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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O papel da OMC e o que querem os ativistas

Esclarecimento ao leitor: publicamos hoje dois textos de dois momentos distintos, mas ambos alusivos à OMC (Organização Mundial do Comércio - World Trade Organization, da sigla em inglês).

O primeiro se reporta ao dia de maio passado em que Roberto Azevedo, indicado pelo governo federal, foi eleito seu Diretor Geral.

O segundo, ao acordo vitorioso firmado no último dia 07/12 em Bali, Indonésia, entre as nações integrantes da organização, visando destravar as negociações voltadas para a liberalização do comércio mundial, iniciadas em Doha, no Catar, em 2001 e praticamente estagnadas desde então.

As eventuais críticas a esse acordo manifestadas nestes dois textos em nada se alinham com aquelas feitas pela grande mídia conservadora brasileira, objeto do texto que divulgamos ontem (Brasil, uma dupla vitória), cujo propósito ao criticá-lo, visa apenas desqualificar toda e qualquer iniciativa do governo petista, ainda mais aquelas que possam ser vistas como uma vitória, principalmente, como neste caso, quando o evento tem repercussão internacional. (Educom)

13/05/2013 - O papel da OMC - Maria Luisa Mendonça - Brasil de Fato

A escolha do diplomata brasileiro, Roberto Azevedo, para a Direção Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi comemorada por diversos setores políticos e midiáticos no Brasil.

Entretanto, é necessário retomarmos a posição dos movimentos sociais que denunciam os impactos causados por políticas identificadas com a chamada “liberalização” comercial.

Desde a sua criação em 1995, o principal papel da OMC tem sido expandir seu poder de regulamentação de políticas comerciais em cerca de 150 países.

Apesar de difundir a ideologia do livre comércio, a OMC possui uma complexa estrutura de normas utilizadas para estimular a formação de monopólios no acesso a mercados internacionais.

A abrangência dos acordos contidos na OMC vai além de temas relacionados ao comércio internacional, incluindo propriedade intelectual e privatização de setores de “serviços” que incluem direitos básicos como saúde e educação.

A política central da diplomacia brasileira na OMC tem sido estimular o lobby em favor de vantagens comerciais para o agronegócio.

Esta política é contrária à posição dos movimentos sociais rurais que defendem o lema “OMC fora da agricultura”.

Durante mais de uma década, as negociações no âmbito da OMC enfrentaram constantes “fracassos” já que, obviamente, os países centrais não fizeram e dificilmente farão concessões em relação à proteção de sua própria agricultura e indústria.

Mesmo assim, sucessivos governos no Brasil insistem em pedir a eliminação dos subsídios e a “abertura” dos mercados nos países “ricos”, ao mesmo tempo em que mantêm forte apoio estatal para o agronegócio.

Este duplo discurso esconde a inevitabilidade da criação de impasses neste tipo de negociação comercial, que só se resolveriam se os países centrais deixassem de proteger suas economias, o que só os repetidores das reclamações contra os malvados subsídios dos países ricos parecem acreditar.

A possibilidade mais provável é sempre de que os países periféricos se submetam às regras estabelecidas nestes espaços multilaterais.

A política externa brasileira em função do lobby do agronegócio se manteve ao longo dos anos, mesmo com os repetidos e previsíveis “fracassos” das negociações da OMC.

Tanto no período considerado neodesenvolvimentista, quanto naquele chamado de neoliberal, prevalece a defesa de uma política estatal de apoio ao modelo agroexportador, com base no argumento de que seria a forma possível de se garantir “equilíbrio” na balança comercial brasileira.

Como o papel do Diretor-Geral da OMC é principalmente defender as regras estabelecidas e tentar “destravar” as negociações, a escolha de Roberto Azevedo para o cargo pode levar o Brasil a fazer maiores concessões.

De qualquer forma, o avanço destes acordos terá sempre a função de facilitar a ampliação de monopólios privados, seja nos países centrais ou periféricos.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12892

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08/12/2013 - OMC: Ativistas dizem que acordo de Bali favorece grandes corporações
- Da Redação - Carta Maior

Ministros de 159 países fecharam modesto pacote que prevê desburocratização do comércio global e incentivo às trocas agrícolas.

Bali, Indonésia – A Organização Mundial do Comércio (OMC) conseguiu fechar neste sábado (7/12) o seu primeiro acordo global em quase 20 anos, ao obter apoio de ministros de 159 países para um modesto pacote que prevê desburocratização do comércio global, incentivo às trocas agrícolas e foco no desenvolvimento dos países pobres.

Foi uma vitória pessoal do diretor geral da organização, o brasileiro Roberto Azevêdo [foto], no cargo desde setembro de 2013.

Pela primeira vez na história, a OMC verdadeiramente entregou o que promete”, comemorou Azevêdo.

O encontro em Bali foi marcado pela disputa entre Estados Unidos e Índia.

Os norte-americanos queriam que os indianos pusessem limite em seu programa de compra de alimentos, que visa garantir renda e soberania alimentar a milhões de pequenos agricultores do país.

Diante da recusa da Índia, os ministros negociaram deixar a questão para mais tarde, permitindo a assinatura do acordo.

Na OMC, tudo tem de ser feito por consenso e a recusa de apenas uma delegação pode interromper o processo.

Críticas
Para ONG Focus on the South Global, com forte atuação no sudeste asiático, o acordo aprovado na OMC é ruim para trabalhadores e pequenos produtores rurais.

Segundo documento divulgado pela organização e apoiado por diversas entidades indonésias e indianas, “a proposta de facilitação do comércio vai beneficiar principalmente grandes corporações, e os compromissos de longo prazo para os países menos desenvolvidos foram diluídos em promessas vagas”.

A Focus on the South Global apontou ainda a incoerência dos países ricos, que cobram o fim de políticas públicas nos países menos desenvolvidos, ao mesmo tempo em que mantêm bilionários programas de subsídios para seus agricultores.

