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domingo, 16 de fevereiro de 2014

O que nos mentem sobre a economia

01/02/2014 - Mentiras propagadas pelo pensamento econômico dominante
- Vicenç Navarro (*) - Carta Maior

Grande parte dos argumentos mostrados pelos meios de informação e persuasão econômicos para justificar certas políticas são pura ideologia cheia de mentiras.

Permita-me, senhor leitor, que eu converse com você como se estivéssemos tomando um café, explicando-lhe algumas das maiores mentiras apresentadas diariamente no noticiário econômico.

Você deveria ter consciência de que grande parte dos argumentos mostrados pelos maiores meios de informação e persuasão econômicos do país para justificar as políticas públicas ora implementadas são posturas claramente ideológicas, que não se sustentam com base na evidência científica existente.

Vou citar algumas das mais importantes, mostrando que os dados contradizem aquilo que se diz.

E também tentarei explicar por que continuam repetindo essas mentiras, apesar de a evidência científica questioná-los, e com que finalidade elas são apresentadas diariamente a você e ao público.

Comecemos por uma das mentiras mais importantes, que é a afirmação de que os cortes de gastos nos serviços públicos do Estado de bem-estar social – tais como saúde, educação, serviços domésticos, habitação social e outros (que estão prejudicando enormemente o bem-estar social e a qualidade de vida das classes populares) – são necessários para que o déficit público não aumente.

E você se perguntará: E por que é tão ruim que o déficit público cresça?”.

E os reprodutores do senso comum lhe responderão que o motivo de se reduzir o déficit público é que o crescimento desse déficit determina o crescimento da dívida pública, que é o que o Estado tem que pagar (predominantemente aos bancos, que têm uma quantia em torno de mais da metade da dívida pública na Espanha) por ter pedido emprestado dinheiro dos bancos para cobrir o rombo criado pelo déficit público.

Reforça-se, assim, que a dívida pública (considerada um peso para as gerações futuras, que terão de pagá-la) não pode continuar crescendo, devendo-se, para isso, reduzi-la diminuindo o déficit público.

Isso quer dizer, para eles, cortar, cortar e cortar o Estado de bem-estar até o ponto de acabar com ele, que é o que está acontecendo na Espanha.

Os argumentos utilizados para justificar os cortes não são críveis.
  
O problema com esta postura é que os dados (que o senso comum oculta ou ignora) mostram exatamente o contrário.

Os cortes são enormes (nunca foram tão grades durante a época democrática) e, ainda assim, a dívida pública continua crescendo e crescendo.

Veja o que está acontecendo na Espanha, por exemplo, com a saúde pública, um dos serviços públicos mais importantes e mais demandados pela população.

O gasto público com saúde enquanto parte do PIB se reduziu em torno de 3,5% no período 2009-2011 (quando deveria ter crescido 7,7% durante esse mesmo período para chegar ao gasto médio dos países de desenvolvimento econômico semelhante ao nosso), e o déficit público diminuiu, passando de 11,1% do PIB em 2009 para 10,6% em 2012.

A dívida pública não baixou, mas continuou aumentando, passando de 36% do PIB em 2007 para 86% em 2012.

Na verdade, a causa do aumento da dívida pública se deve, em parte, à diminuição do gasto público.

Como isso pode acontecer?, você se perguntará. A resposta é fácil de enxergar.

A diminuição do gasto público implica a redução da demanda pública e, com isso, a diminuição do crescimento e da atividade econômica, fazendo com que o Estado receba menos recursos através de impostos e taxas. Ao receber menos impostos, o Estado de se endivida mais, e a dívida pública continua crescendo.

Desnecessário afirmar que o maior ou menor impacto que estimula o gasto público depende do tipo de gasto. Mas os cortes são nos serviços públicos do Estado de bem-estar, que são os que criam mais emprego e que estão entre os que mais estimulam a economia.

Permita-me repetir essa explicação devido à sua enorme importância.

Quando o Estado (tanto central como autônomo e local) aumenta o gasto público, aumenta a demanda de produtos e serviços, e com isso, o estímulo econômico.

Quando reduz, diminui a demanda e o crescimento econômico, fazendo com que o Estado receba menos fundos.

