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quinta-feira, 23 de junho de 2011

A última Geni

 Antonio Fernando Araujo*

"Primeiro foram os índios, mas como não sou índio...", negros, mulheres, judeus, ciganos, deficientes, idosos, homossexuais, e quem mais se apresenta para engrossar essa lista discriminatória na qual o capitalismo já incluíra os pobres, descartáveis..., sorry, não tem poder de compra e, portanto, voz.

Apesar disso foi com silêncio que a Geni, alguém "que sofre e ama verdadeiramente seus semelhantes", se fez ouvir na ópera e esfregou na cara das pessoas suas próprias hipocrisias. Um silêncio que, aparentemente as Marchas da Liberdade que pipocaram em todos o país no último fim de semana (18/06), não estão mais dispostas a levar adiante. Ao contrário, optaram por fazer barulho, agora um barulho que nasce silencioso nas redes sociais e se espalha ensurdecedor pelas praças. E curioso, a Geni é um travestí que parece ter se dedicado à missão de ajudar os seus iguais, os excluídos como ela, e como tal se apresenta como o símbolo apropriado de exclusão e solidariedade, esse binômio que costuma permear os humilhados, os castigados, vitimizados pelas calúnias dos que procuram rebaixá-los moralmente, já que não é tarefa fácil prá ninguém reconhecer e engolir a própria hipocrisia. E é com os anseios por justiça e reconhecimento, dessa Geni "tão coitada e tão singela" que as Marchas da Liberdade buscam uma identificação.

Pois bem, na do Rio, parecia que estavam todos lá, todas as "cidades misturadas..., toda a garotada, os que andam por terreiros, quilombos ou por terras digitais", como disse Beto Moreira, até os gritos e os lutos da floresta, a marcha das vadias que denunciam a exclusão e o estupro, cuja culpabilidade Bispo algum pode atribuir à própria mulher, o aroma da maconha medicinal de 5.000 anos, a luta contra a homofobia repulsiva e a consequente discriminação aos homossexuais ("o Senhor é meu Pastor e ele sabe que sou gay"), a recusa da paz das UPP's quando imposta sem voz às comunidades, o sistema financeiro que apodreceu e ameaça empobrecer ainda mais o mundo, a liberdade religiosa e o conselho tutelar que se quer livre e transparente, cuja ordenação e dignidade não sejam objeto de manipulação alguma, as camareiras e os bombeiros (tanto as de lá quanto os de cá, com os quais os maconheiros se solidarizavam enquanto propunham a legalização da erva), o direito ao aborto assistido - que meninas pobres e seus fetos rejeitados parem de morrer um ao lado do outro -, a valorização do trabalho das empregadas domésticas, a certeza enfim dessa Geni empunhando cartazes, faixas e estandartes, de estar contribuindo para a construção de um mundo que, ora todos apostam será melhor, pois para isso acalentam a esperança de que em breve a liberdade estará integralmente legalizada e com ela a honestidade e a sincera convicção de que até lá suas utopias é que irão prevalecer. E, com certeza, falarão mais alto do que o atual conservadorismo dos clérigos, do que a cobiça daqueles que detem o poder das armas, do capital e da mídia e muito mais do que a alienação imposta às grandes massas dos excluídos.

"A Marcha da Liberdade ..., decolou e virou o embrião de um novo movimento político e cultural: a marcha pela liberdade de expressão, a marcha dos diferenciados, dos insatisfeitos, dos indignados, dos que estão construindo futuros alternativos. Liberdade pra protestar! Liberdade pra morar! Liberdade pra circular! Liberdade para expressar os afetos! Liberdade de culto! Liberdade para o funk, o hip hop, o samba e o rap e todos os ritmos! Liberdade para agir e para pensar", escreveu ainda Beto Moreira. "Quando um futuro intolerante se precipita e parece inevitável  é preciso reagir, deter, interceptar, barrar, desviar. A Marcha da Liberdade é a manifestação dos que não aceitam ser calados pela policia, pelos ruralistas, monoteístas, corporativistas, monetaristas, monopolistas... A Marcha da Liberdade Rio apoia qualquer causa que defenda a liberdade de todos se expressarem e se reunirem em nome daquilo que acreditam ser justo", conclue.