Os subsídios agrícolas nos países desenvolvidos continuam a devastar a nossa agricultura, e as táticas de pressão estão a minar a unidade dos países em desenvolvimento para que se chegue a acordo com soluções verdadeiramente justas”, afirma o manifesto.

Vigilância
Em sua análise sobre o acordo de Bali, o Trade Game, um observatório mantido pelas organizações italianas Confederazione Generale Italiana del Lavoro (Cgil), Arcs/Arci, Fairwatch e Legambiente, também denunciou a atuação das delegações dos EUA e da União Europeia.

Segundo o Trade Game, “EUA e UE [União Europeia] desempenharam um jogo perigoso em Bali: não assumiram qualquer compromisso vinculativo para um maior equilíbrio no comércio global, e quiseram impor medidas pesadas para os países emergentes”.

A partir de agora, as negociações sobre o acordo em Bali continuarão na sede da OMC, em Genebra.

Os sindicatos e a sociedade civil precisam continuar críticos e vigilantes”, disse manifesto divulgado pelo Trade Game.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/OMC-Ativistas-dizem-que-acordo-de-Bali-favorece-grandes-corporacoes/7/29752

Leia também:
- Brasil, uma dupla vitória - Arnóbio Rocha

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem nos textos originais.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Wikileaks relata operações ilegais do DEA com PF brasileira durante ditadura