É aquilo que, na terminologia macroeconômica, se conhece como o efeito multiplicador do gasto público.

O investimento e o gasto público facilitam a atividade da economia, o que é negado pelos economistas neoliberais (que se promovem, em sua grande maioria, pelos maiores meios de informação e persuasão do país), apesar da enorme evidência atestada pela literatura científica (veja meu livro Neoliberalismo y Estado del Bienestar, editora Ariel Económica, 1997. Em português, Neoliberalismo e Estado de bem-estar).

Outra farsa: gastamos mais do que temos

O mesmo senso comum está dizendo também que a crise se deve ao fato de termos gastado demais, acima de nossas possibilidades. Daí a necessidade de apertar os cintos (que quer dizer cortar, cortar e cortar o gasto público).

Via de regra, essa postura é acompanhada da afirmação de que o Estado tem que se comportar como as famílias, ou seja, “em nenhum momento pode gastar mais do que recebe”.


O presidente Rajoy [E] e a Sra. Merkel [D] repetiram essa frase milhares de vezes. 

Essa frase tem um componente de hipocrisia e outro de mentira. Deixe-me explicar o porquê de cada um deles.

Eu não sei como você, leitor, comprou seu carro. Mas eu, como a grande maioria dos espanhóis, comprou o carro a prazo, quer dizer, usando crédito. Todas as famílias se endividaram, e assim funciona o orçamento familiar.

Pagamos nossas dívidas conforme entram os recursos que, para a maior parte dos espanhóis, vem do trabalho. E daí surge o problema atual.

Não é que as pessoas gastaram além de suas possibilidades, mas foram suas rendas e suas condições de trabalho que pioraram mais e mais, sem que a população fosse responsável por isso.

Na verdade, os responsáveis por isso acontecer são os mesmos que estão dizendo que é preciso cortar os serviços públicos do Estado de Bem-estar e também diminuir os salários.

E agora têm a ousadia (para colocar de maneira amável) de dizer que você e eu somos os culpados porque gastamos mais e mais. Eu não sei você, mas eu garanto que a maioria das famílias não comprou e não acumulou produtos como loucos. Pelo contrário. 

A mesma hipocrisia existe no argumento de que o Estado gastou muito.

Veja você, leitor, que o Estado espanhol gastou muito – não muito mais –, mas muito menos do que outros países de nível de desenvolvimento econômico semelhante.

Antes da crise, o gasto público representava somente 39% do PIB, enquanto a média da UE-15 era de 46% do PIB.

Na época, o Estado deveria ter despendido, no mínimo, 66 bilhões de euros a mais no gasto público social para ter gastado o correspondente ao seu nível de riqueza.

Não é certo que as famílias ou o Estado tenham gastado mais do que deveriam. Apesar disso, continuarão afirmando que a culpa é da maioria da população, que gastou muito e agora tem que apertar os cintos.

Você também provavelmente escutou que esses sacrifícios (os cortes) precisam ser feitos “para salvar o euro”.

Novamente, esta ladainha de que “estes cortes são necessários para salvar o euro” se reproduz.

Contudo, ao contrário daquilo que se anuncia constantemente, o euro nunca esteve em perigo. Não há sequer uma mínima possibilidade de alguns países periféricos (os PIGS, Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) da zona do euro serem expulsos da moeda.

Na verdade, um dos problemas entre os muitos que estes países têm é que o euro está excessivamente forte e saudável. Sua cotação esteve sempre acima do dólar e seu poder dificulta a economia dos países periféricos da zona do euro.

E outro problema é que o capital financeiro alemão lhes emprestou, com grandes lucros, 700 bilhões de euros, e agora quer que os países periféricos os devolvam. Se algum deles deixar o euro, o sistema bancário alemão pode entrar em colapso.

O setor bancário (cuja influência é enorme) não quer nem ouvir falar da saída dos países devedores da zona do euro. Eu lhes garanto que é a última coisa que eles querem. 

Essa observação a favor da permanência no euro é certamente óbvia, e não um argumento.

Na verdade, acredito que os países PIGS deveriam ameaçar sair do euro.