Estamos portanto diante de uma multiplicidade de demandas heterogêneas, porém além disso, de uma das características principais do "espírito" desta época, propícia para a emergência de novos paradigmas e que basicamente consiste numa certa aversão aos sistemas políticos e filosóficos já arrumadinhos, estruturados que foram no seio de algum partido ou agremiação, como se eles proclamassem “todos unidos [também] contra slogans e símbolos de partidos, religiões ou etnias”.

A grande sacada parece ser a descoberta do outro, essa alteralidade que insiste em apontar para uma ética comprometida até o pescoço com um processo de inclusão social de todas as minorias, onde qualquer Geni cuspida e maltratada possa ser capaz de gerar um sentimento de indignação tal que denunciada a violência, velada ou explícita, a qualquer segmento social, ele caia de imediato na rede da urbi, sobrepujando assim em questão de minutos os arcos da Lapa e varrendo pra longe o que ainda sobrar da perfídia. E volto a lembrar: não se trata de criar uma nova seita, partido ou confraria, mas tão somente de propor empreitadas múltiplas que no plano tático não desgrude o olho das grandes metas que ora vicejam no solo promissor deste jovem século XXI, tal como esboçadas aqui.

Nesse sentido, as ruas e praças do mundo, e do Brasil em especial, passam a ser a vanguarda dos que querem direitos sociais amplamente reconhecidos e dos que almejam navegar em águas da plena democracia política e da democracia social que se deseja presente em todos os espaços.

Tomara apenas que o capitalismo e sua feição neoliberal mais terrível não venha se somar aos sonhos desse punhado de Genis, apoderando-se deles e acabando por destroçá-los, como aparentemente é o destino que ora se vislumbra para a "primavera árabe", com o Egito, manipulado pelo sionismo, voltando a protagonizar a miséria e a opulência do capitalismo nosso de cada dia.

Apesar de tudo resta-nos uma certeza, e quem não entender isso será retirado da cadeira da história, de que esta geração sepultará de vez a Geni "feita pra apanhar..., que dá pra qualquer um" e ainda assim é "maldita", essa estupenda Geni do Chico, a do "enorme zepelim" da Lapa, "dos cegos, dos retirantes e de quem não tem mais nada", essa mesma que, por enquanto ainda vimos na Marcha da Liberdade.

Essa Geni, certamente, será a última.


*Antonio Fernando Araujo colabora neste blog - texto e fotos

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Generais não dão flores

 Por Antonio Fernando Araujo*

Democracia não é utopiaQuando o simpático tenente da PM paulista achegando-se a um grupo de moças que na Marcha da Liberdade (28/05) seguiam pela av. Paulista portando flores e cantando, indagou-lhes quem eram os líderes do movimento ouviu, quase que numa única voz, que ali não havia líderes, todos eram soldados rasos nenhum general. E enquanto estendiam-lhe flores uma completou, "até porque generais não dão flores".
É possível que nesse instante o tenente tenha ouvido algo mais, aquilo que só daqui a alguns anos a próxima geração contará de verdade sobre suas mães que nessa Marcha, numa espécie de desobediência coletiva, inauguraram um tempo de passeatas que depois se alastrou pelo país porque naquele dia não apenas entregaram flores, mas foram capazes de perceber com acerto "por quem os sinos dobravam", coisa que os magistrados que vêem a sociedade de longe e pela vidraça do andar de cima e por isso a proibiram, foram incapazes de o fazer.

Pois bem, era por eles mesmos que os sinos dobravam. A rigor, não exatamente, mas por tudo que representavam, uma sociedade autoritária, traumatizada pelas ditaduras do século XX que tanto fez para sufocar as utopias, equivocada por essa idéia de progresso que ao misturar alta tecnologia e postura consumista imagina estar dando respostas adequadas à uma sociedade que acabou parida por um arremedo de capitalismo ao qual se convencionou chamar de neoliberalismo e no qual todos estamos mergulhados até o pescoço.

Marcha da LiberdadeEntretanto, enquanto na ilusão os de toga ou gravata viram apenas a apologia à maconha o que os jovens queriam era algo impregnado de um outro sentido, o direito de não apanhar por manifestar livremente as suas idéias. E porque lhes acalentava o sentimento de revolta que germina na alma e anseios por passar a borracha naquilo tudo que ali estava, não lhes foi difícil perceber que suas inquietudes tinham muito a ver com o que há pouco acontecera na Tunísia e na praça Tahrir, do Cairo e se propagara pela Síria, Bahrein, Yemen, Wisconsin, praça Catalunha, Puerta del Sol e, naquele instante, acabara por conceber aquele ensaio proibido no vão do MASP, quando, na marcha que se seguiu, distribuíram flores pelas avenidas Paulista e Consolação, nem que fosse apenas para comprovar que distribuir flores pode ser mais letal do que emitir proibições.