Agência Pública (*)
Agência de combate às drogas dos EUA realizou prisões e deportações ilegais, além de torturas, participando da Operação Condor
         No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador norte-americano no Brasil, John Crimmins, escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government Accountability Office) – agência ligada ao Congresso norte-americano, criada em 1921 e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte dos EUA. Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.
         O documento faz parte de um novo projeto do Wikileaks, o PlusD, que agrega 1,7 milhão de textos diplomáticos entre 1973 a 1976, chamados de "Kissinger Cables" – em razão de serem da mesma época em que Henry Kissinger dirigia a política externa norte-americana – e 250 mil de 2003 a 2010, no vazamento mais famoso da organização, o "Cablegate".
         O projeto é uma parceria com 18 veículos internacionais, incluindo as agências de notícias Associated Press e France Presse e os jornais La Repubblica, da Itália, La Jornada, do México, Página 12, da Argentina e a Agência Pública, no Brasil.
         Criada pelo presidente Richard Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares, para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em nove países e representantes nas missões diplomáticas norte-americanas ao redor do mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi “lidar com o problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos”. Sua relação com os outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população norte-americana.
         Por que então Crimmins estava tão preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: “Os oficiais da embaixada pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe do GAO”, escreveu. “Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências (Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal; d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e) operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g) documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de polícia federal”, detalha.
         A resposta de Kissinger não consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.
         Quatro meses antes da chegada dos auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em junho de 1973, por “conspiração para tráfico de drogas”. De acordo com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.
            Seqüestrado, torturado e extraditado
         Em maio de 1974, porém, Toscanino entrou com recurso na Segunda Instância da Corte de Apelação dos Estados Unidos, alegando que sua prisão havia sido ilegal, de acordo com a legislação norte-americana, por ter se baseado em monitoramento eletrônico irregular no Uruguai. Mais do que isso: ele foi sequestrado no Uruguai e torturado no Brasil antes de ser extraditado aos EUA sem comunicação prévia a autoridades italianas.
         Os detalhes estarrecedores dessa história, reproduzidos no documento da corte parecerão estranhamente familiares aos que conhecem as ações da Operação Condor – a articulação da repressão política nesse mesmo período entre ditaduras militares na América Latina. Com exceção, talvez, da preocupação em não deixar marcas de tortura.
         “No dia 6 de janeiro de 1973, Toscanino foi tirado de sua casa em Montevidéu por um telefonema, que partiu dos arredores ou do endereço de Hugo Campos Hermedia [na verdade, Hugo Campos Hermida]. Hermedia era – e ainda é – membro da polícia em Montevidéu. Mas, segundo a alegação de Toscanino, Hermedia estava atuando ultra vires [encoberto] como agente pago do governo norte-americano. A chamada telefônica levou Toscanino e sua mulher, grávida de 7 meses, a uma área próxima de um boliche abandonado em Montevidéu. Quando chegaram lá, Hermedia e seis assistentes sequestraram Toscanino na frente da mulher aterrorizada, deixando-o inconsciente com uma coronhada e o jogando na traseira do carro. Depois, Toscanino – vendado e amarrado – foi levado à fronteira do Brasil por uma rota tortuosa”.
         Segue o documento: “Em um certo momento durante a longa viagem até a fronteira brasileira houve uma discussão entre os captores de Toscanino sobre a necessidade de trocar as placas do carro para evitar sua descoberta pelas autoridades uruguaias. Em outro ponto, o carro estancou subitamente e ordenaram que Toscanino saísse. Ele foi levado para um lugar isolado, onde o mandaram deitar sem se mexer ou atirariam nele. Embora a venda o impedisse de ver, Toscanino conseguia sentir a pressão do revólver em sua cabeça e ouvir os ruídos do que parecia ser um comboio militar uruguaio. Quando o barulho se afastou, Toscanino foi colocado em outro carro e levado à fronteira.
         Houve combinações e, mais uma vez, com a conivência dos Estados Unidos, o carro foi tomado por um grupo de brasileiros que levaram Francisco Toscanino (…) “Sob custódia dos brasileiros, Toscanino foi conduzido a Porto Alegre onde permaneceu incomunicável por 11 horas. Seus pedidos de comunicação com o consulado italiano e com a família foram negados. Também não lhe deram comida nem água. Mais tarde, no mesmo dia, Toscanino foi levado à Brasília, onde por 17 dias foi incessantemente torturado e interrogado.
         Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos e a promotoria de Nova York, responsável pelo processo, tinham ciência – e inclusive recebiam relatórios – do desenrolar da investigação. Além disso, durante o período de tortura e interrogatório um membro do Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estava presente em um ou mais intervalos e, na verdade, chegou a participar de partes do interrogatório. Os captores de Toscanino o privaram de sono e de qualquer forma de alimentação durante dias. A nutrição se dava por via intervenosa apenas para mantê-lo vivo. 
         Assim como relatam nossos soldados que voltaram da Coréia e da China, Toscanino era forçado a andar para baixo e para cima por sete ou oito horas ininterruptas. Quando ele não conseguia mais ficar em pé, era chutado e espancado de forma a não deixar marcas. Se não respondia às perguntas, seus dedos eram esmagados com grampos de metal. Jogavam álcool em seus olhos e nariz, e outros fluidos eram introduzidos em seu ânus. Inacreditavelmente, os agentes do governo norte-americano prenderam eletrodos nos lóbulos de suas orelhas, dedos e genitais e deram choques elétricos o deixando inconsciente por períodos que não consegue precisar mas, novamente, sem deixar marcas.”
         “Finalmente, no dia 25 de janeiro de 1973, Toscanino foi levado ao Rio de Janeiro onde foi drogado por agentes brasileiros e norte-americanos e colocado no vôo 202 da Pan American Airways (…). Acordou nos Estados Unidos no dia 26 de janeiro, quando foi oficialmente preso dentro do avião e levado imediatamente a Thomas Puccio, assistente do procurador-geral dos Estados Unidos. Em nenhum momento durante a captura de Toscanino o governo norte-americano sequer tentou a via legal. Agiu do início ao fim de maneira ilegal, embarcando deliberadamente em um esquema criminoso de violação de leis de três países diferentes”.
            O “Fleury uruguaio”
         Hugo Campos Hermida era uma espécie de Fleury uruguaio. Embora a ditadura naquele país só tenha se instalado em junho de 1973, portanto quando Toscanino já havia sido condenado nos EUA, Hermida era o chefe da chamada Brigada Gamma, um esquadrão da morte uruguaio que matava desde traficantes até tupamaros – os guerrilheiros de esquerda que atuavam antes do golpe final. Hermida também foi treinado nos Estados Unidos – inclusive pela DEA, como mostram outros documentos do projeto PlusD.
         Oficialmente, era chefe da Brigada de Narcóticos da Dirección Nacional de Información e Inteligencia (DNII), organismo criado em colaboração com os Estados Unidos no Uruguai. O jornal La República, do Uruguai, levantou documentos no Arquivo do Terror, no Paraguai, que comprovaram a participação de Hermida no “ninho da Condor”, a Automotores Orletti, em Buenos Aires, um centro de tortura que tinha como fachada uma oficina mecânica.
         Do lado brasileiro, o diretor do Departamento de Polícia Federal – também montada e armada pelos norte-americanos desde os primórdios – era o general Nilo Caneppa Silva, mais conhecido por suas assinaturas na censura de jornais, peças de teatro e filmes – já que essa também era uma atribuição oficial do órgão na ditadura, assim como o combate ao tráfico de drogas nas fronteiras. O general Caneppa foi promovido a coronel assim que a ditadura militar se instalou, e a general-de-brigada em 1971, no governo Médici, mesmo ano em que passou a chefiar o DPF em Brasília.
         A operação de sequestro no Uruguai e tortura no Brasil do traficante Toscanino não aparece nos telegramas diplomáticos até maio de 1974, quando o italiano entrou com recurso na corte de apelações norte-americana. A partir daí, há um troca frenética de telegramas entre as embaixadas do Brasil e de Buenos Aires com o Departamento do Estado porque a Justiça norte-americana havia requisitado toda a documentação envolvendo o caso Toscanino em virtude da apelação – embora boa parte dela tenha continuado escondida, como comprovam os telegramas desse período constantes no PlusD. O general Nilo Caneppa, porém, era considerado peça-chave pelos Estados Unidos, como mostra um telegrama de 25 de abril de 1973.
         “O tempo do general Caneppa como diretor do Departamento de Polícia Federal encerra-se no meio de maio. Para assegurar a conclusão dos ótimos resultados obtidos pela equipe americana de analistas designados para trabalhar com a polícia federal brasileira no desenho do Centro de Inteligência de Narcóticos, pedimos que essa equipe venha ao Brasil antes de maio”, diz o relato assinado pelo antecessor de Crimmins, William Rountree. O mesmo embaixador já havia demonstrado seu apreço por Caneppa que dele “se aproximou pessoalmente para requisitar material audiovisual em português para os cursos de treinamento permanentes do BNDD (antecessor da DEA) em São Paulo”, segundo outro telegrama do PlusD, esse de 8 de maio de 1973, que recomendou: “Tendo em vista a cooperação do DPF em expulsar traficantes internacionais para os Estados Unidos em casos passados, e o mandato constitucional da DPF para dirigir os esforços para suprimir os traficantes de drogas, e as necessidades de treinamento dos brasileiros, a embaixada recomenda que o BNDD envie os filmes e slides para uso do escritório do BNDD em Brasília, que vai distribuir para as agências brasileiras. Esse gesto, além de ser um investimento útil de dinheiro e material, vai ajudar a estreitar ainda mais os laços entre o DPF e o BNDD”.