Mas é absurdo o argumento que se utiliza de que a Espanha deve, ainda mais, reduzir o tempo de visita ao médico para salvar o euro (que é o código para dizer, “salvar os bancos alemães e lhes devolver o dinheiro que emprestaram obtendo lucros enormes”).

São essas as falácias constantemente expostas.

Eu lhes garanto que são apresentadas sem que sejam comprovadas por nenhuma evidencia. Isso é claro. 

A causa dos cortes 

E você se perguntará: - Por que então fazem esses cortes?

A resposta é fácil de encontrar, ainda que raramente seja vista nos grandes meios de comunicação.

É o que se costumava chamar de “luta de classes”, mas agora a mídia não utiliza essa expressão por considerá-la “antiquada”, “ideológica”, “demagógica” ou qualquer adjetivo que usam para mostrar a rejeição e desejo de marginalização daqueles que veem a realidade de acordo com um critério diferente, e inclusive oposto, ao daqueles que definem o senso comum do país.

Mas, por mais que queiram ocultar, essa luta existe.

É a luta de uma minoria (os proprietários e gestores do capital, quer dizer, da propriedade que gera rendas) contra a maioria da população (que obtém suas rendas a partir de seu trabalho).

É aquilo que meu amigo Noam Chomsky [foto] chama de guerra de classes – conforme expõe em sua introdução ao livro Hay alternativas. Propuestas para crear empleo y bienestar social en España, de Juan Torres, Alberto Garzón e eu (Em português: Há alternativas. Propostas para criar emprego e bem-estar social na Espanha).

Desnecessário dizer que essa luta de classes variou de acordou com o período em que se vive.

Esta que está acontecendo agora é diferente daquela da época de nossos pais e avós.

Na verdade, agora está inclusive mais ampla, pois não é somente das minorias que controlam e administram o capital contra a classe trabalhadora (que continua existindo), mas inclui também grandes setores das classes médias, formando as chamadas classes populares, conjuntamente com a classe trabalhadora.

Essa minoria é fortemente poderosa e controla a maioria dos meios de comunicação, e tem também grande influência sobre a classe política.

E esse grupo minoritário deseja que os salários diminuam, que a classe trabalhadora fique aterrorizada (daí a função do desemprego) e que perca os direitos trabalhistas e sociais.

E está reduzindo os serviços públicos como parte dessa estratégia para enfraquecer tais direitos.

A privatização dos serviços públicos, consequência dos cortes, também é um fator importante por permitir a entrada do grande capital (e muito particularmente do capital financeiro e bancários, e das seguradoras) nesses setores, aumentando seus lucros.

Você deve ter lido como, na Espanha, as companhias privadas de seguro de saúde estão se expandindo como nunca haviam conseguido antes. 

E muitas das empresas financeiras de alto risco (quer dizer, altamente especulativas) estão atualmente controlando grandes instituições de saúde do país graças às políticas privatizantes e aos cortes feitos pelos governos, que justificam essa medida com toda a farsa (e acredite que não há outra forma de dizer) de que precisam fazer isso para reduzir o déficit público e a dívida pública.

(*) Vicenç Navarro é catedrático de Políticas Públicas da Universidade Pompeu Fabra e Professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University. Site pessoal www.vnavarro.org

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Mentiras-propagadas-pelo-pensamento-economico-dominante/7/30160

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Venezuela condena publicação de falsa foto de Chávez pelo 'El País'

Jornalismo e política internacional foram sacudidos ontem por uma das maiores 'barrigas' (no jargão das redações, grave erro na informação) de que se tem notícia, pelo menos neste século. A edição do diário madrilenho 'El País', líder de vendas na Espanha, saiu com uma foto falsa do presidente venezuelano Hugo Chávez ilustrando a principal manchete - 'O segredo da doença de Chávez'. Na verdade, se tratava de imagem congelada de um vídeo postado na internet cinco anos atrás, em que é realizada entubação num paciente fisicamente semelhante a Chávez. 