Quem nos garante que a juventude européia, latino ou norte-americana está a salvo de angústias semelhantes? Quem é capaz de jurar que um universo de frustrações existenciais, decepções políticas de variados tons, um não sei o quê de uma auto-estima que em algum momento se escafedeu, de uma não percepção de que o mundo se constrói aos poucos, mas que suas urgências não lhes permite ver nem sentir, tudo isso enfim não seja capaz de fornecer a munição suficiente para que uma passeata pela legalização da maconha se torne o combustível suficiente para que a insurgência assuma suas verdadeiras cores, a de um clamor popular que se recusa, por exemplo, a aceitar uma "governabilidade a qualquer preço", desde a presença de um Sarney até o salário da professora Amanda Gurgel, passando por essa vergonhosa taxa Selic que, de antemão, já assinala para esta geração impaciente que em muito pouco deve apostar quando lhe falarem de um futuro promissor, digno e comparável a de outros países? (ainda que possa parecer melhor, qudo nos comparamos com nós mesmos).

Marcha da LiberdadeNão se trata de desestabilizar o governo Dilma, como me apontaram, longe disso, mas talvez de chacoalhá-lo. Fazê-lo ver que não basta comparecer à cerimônia de beatificação de irmã Dulce. É importante marcar presença na Marcha da Liberdade, dia 18 próximo, no Rio, no Encontro de Blogueiros Progressistas, na mesma ocasião, em Brasília, na feira de Garanhuns e no forró de Caruaru, em julho, no Círio de Nazaré, em Belém do Pará, em outubro.

Fazê-lo entender que, neste momento em que o mundo parece querer entrar em ebulição e o nosso país não está a salvo, mais decisivo do que as intrigas do palácio é o gesto de chegar perto, bem perto. De dar as mãos aos indígenas e ribeirinhos para, contornados os impasses e junto com eles, às margens do Xingu, assistir a primeira carga de dinamite dar início a construção de Belo Monte e testemunhar o otimismo aflorando nos semblantes em volta. Fazê-lo perceber que nossos jovens têm pressas e sonhos e parecem querer passar o rodo na UNE e a na UBES, quietas até demais, como se estivessem cochilando ou por terem se tornado obsoletas antes do tempo, naqueles entraves jurássicos ou jurídicos que lhes obstrua o caminho das suas utopias, das suas realizações, sejam elas de natureza ética, política, profissional, moral ou existencial e em tudo o mais que lhes lembre o quanto é repugnante, por exemplo, um Pimenta Neves e os poucos meses que passará na cadeia ou os motivos que levaram à morte o casal sindicalista Zé Cláudio e Ma. do Espírito Santo, assassinado no Pará, cujos autores e mandantes, certamente ficarão impunes.

Em meio a sentimentos de tolerância, de solidariedade, de liberdade, de fraternidade, outros temas afins a tudo que entendemos como respeito aos inúmeros dos nossos valores emergem. E aí entra em cena a ânsia de expurgar a mentira e a hipocrisia presente, por exemplo, na grande mídia nativa, mais especificamente a oriunda da grande família GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão), de bradar pelos direitos das mulheres, pelo combate à pobreza, à desigualdade social, ao racismo, xenofobia e homofobia, pelo realce da nossa auto-estima, por um futuro próximo (não o daqui a 15 ou 20 anos) livre de um capitalismo predatório e egoísta, como se fôssemos - e os jovens em especial -, herdeiros delirantes daquela geração de hippies que valorizava a integridade, a honestidade e a verdade como princípios imutáveis de vida já que nesses aspectos, em muito se parecem, com o que sentiram os dos países árabes e agora sentem os da Espanha e, se estou certo, até mesmo o que distingue esses de São Paulo.

FlorAssim, quando se assiste o ressurgimento dessas manifestações populares anticonservadoras, antiautoritarismos, solidárias, nascidas e articuladas nas redes sociais e ainda se constata que há flores de sobra para a PM's e magistrados paulistas, podemos apostar então, os jovens saberão com destemor, reservá-las em maior escala para as centenas de camponeses sem terra, para os trabalhadores rurais, para a massa dos sem-advogado, rotos e pobres, sindicalistas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, favelados e em especial para todos aqueles que defendem a volta do país que lhes pertence, seu pedaço de chão ou teto, ousam sonhar e ir contra alguma coisa, uma injustiça, por exemplo, e por isso são mártires anunciados, marcados para morrer.