            O general tático
         No relatório confidencial sobre a temida visita dos auditores do  GAO, porém, enviado pelo embaixador Crimmins ao Departamento de Estado americano em 13 de dezembro de 1973, o entusiasmo dos americanos havia arrefecido com a substituição de Caneppa por um general considerado mais “tático” ( “operations-minded”) – o general Antonio Bandeira, tristemente famoso pelas primeiras operações de repressão na guerrilha do Araguaia tanto pelo lado dos guerrilheiros – que passaram a ser torturados também em Brasília depois que ele assumiu a Polícia Federal – como dos militares, pelo fracasso em vencer os 70 jovens do PC do B nas matas do Pará.
         Ainda assim, os norte-americanos ressaltam sua gratidão por operações realizadas pela DPF chefiada por Caneppa nesse mesmo telegrama, que também relembra a temida visita do GAO dois meses antes. Segundo o telegrama, os auditores haviam feito apenas uma “investigação difusa” sobre as atividades da DEA no país: “Embora GAO não tenha problemas com a premissa do programa anti-drogas de desenvolver a competência brasileira no combate aos narcóticos, a curto prazo eles estão mais interessados em impedir o fluxo de drogas para os Estados Unidos. O coordenador do programa de narcóticos ressaltou, então, o sucesso da cooperação EUA-Brasil na Operação Springboard [nos portos, em conjunto com a Marinha Americana] e na apreensão no Mormac-Altair”.
         Como relatam os jornais da época, o Mormac-Altair era um navio americano onde, em operação conjunta dos americanos e brasileiros, foi capturada uma carga de 60 quilos de heroína em outubro de 1972. Traficantes franceses que moravam no Paraguai e no Brasil foram então extraditados para os Estados Unidos pela Polícia Federal brasileira, sem avisar as autoridades francesas, como aconteceu no caso Toscanino, sempre com o general Caneppa à frente das operações.
         Segue o telegrama de Crimmins a Kissinger: “GAO estava interessado na possibilidade do Brasil assumir a liderança entre as nações latino-americanas no hemisfério Sul. O coordenador explicou que o Brasil se esforçava para melhorar a cooperação e a coordenação entre os órgãos policiais em outras nações latino-americanas. No entanto, as diferenças entre os sistemas hispânicos e lusitano, e a intensa rivalidade com a Argentina tornava difícil essa liderança”.
         “A GAO também levantou a questão – baseada na investigação dos arquivos sobre as trocas de informação entre as agências de Washington durante a Operação Springboard, quando a embaixada relatava preocupações e queixas sobre o antigo chefe da Polícia Federal, General Caneppa [não se sabe a que se referem essas queixas, que teriam sido feitas por Rountree, uma vez que a atuação da PF sob Caneppa foi elogiada no parágrafo anterior e no telegrama enviado por Rountree transcrito acima, mas os militares brasileiros consideravam Caneppa “mole”, enquanto Bandeira era da “linha dura”].
         O coordenador explicou que não há mais problemas similares com o atual chefe, o general Bandeira. Bandeira é mais operations-minded  e parece satisfeito com o nível de troca de informações embora, sem dúvida, um aprimoramento possa ser feito nesse campo. A equipe do GAO fez diversas perguntas sobre extradição e expulsão de traficantes e pareceu satisfeita com nossas explicações de que não há problemas do gênero no Brasil. O coordenador teve a impressão de que essa era a mais alta prioridade da equipe do GAO.
         “A ideia do Centro de Inteligência de Drogas veio à tona também nessa visita, baseada no material que eles já tinham recebido. O conteúdo politicamente sensível desse assunto foi então explicado à equipe do GAO (…).” Quando o telegrama foi enviado, Juan Perón havia reassumido o poder na Argentina depois de um período de 18 anos de exílio, interrompendo a colaboração entre as polícias do Cone Sul. Os americanos – assim como a ditadura brasileira – nunca confiaram em Perón; depois que ele morreu, em 1974, e foi substituído pela mulher, Isabelita, os militares instituíram a “guerra suja” que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo peronistas.
         Ao final do telegrama, Crimmins revela que, embora não conste da documentação do NARA, havia recebido – e cumprido – as instruções de Kissinger depois do telegrama enviado na chegada inesperada da missão da GAO: “Nenhuma cópia de outros documentos além dos definidos por Washington foram disponibilizados para a equipe do GAO”.
            Condor
         Tanto Bandeira quanto Caneppa aparecem nas listas de torturadores da ditadura, feitas a partir de documentos e denúncias de presos políticos, como “coniventes”, pelo fato de terem comandado operações que resultaram em tortura e desaparecimento de presos sem, no entanto, ter sido flagrados com “a mão na massa”, para usar uma expressão suave.
         Suas ligações com as operações do DEA no Cone Sul, como demonstra o telegrama acima, porém, podem implicá-los – e aos Estados Unidos – em crimes internacionais em investigações posteriores, como já aconteceu no caso do general Caneppa, e não apenas nos casos Mormac-Altair e Toscanino.
         No final do ano passado, o repórter Wagner William publicou na revista Brasileiros a reportagem “O primeiro vôo do Condor”, relatando aquela que seria a primeira ação da operação clandestina que uniu as ditaduras militares do Cone Sul: o sequestro do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, opositor da ditadura, em Buenos Aires e sua extradição para um centro de torturas no Rio de Janeiro, descrita no Informe 338, de 19 de dezembro de 1970, pelo adido militar na Embaixada do Brasil: o então coronel Nilo Caneppa.
         O documento, obtido pelo jornal Página 12, é considerado pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, um dos maiores investigadores da Operação Condor, como o primeiro documento da articulação clandestina e a prova de que foi o Brasil que liderou ao menos a sua formação.
         O repórter Wagner William teve acesso aos diários do coronel Jefferson e contou em detalhes como o coronel, seu filho e sobrinho foram interceptados em dezembro de 1970 quando viajavam do Uruguai, onde se exilaram depois do golpe, ao Chile, onde o coronel assumiria o cargo de assessor militar para a Associação Latino-Americana de Livre Comércio a convite do então presidente do Chile, Salvador Allende. Allende se suicidaria depois do golpe liderado pelo general Pinochet e articulado pelos Estados Unidos em 1973.
         Para evitar a perseguição policial – os homens de Hermida o seguiam todo o tempo no exílio, como faziam com todos os brasileiros inimigos da ditadura, como relatou em 2003, depois de ser preso no Rio Grande do Sul por assalto a banco e tráfico de armas, o ex-policial Mario Neira Barreto, codinome Tenente Tamuz, que também pertencia à Brigada Gamma –, Jefferson planejara ir de Montevidéu a Colônia do Sacramento de carro, atravessar o rio da Prata pela balsa até Buenos Aires, de onde seguiria para Mendoza e cruzaria os Alpes para o Chile.
         Avisado pelos uruguaios, porém, o adido militar brasileiro na Argentina – Caneppa – pediu a cooperação da Direção da Coordenação Federal, o órgão de inteligência da Polícia Federal Argentina, para prender os três brasileiros, descrevendo sua aparência em detalhes. Escondido no porto, Caneppa assistiu quando o carro de Jefferson foi interceptado por dois agentes armados que saltaram de um carro preto com chapa do governo argentino anunciando: “É uma operação de rotina. Houve uma denúncia de transporte de drogas”.
         Embora não houvesse nada no carro além de uma arma do coronel Jefferson, que apresentou seus documentos de identificação militar, os três foram levados para a coordenação da Polícia Federal argentina, encapuzados, algemados e presos no porão enquanto o subcomissário anunciava ao adido militar brasileiro o sucesso da operação. Caneppa vai pessoalmente ao prédio, acompanhado de outro militar brasileiro, adido da Aeronáutica na embaixada, onde Jefferson, seu filho e o sobrinho foram interrogados sobre o sequestro do cônsul brasileiro, Aloysio Gomide, pelos tupamaros uruguaios e sobre sua ligação com líderes peronistas argentinos.
         Os três foram torturados – o coronel Jefferson com choques elétricos nos pés, nas pernas e nos genitais e cera de vela quente no ânus. Caneppa e o outro militar brasileiro, na sala ao lado, examinavam o material apreendido no carro de Jefferson – livros, cartas e documentos de identidade – quando um tenente-coronel do Exército argentino se apresentou e pediu desculpas pela ausência do coronel Cáceres, diretor da PF argentina, perguntando em seguida o que deveria fazer com os detidos. Caneppa queria que fossem enviados ao Brasil, e em 26 horas o presidente argentino, fantoche dos militares, assinou um decreto de extradição. De lá foram transportados discretamente por uma aeronave militar para o Centro de Informação e Segurança (CISA) no Rio de Janeiro.
         O coronel Jefferson foi torturado dias a fio e ficou preso por seis anos. Ao sair da cadeia, em 1977, continuou a ser perseguido até 1979 quando foi beneficiado pela lei da anistia. Os militares, porém, em um ato excepcional, anularam sua anistia e ele teve que partir para o exílio, primeiro na Venezuela, depois na França, de onde só retornou em 1985, com o fim da ditadura militar.
         Vítima da primeira ação da famigerada Operação Condor, o coronel Jefferson foi preso sob a acusação de tráfico de drogas pela Polícia Federal argentina sob as ordens do general Caneppa. O mesmo que dirigia a Polícia Federal brasileira quando o traficante Toscanino foi sequestrado por Hermida no Uruguai e entregue para ser torturado em Brasília de onde foi extraditado, em uma operação inteiramente coordenada pela DEA.
         O coronel Caneppa foi promovido a general e assumiu a direção da Polícia Federal meses depois. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador – a maior honraria do Exército, destinada aos “revolucionários” de 1964. O general Bandeira mereceu a mesma honraria. Até hoje a DEA mantém escritórios no Brasil, dentro da embaixada brasileira e dos consulados. Procurada pela Pública para saber sobre suas atividades atuais no país, a DEA encaminhou a reportagem à assessoria de imprensa da embaixada norte-americana, que não respondeu aos pedidos de informação até a publicação dessa reportagem.
Fonte Brasil de Fato  9/04/2013  ( Agência Pública)