Identificado com os social-democratas do PSOE e respeitado nos meios acadêmicos latino-americanos, El País tem pautado a cobertura da Revolução Bolivariana por ácidas críticas a seus líderes, praticamente desde que Hugo Chávez assumiu a presidência da Venezuela, em 1999. A direção do jornal pediu desculpas aos leitores e mandou recolher nas bancas toda a edição. Mas a pergunta que fica é: de que adianta suspender a distribuição e recolher exemplares, se milhares, talvez milhões de cópias já haviam sido adquiridas nas primeiras horas do dia, sem falar na entrega aos assinantes, feita antes de o sol raiar? Em tempo: o jornal parisiense 'Le Monde' - outro periódico europeu lido no Brasil por muitos intelectuais, estudantes universitários e alguns outros segmentos da esquerda - tem entre seus principais acionistas o Grupo Prisa, gigante da mídia espanhola que edita El País.


El País publica falsa foto de Chávez 'na UTI' 

Do Opera Mundi
"Falsa e grotesca". Foi dessa forma que o ministro da Comunicação venezuelano, Ernesto Villegas, qualificou uma foto publicada nesta quinta-feira (24/01) pelo jornal espanhol El País.

A imagem, de um homem entubado em uma cama de hospital, foi vendida aos leitores do diário como sendo o presidente Hugo Chávez.

Por meio de sua conta no Twitter, Villegas desmentiu El País: "Tão grotesca como falsa a foto de 'Chávez entubado' que hoje publica na primeira página o venerado diário El País da Espanha", escreveu.

Inicialmente, o jornal informou que a imagem havia sido registrada "há poucos dias" pela agência de notícias Gtres Online e que "não pôde verificar de forma independente as circunstâncias em que foi tirada, tampouco o momento preciso e o lugar". O jornalista espanhol Moises Naim chegou a anunciar por meio de sua conta no Twitter: "preparem-se para uma extraordinária foto exclusiva na web de El País em breve". Horas depois, o periódico publicou nota se retratando.

"El País retirou de sua página na internet a foto que mostrava um homem entubado em uma cama de hospital e que uma agência de notícias havia fornecido ao jornal, afirmando que se tratava de Hugo Chávez, presidente da Venezuela. El País pede desculpas a seus leitores pelo dano causado", informa o comunicado. Não houve, porém, qualquer pedido de desculpas ao presidente ou à família dele.

Villegas informou que a imagem foi capturada de um vídeo hospedado no YouTube, datado de 2008, denominado 'Intubação de acromegalia AMVAD'. "Deste vídeo vem a falsa 'foto de Chávez entubado' que publicou El País da Espanha na primeira página: youtu.be/DB4bIH0GsYU", continuou o ministro.

Em artigo escrito para Opera Mundi, o articulista francês Salim Lamrani lembrou que, desde a chegada de Chávez ao poder, El País adotou "uma linha editorial muito crítica em relação à Venezuela". 

Recuperação
De acordo com informações de membros do governo venezuelano e de chefes de Estado próximos a Chávez, o presidente está se recuperando da quarta cirurgia a que foi submetido em 11 de dezembro do ano passado. Informes divulgados recentemente pelo vice-presidente Nicolás Maduro e pelo ministro da Comunicação - únicos funcionários autorizados a informarem sobre a saúde do presidente - dão conta da melhora do líder venezuelano.

Segundo o presidente da Bolívia, Evo Morales, Chávez já estaria fazendo fisioterapia. A informação não foi negada ou confirmada pelas autoridades venezuelanas. Evo esteve presente em cerimônia dia 10 de janeiro em Caracas, data prevista na Constituição venezuelana para a posse do presidente. Um dia antes, o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) aprovou que o ato fosse postergado e também a continuidade do Executivo liderado pelo vice-presidente.

Leia também:
La embajada venezolana en España denuncia una campaña del diario 'El País'
Maduro anuncia volta a Cuba e alerta sobre conspiração opositora 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A falência da Espanha e seus disfarces

10/06/2012 - Maurício Caleiro
em seu blog Cinema & Outras Artes

A Espanha quebrou, faliu.

Este é o fato, a terrível realidade que se esconde por detrás de uma operação discursiva que lança mão de termos amenos, humanistas e solidários como “ajuda”, “resgate” e “operação de salvamento”.

Trata-se, na verdade, de uma intervenção na economia e na soberania espanholas, para benefício do mercado financeiro e com duras consequências para a população.