Estou certo que, daquela egoísta indiferença que Bertold Brecht, Maiakovski e Niemöller lamentaram em seus poemas esta geração já acena por querer se livrar, convidando Dilma a se juntar a ela, combinando tudo direitinho pela internet e depois não arredar mais o pé das ruas.

*Antonio Fernando Araujo é colaborador deste Blog.
Este artigo foi publicado também no site Rede Democrática.

sábado, 28 de maio de 2011

A juíza e a Marcha da Liberdade

É proibido proibir: Marcha da Liberdade
por Kenarik Boujikian Felippe*

Em maio, São Paulo viveu cenas dignas do período da ditadura civil-militar. Vários manifestantes e jornalistas foram espancados e consumiram gás lacrimogêneo ou de pimenta, porque estavam no ato pela liberdade de expressão, que inicialmente seria a “Marcha da Maconha”, permitida há três anos por juízes de São Paulo, mas vetada pelo Tribunal de Justiça.
Mas que fique claro que desnecessário pedir ao Judiciário para se manifestar, pois nenhum dos poderes de Estado têm a função de censurar o conteúdo das manifestações sociais, como estabelecido em nossa Constituição, que fixou diversas garantias e direitos, dentre eles a liberdade de reunião, instrumento para concretizar a liberdade de expressão, manifestação, incluindo o direito de protesto. A normativa internacional, regional e nacional segue a mesma direção e constou inclusive das observações do Relator Especial sobre a Liberdade de Expressão da CIDH, referindo-se às proibições a atinentes à “Marcha da Maconha” que “marchas de cidadãos pacíficas em áreas públicas são demonstrações protegidas pelo direito à liberdade de expressão”.
O Estado Democrático de Direito pressupõe o debate aberto e público. Não é possível criar uma sociedade livre, justa e solidária sem o patamar da liberdade de expressão e de reunião, sustentáculos da democracia.
Impedir o exercício destes direitos significa retirar dos cidadãos o controle sobre os assuntos públicos.
O direito de reunião, de protestar, é de primeira grandeza, a ser resguardado pelo Poder Judiciário, na medida que este direito é o único que pode fazer valer os demais direitos fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade.
Como defende o constitucionalista argentino, Roberto Gargarella, o direito de protesto é o primeiro direito, porque é a base para a preservação dos demais. No núcleo essencial dos direitos, em uma democracia, está o direito de protestar, de criticar o poder público e privado. Não há democracia sem possibilidade de dissentir e de expressar o dissenso.
Entretanto, o que se tem observado, é que o direito de reunião e liberdade de expressão passam a ter como paradigma o direito criminal. Não é o código penal que deve estar à mão, quando se decide sobre estes direitos, pois este tem como ápice a repressão, a criminalização. O paradigma deve ser o constitucional, sempre, pois o norte é o nível de proteção que os direitos fundamentais exigem e que devem ser priorizados.
O exercício da liberdade de expressão e reunião é imprescindível para tornar visível a cidadania. Ir às ruas e praças, que ressoam um modo de refletir, de ver, de mostrar e compartilhar idéias com os demais cidadãos e com o próprio Estado é gesto que se repete desde a origem da democracia, que não se limita ao sufrágio eleitoral, cujo resultado indica que está circunscrito às maiorias, pois há um déficit visível de representação de interesses dos direitos econômicos e sociais agasalhados pela Constituição.
A democracia exige o comprometimento dos cidadãos e exercer os direitos mencionados é uma forma de participar dos desígnios do Estado e de suas políticas públicas. Nesta hora não deixa de vir à mente a imagem da faixa estendida em 1979, em pleno jogo, pelos Gaviões da Fiel: “Anistia, ampla, geral e irrestrita”, os comícios dos trabalhadores, o gigantesco ato pelas diretas no Anhangabaú, as marchas das mulheres e tantas mais, maiores e menores.
Não precisa pedir para Justiça para se manifestar.
Desdenhar a liberdade de expressão e reunião é asfixiar e por fim matar a democracia, que não terá como subsistir com golpe de cassetes e outros golpes.
Então, Marcha pela liberdade: presente

*Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito em São Paulo, secretaria da Associação Juízes para a Democracia




                                                        



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