sexta-feira, 1 de março de 2013

Uma filosofia para transformar o mundo

25/02/2013 - Jean Salem (*), uma filosofia para transformar o mundo
- Milton Pinheiro (**), de Paris (França) para a revista Brasil de Fato
- Tradução: Ernesto Pichler

Jean Salem é um daqueles intelectuais humanistas, cada vez mais raros, que são homens de cultura integrada”.

O elogio desferido por Miguel Urbano Rodrigues aconteceu em outubro de 2012, ao comentar o lançamento da edição portuguesa do livro "A Felicidade ou a Arte de Ser Feliz Quando os Tempos São Difíceis", do escritor francês.

Lutar pela felicidade, de acordo com Salem, também autor de "Lênin e a Revolução", é um dever em meio à escalada da barbárie capitalista.

Filho do revolucionário e escritor Henri Alleg, o filósofo escreve artigos para diversos jornais franceses e estrangeiros.

Quanto às lutas concretas em que se envolve, elas visam essencialmente, segundo ele, à reconstrução de um movimento autenticamente revolucionário na França e no mundo.

Ao Brasil de Fato, Salem lança luz sobre o que foi a França de Nicolas Sarkozy e o que é a de François Hollande (ao lado com Dilma).

Tece considerações acerca das lutas sociais na Europa que pecam por falta de coordenação política.

Fala da imagem midiática do Brasil na Europa, mas enfatiza a visão segundo a qual ele, de fato, nos compreende.

Brasil de Fato – Você é um filósofo que estuda os materialistas na filosofia grega e romana; marxista ligado às lutas dos trabalhadores em seu país e no mundo, a exemplo de seu apoio ao MST no Brasil, foi sempre vinculado às ideias comunistas. Quem é o intelectual orgânico Jean Salem, sua história e suas lutas?

Jean Salem – Tenho, de fato, dedicado uma dúzia de anos e mais de uma dúzia de livros a estudar de maneira intensa o materialismo antigo: aquele de Demócrito, de Epicuro e de Lucrécio.

No meio dos anos de 1980, enquanto tudo parecia colapsar ao lado dos Partidos Comunistas da Europa, e do “socialismo real”, eu decidi enfrentar os trabalhos acadêmicos sobre esse assunto.