Rajoy questionado

 Tendo imposto suas demandas ao governo do conservador Mariano Rajoy sob sua relutância apenas aparente, a batalha que os arautos do neoliberalismo ora travam é de ordem discursiva: em primeiro lugar, trata-se de convencer os espanhóis que é não apenas aceitável, mas para seu próprio bem desejável que paguem, com carestia, desemprego, cortes nos salários, nas aposentadorias e no acesso a saúde e educação – em suma, com o que resta do Estado de bem-estar social à europeia – as dezenas (talvez centenas) de bilhões de euros que serão utilizadas para tirar as instituições financeiras do buraco por elas mesmas cavado.

A julgar pelas reportagens na imprensa espanhola, agora está ficando claro para muitos de seus ingênuos eleitores que Rajoy - que há dez dias declarou taxativamente que não haveria resgate aos bancos - mentiu. E, a bem da verdade, continua a fazê-lo, já que é lugar-comum entre economistas que cem bilhões de euros são um mero paliativo, e que o setor financeiro, com as cartas na mão, demandará de quatro a oito vezes esse valor para cobrir seus rombos - com a imposição dos cortes sociais correspondentes.

Não foi por falta de aviso.

Consequências psicológicas
A intervenção é um golpe psicológico que constitui um marco na história de nossas relações com a Europa. Em um país onde a identidade nacional e os sentimentos de autoestima coletiva têm estado sempre tão estreitamente vinculados aos feitos alcançados no âmbito europeu, custa crer que tenhamos chegado a este ponto. Entender como e por quê e o que ocorrerá a partir de agora mostra-se imprescindível”, aquiesce uma voz favorável ao "resgate".
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Desse quadro decorre um segundo movimento da citada operação discursiva, desta feita para salvaguardar o orgulho nacional, que a menção à condição de quarta economia da Europa costuma alimentar. Nela pontifica, de novo, a promoção do contorcionismo verbal à maneira do "1984", de Orwell, com a adoção de uma novilíngua em que a tragédia torna-se 'pacto social'; a bancarrota, 'ajuste mercadológico'; a humilhação à soberania nacional, 'solução negociada com os parceiros de bloco'.

Nós, latino-americanos, já vimos algumas vezes esse filme, porém em versões em preto e branco, do final do século passado. Trata-se, com o perdão pela redundância, de uma chanchada de má qualidade, protagonizada por canastrões, com um roteiro que tem sérios problemas de verossimilhança e, pior, não tem final feliz: os vilões vencem.

Espanha x Argentina
Essa autorreferência ao nosso continente nos leva ao terceiro movimento da estratégia discursiva neoliberal acima aludida, desta feita de caráter eurocêntrico e, naturalmente, pró-mercado, facilmente identificável no discurso da mídia brasileira relativo à crise espanhola:

Quando o resgate era de país da periferia, a mídia chamava de falência, quebra. Quando é no centro: resgate, apoio, empréstimo. Ajuda”, resume o professor Emir Sader, em seu Twitter.

Convido os(as) leitores(as) a compararem o tratamento que essa mesma mídia deu ao 'default' argentino – que se recusou a seguir as imposições do sistema financeiro internacional - e o enfoque que ora dispensa à quebra da Espanha – que segue à risca o que manda a Troika. Recomenda-se, ainda, daqui a algum tempo, quando tivermos elementos sobre os desdobramentos da obediência espanhola à banca, que também se leve em conta, nessa comparação, a situação do país ibérico e a da Argentina – que, malgrado todas as ameaças de danação eterna a que fatalmente estava condenada por ousar enfrentar a cartolagem, tem apresentado, sob um governo de centro-esquerda, um desempenho econômico superlativo em meio à crise.

Confusão conceitual

A persistência do neoliberalismo como modelo orientador das políticas econômicas da Zona do Euro - agravadas por sua prescrição como antídoto que só faz agravar sua maior crise, como se vê na Espanha - nos fornece a medida do quanto a constituição de blocos econômicos transnacionais, apregoada como imprescindível à sobrevivência na globalização, acabou por constituir-se em um fator determinante na submissão dos estados nacionais aos ditames do mercado financeiro.

