (*) - Instituto Lula

O Brasil comemorou recentemente o 10º aniversário do Bolsa Família, um modelo para muitos programas recentes de distribuição de renda ao redor do mundo.

Por meio do Bolsa Família, 14 milhões de famílias, ou 50 milhões de pessoas – um quarto da população do Brasil – recebem uma renda mensal desde que mantenham as crianças na escola e que deem a elas assistência médica, incluindo todas as vacinações regulares.

Mais de 90% dos pagamentos são feitos para as mães.

Nesses dez anos desde o início do programa, aproveitamento escolar das crianças melhorou, as taxas de mortalidade infantil caíram e 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza.

Os números são eloquentes, mas não bastam para expressar a transformação na vida de cada um.

Não existe estatística para medir a dignidade – e é disso que se trata quando a mãe e o pai podem oferecer aos filhos três refeições por dia.

Não há nos orçamentos uma rubrica chamada esperança – e é disso que se trata quando os pais veem as crianças frequentar a escola para ter um futuro melhor.

Por ter proporcionado essa mudança na vida das pessoas, o Bolsa Família está mudando o curso da História em meu país; as Nações Unidas o consideram o maior programa de distribuição de renda do mundo.

Muitos governos têm adotado a transferência de renda no combate à fome. Por isso é importante compreender as razões do êxito do Brasil e os obstáculos que ele enfrentou para colocar o Bolsa Família em prática.

Como em tantos países da América Latina, da África e da Ásia, durante muito tempo o Brasil foi governado só para uma pequena minoria de seus habitantes, a elite.

A maioria dos brasileiros era virtualmente invisível, vivendo em uma não-pátria, que desconhecia seus direitos e lhes negava oportunidades.

Nós começamos a mudar isso implementando um conjunto de políticas sociais combinado com a valorização do salário mínimo e a expansão ao crédito bancário.

Isso dinamizou uma economia que criou 20 milhões de empregos formais nos últimos 10 anos, finalmente integrando a maioria da população ao processo econômico e social.

O Bolsa Família ajudou a provar que sim, é possível acabar com a fome quando os governos têm vontade política para colocar os pobres no centro de suas ações.

Muitos achavam utópico esse objetivo.

Talvez não compreendessem que isso era absolutamente necessário para colocar o país na rota do desenvolvimento.

Alguns diziam, de boa fé, que para combater a fome o correto seria entregar alimentos às famílias, e não dinheiro.

Mas não basta receber alimentos para matar a fome. É preciso ter a geladeira para conservá-los, o fogão e o gás para cozinhar.

E as pessoas precisam se vestir, cuidar da higiene pessoal e da limpeza da casa.

As famílias não precisam do governo para dizer a elas o que elas devem fazer com o dinheiro. Elas sabem quais são suas prioridades.

Ainda hoje, certas reações ao Bolsa Família mostram que é mais difícil vencer o preconceito do que a fome.

A mais cruel dessas manifestações foi acusar o programa de estimular a preguiça.

Isso significa dizer que a pessoa é pobre por indolência, e não porque nunca teve uma chance real. Significa transferir, para o pobre, a responsabilidade por um abismo social que só favorece os ricos.

Na verdade, mais de 70% dos adultos inscritos no Bolsa Família trabalham regularmente, e complementam a renda com o dinheiro do programa.

O Bolsa Família constitui o apoio indispensável para começar a romper o ciclo da pobreza de pai para filho.

Críticos comparavam a transferência de renda a uma simples esmola, nada além de caridade.

Só quem nunca viu uma criança desnutrida, e a angústia da mãe diante do prato vazio, pode pensar dessa forma.

Para a mãe que o recebe, o dinheiro que alimenta os filhos não é caridade: é um direito de cidadania, do qual ela não vai abrir mão.

Um efeito de longo prazo do Bolsa Família é que ele dá poder a quem é pobre: eleitores que têm uma renda básica garantida não precisam mais pedir favores.

Eles não precisam trocar seus votos por comida ou por um par de sapatos, como era comum nas regiões mais pobres do Brasil.

Ele se torna mais livre, o que, para alguns, não é conveniente.

Há, por fim, os críticos que acusam o programa de elevar o gasto público. São os mesmos que dizem que cortar salários e destruir empregos é bom para a economia.

Mas dinheiro público aplicado em gente, em saúde e educação não é gasto: é investimento.

E o investimento no Bolsa Família está na raiz do crescimento do Brasil.

Cada 1 real – cerca de US$ 0,44 – investido no programa agrega 1,78 real ao PIB, de acordo estimativas do governo brasileiro.

O Bolsa Família movimenta o comércio e a produção dos bens consumidos pelas famílias.

Muito dinheiro, nas mãos de poucos, serve apenas para alimentar a especulação financeira e concentrar riqueza e renda.

O Bolsa Família mostrou que um pouco de dinheiro, nas mãos de muitos, serve para alimentar pessoas, impulsionar o consumo e a produção, atrair investimentos e gerar empregos.

O orçamento do Bolsa Família para este ano é de 24 bilhões de reais, cerca de US$ 10 bilhões, o que é menos de 0,5% do PIB brasileiro.

Desde 2008, Estados Unidos e União Europeia já gastaram US$ 10 trilhões para salvar bancos em crise.

Apenas uma fração desse dinheiro investida em programas como Bolsa Família poderia acabar com a fome no mundo e lançar a economia global numa nova era de prosperidade.

Felizmente, cada vez mais países estão escolhendo o combate à pobreza como caminho para o desenvolvimento.

Já é tempo de os organismos multilaterais estimularem isso promovendo a troca de conhecimento e o estudo das boas experiências de transferência de renda ao redor do mundo.

Seria um grande impulso para a vencermos a fome em todo o mundo.

(*) Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente do Brasil e agora trabalha em iniciativas globais no Instituto Lula e pode ser acompanhado no facebook.com/lula.

Fonte:
http://www.institutolula.org/artigo-de-lula-uma-decada-vencendo-a-fome/#.UqlRPx0jLSs

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.