Mais que compor uma milésima tese sobre Marx, eu tentei (como o próprio Marx em sua tese de doutorado) conhecer mais de perto esses autores que ousaram enfrentar os preconceitos religiosos e que já estavam decididos a levantar um canto do véu, ou seja, a propor uma visão racional de tudo o que nos cerca. Uma visão que permanece compatível com a ciência moderna.

Tenho também dedicado leituras a Maupassant, à Renascença italiana, à felicidade e tenho organizado diversos livros de filosofia e de lógica matemática.

Agora, você me pergunta sobre minhas lutas. Elas são muitas: eu me encontro na Coréia, em Portugal, na América Latina,  em congressos ou reuniões animadas pelos progressistas. Tomando o cuidado, sempre, de não cair no que eu chamaria de “jet-altermundismo”: muitos se perdem nele, outros aí se corrompem.

O projeto de Sarkozy, completamente enquadrado na ação imperialista pelo mundo, em especial no norte da África, foi derrotado eleitoralmente. Mas como fica a França com François Hollande?

É evidente que Sarkozy (ao lado com Angela Merkel) encarnou um estilo de chefe de Estado de cultura medíocre, vulgar até, rompendo com a tradição de uma França onde, durante longo tempo, se quis crer que os notáveis deveriam aparecer como mais que simples representantes do meio de negócios.

Sarkozy, que se vangloria de o denominarem “Sarkozy, o americano” [entenda-se, dos EUA], tudo fez para alinhar a política francesa com a da Casa Branca.

Antes mesmo de assumir a presidência da república, em maio de 2007, [ainda que já ocupasse o cargo de Ministro do Interior] frequentava assiduamente a embaixada americana em Paris.

E ele não hesitava em criticar a posição oficial da França – da França que em fevereiro de 2002 vetou, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a tentativa dos EUA aprovar a invasão do Iraque. Teve papel auxiliar nas guerras empreendidas pelo império no norte da África.

Quanto à política interna, Sarkozy tentou limitar o direito de greve, “reformou” as aposentadorias, inflou os sentimentos xenófobos e exacerbou a psicose da delinquência, assim como os temores mais primitivos. Promoveu uma redução das despesas públicas que desmantelou a saúde pública, desorganizou a Universidade, oprimindo-a cada dia mais.

O governo François Hollande, o que mudou? Muito pouco.

Mas a única medida, a única, que parecia fazer pender um pouco à esquerda o seu governo foi a tentativa de taxar em 75% os ganhos suplementares de uma pessoa rica, o que geraria pelo menos 100 milhões de euros de receita.

Mas essa medida foi declarada inconstitucional por um dos bastiões do conservadorismo: o Conselho Constitucional.

Quanto à atitude francesa face à situação na Síria, ela foi mais extrema e unilateral do que Obama!

Eis que a pequena guerra levada pelo senhor Hollande ao Mali vem completar o quadro de comportamento dessa esquerda de direita, essa “esquerda” que parece cada vez mais à direita.

Quais são as lutas que têm pautado os trabalhadores franceses e europeus?

As lutas existem, é claro. Ainda que elas se “beneficiem” de um impressionante silêncio midiático. Elas se dão “com as costas na parede”, como dizemos em francês.

Os trabalhadores da PSA Peugeot Citroën, em Aulnay, na periferia de Paris, fizeram greve para protestar contra o plano de licenciamento que os ameaça. E a direção da fábrica recorreu ao lock out, ou seja, ela fechou provisoriamente as portas!

Mas as lutas seguem, bem e belas, eu repito!

Em maio de 2012 os portugueses pararam massivamente; a Itália conheceu uma greve geral acompanhada de manifestações impressionantes;

os gregos foram às ruas contra os planos da União Europeia e do FMI;

os jovens na Espanha e os “indignados” em geral conseguiram que falassem deles, tanto pela ação surpresa, quanto por surpreender os sindicatos, que estavam muito ocupados em negociar uma redução da idade de aposentadoria a fim de assegurar a “paz social” visando tranquilizar “os mercados”.

A questão não é tanto de ausência e lutas, mas de falta de coordenação, de perspectiva: nós estamos morrendo, literalmente, por falta de organização, por ausência de um partido digno de seu nome!

Como professor da Sorbonne, você tem sido responsável por um ciclo de cursos sobre o marxismo. Quais são as presenças mais importantes de teóricos desse campo de pensamento?

Nós lançamos em 2005 um seminário intitulado “Marx no século XXI”, na Sorbonne. Para afirmar ali a presença do marxismo, que diziam morto há tempos.

A ideia que preside a apresentação desse seminário era um pouco análoga àquela que conduziu Lênin a fundar seu jornal Iskra, um jornal destinado a reunir, a agrupar mil energias até então dispersas na Rússia dos czares.

Para nós, se trata de convidar todos aqueles que trabalharam, ou pensavam trabalhar, “no seu canto”, isoladamente, nas condições atuais de pesquisa na França e no exterior: pois, aqui, particularmente, as pesquisas marxistas foram durante longo tempo marginalizadas, senão censuradas.

Claro que a vinda de Domenico Losurdo, Enrique Dussel, David Harvey, ou a de Georges Labica, André Tosel, Daniel Bensaid, Michel Löwy, Slavoj Zizek, etc., constituíram grandes momentos do seminário!

Você é um intelectual acadêmico vinculado ao pensamento marxista e comunista com uma importante história de vida: é filho do legendário comunista Henri Alleg (foto). O que você nos diz sobre a vida deste revolucionário internacionalista?

Meu pai nos deu a imagem de um homem que triunfou sobre seus torturadores, redigindo um livro, A Questão.

Ele os denunciou e fez saber, a todo mundo, qual era o método ao qual se costumava recorrer na Argélia durante a guerra colonial; e que a história e as lutas dos povos demonstraram que o sistema colonialista, inelutavelmente, deveria colapsar.