No âmago de tal problema está uma confusão conceitual, intencionalmente inoculada pelos arautos do neoliberalismo quando da ascensão histórica deste, ao longo dos anos 80, sob os eflúvios de Thatcher e Reagan: a concepção de globalização e neoliberalismo como termos indissociáveis e, em larga medida, intercambiáveis, marcados por uma relação pela qual a primeira, por seu caráter estruturante, imporia a adoção de políticas econômicas nos moldes ditados pelo segundo, sob a ameaça de expulsão da então chamada nova ordem mundial” e decorrente aniquilamento do país enquanto ente autônomo.

Essa confusão e essa crença são um lugar-comum na reflexão teórica sobre o período, levada a cabo inclusive por pensadores que continuam na linha de frente da crítica socioeconômica. É notável, no entanto, que tanto intelectuais brasileiros como Octávio Ianni e Milton Santos quanto uma certa tendência do pensamento franco-europeu agrupada em torno do Le Monde Diplomatique tenham desde sempre, em sua maioria, recusado a aferrar-se ao determinismo teórico do período. (http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2006/11/27/milton-santos-a-globalizacao-vista-de-ca-15525.asp)

O retorno da soberania
Este, embora falho, é até certo ponto compreensível, posto que tardiamente desmentido factualmente, pois, a rigor, a constatação de que a morte do Estado nacional era uma balela e que havia possibilidade de sobreviver – com crescimento, inclusão social e um Estado fortalecido, atuante e que conservasse um bom grau de independência a despeito da interdependência da economia global – só tem lugar com a ascensão e o sucesso das administrações de Lula, Chávez, Kirchner, Morales, Corea, entre outros, e, eentualmente, de seus sucessores.

Assim, ainda que devamos ter muito claros a persistência insidiosa do poder neoliberal sobre tais administrações, e os limites e eventuais equívocos e desacertos destas – como a insensibilidade do governo de Dilma Rousseff para com as demandas do funcionalismo público ora fornece um dentre tantos exemplos possíveis -, é preciso atentar com limpidez para as conquistas e as possibilidades propiciadas pelo realinhamento político-ideológico promovido pela democracia brasileira na última década - e lutar para efetivá-las e ampliá-las.

O povo espanhol, por sua vez, já promete voltar a tomar as ruas e a Puerta del Sol, em protesto. Suerte.

Fontes das fotos:http://www.teoriaedebate.org.br/materias/internacional/espanha-do-sonho-ao-pesadelo
http://www.lingoro.info/tag/rajoy/
http://economia.elpais.com/economia/2012/06/09/actualidad/1339256267_154181.html (El País - Un duro golpe psicológico)

Origial do texto em:

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Argentina tem razão

23-04-12 - Só se desenvolve quem se defende - Brizola Neto
no seu blog Tijolaço

"
O professor Luís Carlos Bresser Pereira, de quem o pior que se pode dizer é que acreditou um dia que o PSDB fosse um partido social-democrata, publica hoje (23/04) na Folha um artigo imperdível. Um texto direto, que contesta a postura do “atrair capital estrangeiro a qualquer preço” que, aliás, marcou o período FHC." (Brizola Neto)


A Argentina tem razão


A Argentina se colocou novamente sob a mira do Norte, do “bom senso” que emana de Washington e Nova York, e decidiu retomar o controle do Estado sobre a YPF, a grande empresa petroleira do país que estava sob o controle de uma empresa espanhola. O governo espanhol está indignado, a empresa protesta, ambos juram que tomarão medidas jurídicas para defender seus interesses.


O “Wall Street Journal” afirma que “a decisão vai prejudicar ainda mais a reputação da Argentina junto aos investidores internacionais”.


Mas, pergunto, o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses? E, no caso da indústria petroleira, é razoável que o Estado tenha o controle da principal empresa, ou deve deixar tudo sob o controle de multinacionais?


Em relação à segunda pergunta parece que hoje os países em desenvolvimento têm pouca dúvida. Quase todos trataram de assumir esse controle; na América Latina, todos, exceto a Argentina.


Não faz sentido deixar sob controle de empresa estrangeira um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é o petróleo, especialmente quando essa empresa, em vez de reinvestir seus lucros e aumentar a produção, os remetia para a matriz espanhola.

Além disso, já foi o tempo no qual, quando um país decidia nacionalizar a indústria do petróleo, acontecia o que aconteceu no Irã em 1957. O Reino Unido e a França imediatamente derrubaram o governo democrático que então havia no país e puseram no governo um xá que se pôs imediatamente a serviço das potências imperiais.


Mas o que vai acontecer com a Argentina devido à diminuição dos investimentos das empresas multinacionais? Não é isso um “mal maior”?

É isso o que nos dizem todos os dias essas empresas, seus governos, seus economistas e seus jornalistas. Mas um país como a Argentina, que tem "doença holandesa" [1] moderada (como a brasileira) não precisa, por definição, de capitais estrangeiros, ou seja, não precisa nem deve ter deficit em conta corrente; se tiver deficit é sinal que não neutralizou adequadamente a sobreapreciação crônica da moeda nacional que tem como uma das causas a doença holandesa.

A melhor prova do que estou afirmando é a China, que cresce com enormes superavits em conta corrente.


Mas a Argentina é também um bom exemplo.


Desde que, em 2002, depreciou o câmbio e reestruturou a dívida externa, teve superavits em conta corrente. E, graças a esses superavits, ou seja, a esse câmbio competitivo, cresceu muito mais que o Brasil.

Enquanto, entre 2003 e 2011 o PIB brasileiro cresceu 41%, o PIB argentino cresceu 96%.

Os grandes interessados nos investimentos diretos em países em desenvolvimento são as próprias empresas multinacionais. São elas que capturam os mercados internos desses países sem oferecer em contrapartida seus próprios mercados internos.Para nós, investimentos de empresas multinacionais só interessam quando trazem tecnologia, e a repartem conosco.Não precisamos de seus capitais que, em vez de aumentar em os investimentos totais, apreciam a moeda local e aumentam o consumo. Interessariam se estivessem destinados à exportação, mas, como isso é raro, eles geralmente constituem apenas uma senhoriagem permanente sobre o mercado interno nacional.

Nota do blog Educom:
[1] A "doença holandesa" é um termo cunhado por economistas após a experiência da Holanda com a exportação de gás natural nos anos 60. A receita que entrava acabou gerando uma valorização cambial que prejudicou o setor manufatureiro e o tornou menos competitivo no exterior. Para Bresser-Pereira, a mesma realidade já ocorre no Brasil com a exportação agrícola. (Jamil Chade, em http://www.bresserpereira.org.br/papers/interviews/2011/11.06-Brasil_já_vive_doença_holandesa.pdf )

terça-feira, 24 de abril de 2012

TODOS SOMOS ARGENTINOS

22/04/2012 - Mauro Santayana em seu blog


O Brasil e a Argentina, sendo os dois maiores países da América do Sul, têm sido alvos preferenciais do domínio euro-americano em nosso continente. A Argentina, sob Cristina Kirchner, depois de anos desastrados de ditadura militar e do governo caricato e neoliberal de Menem, se confronta com Madri, ao retomar o controle de suas jazidas de petróleo que estava com a Repsol.

Quando um governo entrega, de forma aviltante, os bens nacionais ao estrangeiro, como também ocorreu no Brasil, procede como quem oferece seu corpo no mercado da prostituição.

Carlos Menem
Assim, as medidas de Cristina buscam reparar a abjeção de Menem.

Será um equívoco discutir o conflito de Buenos Aires com Madri dentro dos estreitos limites das relações econômicas.

A economia de qualquer país é um meio para assegurar sua soberania e dignidade - não um fim em si mesma.


Adolfo Suárez

As elites espanholas, depois da morte de Franco, foram seduzidas pela idéia de que poderiam recuperar sua presença na América Latina, perdida na guerra contra os Estados Unidos e durante a ditadura de quase 40 anos. Já durante o governo de Adolfo Suárez, imaginaram que poderiam, pouco a pouco, readquirir a confiança dos latino-americanos, ofendidos pela intervenção descarada dos Estados Unidos no continente. De certa forma, procediam com inteligência estratégica: a nossa América necessitava de aliados, mesmo frágeis, como era a Península Ibérica, na reconstrução de sua soberania, mutilada pelos governos militares alinhados a Washington.