Henri Alleg é filho de uma inglesa e de um polonês, judeus, que se encontraram em Londres e vieram para Paris. Mas ele se apaixona pela Argélia, onde se fixa.

Depois de ser militante e membro do Partido Comunista argelino, ele se torna, em 1950, diretor do jornal Argélia Republicana, onde militou em favor da independência.

E é como jornalista comunista que sofreu as perseguições e as torturas durante anos de prisão, e depois [após sua fuga] enfrentou o exílio nos países socialistas.

Meu pai seguiu seu combate internacionalista trabalhando como redator, e depois como secretário geral do jornal L’Humanité. De suas grandes reportagens na China, nos EUA, na União Soviética, em Cuba, ele extraiu numerosos livros. O último é seu livro de memórias, "Memória argelina", publicado em 2005, pela editora Stock.

Como intelectual e militante comunista você deve viajar por várias partes do mundo. O que nos diz sobre as lutas dos trabalhadores? Há algo de novo no front?

Sim, tenho tido a felicidade de ser convidado por universidades em todo o mundo. E tenho participado de muitas reuniões, algumas vezes acadêmicas, porém mais frequentemente políticas. Isso abre horizontes à reflexão.

Na China pude constatar que o problema da poluição nas cidades não se reduz, nem um pouco, a um tema de propaganda inventada pelas redações ocidentais.

Vi também o extraordinário progresso desse país, que o Império cerca de maneira já ameaçadora.

Na Rússia se pode ver os efeitos do capitalismo selvagem imposto a partir do golpe de 1991: lojas abertas 24 horas por dia, sete dias por semana; reino do business e da corrupção generalizada; desigualdades ainda mais gritantes que na França, etc.

Mas eu fiquei impressionado, recentemente, pela seriedade e organização dos camaradas coreanos, que organizaram em setembro último, em Seul, um importante fórum internacional.

Eles estão lidando com um modelo quase acabado de “democracia” completamente formal: uma lei dita de “segurança nacional” (que durante muito tempo era chamada simplesmente de “lei anticomunista”) permite, de fato, que o governo jogue na cadeia qualquer um que diga uma palavra que seja a favor da reunificação com o norte, qualquer um que denuncie o sistema de forma um pouco mais radical.

Pude ver, nesse país longínquo (que a China e o Japão nos fazem quase esquecer), homens e mulheres dos quais a determinação, a coragem e a qualidade humana me lembraram as belas figuras de comunistas que, na minha juventude, eu admirava.

Como analista de profunda convicção internacionalista, qual a sua análise sobre o Brasil e qual a mensagem que você deixaria para aqueles que lutam pela emancipação humana, em nosso País?

Dei aulas, durante algumas semanas, na USP, e dei algumas conferências na Universidade São Judas Tadeu. Foi em 2007. Devorei sua literatura (Machado de Assis me agrada tanto quanto Sterne e certos romancistas franceses que, como Crébillon, por exemplo, eu aprecio particularmente).

Sem querer dar lições e menos ainda ser um intelectual que emite julgamentos sem conhecer grande coisa sobre o que fala, o que eu posso dizer é que a imagem “midiática” do Brasil mudou radicalmente nos últimos 20 anos.

Do Brasil dos trabalhadores superexplorados, que durante muito tempo nosso imaginário ocidental prontamente reduzia ao Nordeste, e a sua miséria apavorante, do Brasil que era descrito, por exemplo, em Cacau, de Jorge Amado, passamos a um Brasil que nossas mídias apresentam como um país em pleno progresso, como um gigante em formação, como um “concorrente” muito sério para as economias cambaleantes da velha Europa, e etc.

Essa evolução foi acompanhada por uma unanimidade alardeando sem qualquer nuance a política do governo Lula.

Quando o Tesouro estadunidense, os grandes bancos de negócios e as agências de classificação dirigem louvações a vocês, é normal que a mídia do sistema trate o Brasil com uma deferência entusiasta.

Já a questão da corrupção foi enfocada de passagem por nossa mídia oficial.

Em compensação, se fala muito pouco, na Europa, das desigualdades abissais que subsistem no Brasil.

(*) Jean Salem é filósofo, militante das lutas anticapitalistas e comunistas, estudioso da filosofia materialista greco-romana, professor da Universidade de Paris I (Sorbonne), onde coordena o seminário “Marx no Século XXI” e é diretor do Centro Para a História do Pensamento Moderno.

(**) Milton Pinheiro é Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e editor da revista Novos Temas.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12085

PS Educom:
"Isso abre horizontes à reflexão", garante o autor. Lido o artigo, que tal darmos uma espiada para o universo desses brasis afora? "A questão", prossegue ele, "não é tanto de ausência e lutas, mas de falta de coordenação, de perspectiva: nós estamos morrendo, literalmente, por falta de organização, por ausência de um partido digno de seu nome!"

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Nota:
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domingo, 20 de janeiro de 2013

Era para serem outros 500

14/01/2013 - Política indigenista: era para serem outros 500
- Cristiano Navarro - da Redação Brasil de Fato


Em uma década o movimento indígena passou da expectativa por mudança à inviabilidade do diálogo.

A história brasileira se repetiu em sua então mais importante efeméride.

Ao relembrar a data dos 500 anos da invasão portuguesa às terras onde mais tarde seriam reconhecidas como Brasil, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso mandou construir réplicas de Caravelas e organizou uma grande festa convidando políticos, religiosos, militares e puxa-sacos para comemorar a trágica colonização europeia.

Em resposta, indígenas de todo Brasil, militantes sem-terra, quilombolas, estudantes, sindicalistas e parlamentares da oposição se dirigiram em marcha para participar do convescote mesmo sem convite.

No caminho da marcha de Santa Cruz de Cabrália até Porto Seguro, onde se realizavam as comemorações, os “penetras” foram interceptados pela Polícia Militar da Bahia com bombas, helicópteros, gás lacrimogêneo, cachorros e balas de borracha.