Mas faltou aos governantes e homens de negócios espanhóis a habilidade diplomática, que se dissimula na modéstia, e lhes sobrou arrogância.

Essa arrogância cresceu quando a Espanha foi admitida na União Européia, e passou a receber fartos recursos dos países ricos do Norte, a fim de acertar o passo continental. A sua estratégia foi a de, com parte dos recursos disponíveis, “comprar” empresas e constituir outras em nossos países. Isso os levou a imaginar que poderiam ditar a nossa política externa, como serviçais que foram, e continuam a ser, dos Estados Unidos. A idéia era a de que, em espanhol, os ditados de Washington seriam mais bem ouvidos.

José Maria Aznar
O paroxismo dessa paranóia ocorreu quando José Maria Aznar telefonou ao presidente Duhalde, da Argentina, determinando-lhe que aceitasse as imposições do FMI, sob a ameaça de represálias. E a insolência maior ocorreu, e sob o governo socialista de Zapatero, quando esse heróico matador de paquidermes indefesos, Juan Carlos, mandou que o presidente Chávez (eleito livremente pelo seu povo, sob a fiscalização de observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter) se calasse, no encontro iberoamericano de Santiago.

Um rei matador de elefantes indefesos e sogro de um acusado de peculato - o bem apessoado serviçal da Telefónica de Espanha, Iñaki Urdangarin, pago com lucros obtidos pela empresa na América Latina, principalmente no Brasil.

Os espanhóis parecem não se dar conta de que as suas antigas colônias se tornaram independentes, umas mais cedo – como é o caso da Argentina – e outras mais tarde, embora muitas passassem ao domínio ianque.
  
Imaginaram que podiam fazer o que faziam antes disso no continente – e incluíram o Brasil na geografia de sua presunção.


O Brasil pode e deve, ser solidário com a Argentina, no caso da recuperação, para seu povo, das jazidas petrolíferas da YPF. E manter a nossa posiçãohistórica de reconhecimento da soberania de Buenos Aires sobre o arquipélago das Malvinas.

Que querem os espanhóis em sua gritaria por solidariedade contra a Argentina, pelo mundo afora? Eles saquearam tudo o que puderam, durante o período colonial, em ouro e prata. Usaram esses recursos imensos – assim como os portugueses fizeram com o nosso ouro – a fim de construir castelos e armar exércitos que só se revelaram eficazes na repressão contra o seu próprio povo – como ocorreu na guerra civil.


Durante o seu período de arrogância subsidiada, trataram com desdém os mal chamados iberoamericanos, humilhando e ofendendo brasileiros e latino-americanos, aviltando-os ao máximo.

Um só ser humano, em sua dignidade, vale mais do que todos os poços de petróleo do mundo.



Antes que Cristina Kirchner determinasse a recompra das ações da YPF em poder da Repsol, patrimônio muito maior dos argentinos e de todos os latino americanos, sua dignidade, havia sido aviltada, de forma abjeta e continuada, pelas autoridades espanholas no aeroporto de Barajas e em seu território.


Que se queixem agora aos patrões, como seu chanceler, Garcia-Margallo fez, ao chorar nos ombros da senhora Clinton, e busquem a solidariedade de uma Europa em frangalhos. Ou que rearmem a sua Invencível Armada em Cádiz, e desembarquem no Rio da Prata.

Isso, se antes, os milhões de jovens desempregados - a melhor parcela de um povo maravilhoso, como é o da Espanha - não resolvam destituir suas elites políticas, corruptas, incompetentes e opressoras, e seu rei tão ocioso quanto descartável.

E, ao final, vale lembrar a viagem histórica que Eva Perón fez à Europa, no auge de sua popularidade. Em Madri, diante da miséria em que se encontrava o povo, ofereceu a Franco, em nome do povo argentino, alguns navios cheios de trigo. O general respondeu que não era necessário, que os celeiros espanhóis estavam cheios de farinha.

E Evita replicou, de pronto:
¿entonces, por qué no hacen pan?