As imagens da batalha que terminou com militantes feridos e presos evocavam a ideia de que dali em diante seriam outros 500, especialmente para o movimento indígena, que participou mais massivamente.


Assim, a chegada de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República fez crescer o sentimento de mudança.


Mas não foi bem assim.


Apoiados em números que mostram a redução das demarcação de terras, o aumento dos casos de violência praticados pelo Estado contra as comunidades e a redução orçamentária para regularização fundiária dos territórios, o movimento indígena e seus apoiadores observam os dez anos de governo Lula e Dilma Rousseff como sendo de profundo retrocesso.

Retrocedemos muito neste período. Se antes lutávamos pelo cumprimento dos nossos direitos, hoje lutamos para não perder esses direitos reconhecidos na Constituição”, lamenta Sônia Guajajara, coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Em média, os governos dos presidentes Lula e Dilma homologaram menos terras, em número e extensão, do que os antecessores José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Na avaliação dos defensores dos direitos indígenas, a razão para este retrocesso está na opção de modelo desenvolvimentista para o campo e para as florestas adotado pelos governos nesta última década. “Pela origem do governo ligado aos movimentos sociais, o movimento indígena criou muita expectativa, mas ele fez uma aliança com os latifundiários e as mineradoras, deixando os nossos interesses de lado”, lembra Rildo Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Mais grave do que o não reconhecimento dos territórios foi a utilização do decreto 1775/96 como instrumento redutor de terras indígenas. A partir de sua edição, várias terras sofreram redução durante o governo FHC. Embora durante a campanha o presidente Lula houvesse prometido a intenção de revogar o decreto, não apenas o manteve inalterado como também o utilizou para reduzir terras, a exemplo da exclusão de 230 mil hectares da terra indígena Baú, do povo Kayapó, no estado do Pará, em 2004.

No congresso
O fortalecimento político e econômico dos setores ligados ao agronegócio e a exploração de energia e minérios, se traduziu em pressão não só sobre o poder executivo, mas também sobre o legislativo e o judiciário. Assim, não só as terras deixaram de ser reconhecidas pelo Estado como também as leis que asseguram este direito às populações indígenas passaram a ser ameaçadas. As Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 38, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti do PTB de Roraima, e 215 sob responsabilidade do deputado Osmar Serraglio do PMDB do Paraná, colocam o Congresso como um dos responsáveis pelo reconhecimento das terras indígenas.

No caso da PEC 38, além de submeter as demarcações de terras indígenas à aprovação do Senado, a proposta também estipula que as demarcações ou unidades de conservação ambiental não excedam 30% do território dos estados. Ou seja, alguns estados, especialmente os do Norte, teriam de rever as áreas já reconhecidas.

O ataque direto aos povos indígenas se concretiza no avanço destas PEC´s. A bancada ruralista não se contenta com as pressões no Executivo e no Judiciário. Eles próprios querem decidir se uma terra é ou não indígena, se uma terra é ou não quilombola, ou se uma terra é ou não Reserva Ambiental”, avalia Buzatto.

Em meio às pressões pelas mudanças na Constituição, a governabilidade se põe em favor dos ruralistas.“Hoje fica complicado contar com os deputados do PT que tradicionalmente defenderam os direitos indígenas”, crítica Rildo Kaingang.

Surdez
Uma das principais reclamações do movimento indígena durante este período é falta de ouvidos do Executivo. Após muita cobrança por mais diálogo, o governo criou em março de 2006 a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Composta por representantes do governo, representantes do movimento indígena e indigenista, a comissão foi pensada para acompanhar a tramitação de projetos de lei e propor diretrizes para a política indigenista do governo federal. Seis anos após sua criação, inúmeras são as críticas a este canal de interlocução.

Para Sônia Guajajara, a surdez do Palácio do Planalto impossibilita o entendimento entre as partes. “Com o tempo percebemos que estes espaços só serviam para legitimar as políticas do governo. Porque o governo pensava seus projetos em cima de nossos direitos e nossas terras e os tocava sem nos consultar. As coisas sempre vêm prontas do Executivo, como a Portaria 303 e a usina de Belo Monte. Este procedimento veio a interromper qualquer possibilidade de diálogo”, sintetiza.

A portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) citada pela representante da Coiab é a grande dor de cabeça do movimento indígena.

Entre outras determinações que ferem os direitos indígenas, a portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais, sem consulta aos povos; autoriza a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas; relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes em suas terras; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas.

O governo não tem uma agenda de diálogo com o movimento indígena. As discussões que não interessaram ao governo são bloqueadas na CNPI atendendo sempre a interesses de mineradoras e do agronegócio”, ressalta Rildo Kaingang.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11545

Nota:
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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Regulamentação e o golpismo

17/12/2012 - Beto Almeida - Portal Brasil de Fato


No tema regulamentação da comunicação, o PT vai firmando posição no assunto.


No dia 7 de dezembro, o Diretório Nacional do PT emitiu nota oficial em que aponta a existência de ações desestabilizadoras contra o governo Dilma e, também, apoiando a Lei de Medios da Argentina.


Na oportunidade o partido posicionou-se também pela regulamentação da comunicação no Brasil, mencionando diretamente os dispositivos da Constituição Federal sobre comunicação, ainda à espera de regulamentação.


O posicionamento é importante por trazer novidades na forma e conteúdo dos argumentos da direção petista.

Primeiramente, ao afirmar que os governos Lula e agora Dilma têm sido alvo de ações golpistas tais como aquelas patrocinadas pelo poder econômico estrangeiro e nacional, que atingiram os governos populares de Vargas e de Jango – no primeiro caso levando o presidente ao suicídio e, no segundo, à derrubada, implantando-se uma ditadura que durou 21 anos – cujos efeitos ainda hoje prejudicam o povo brasileiro.

Talvez seja a primeira vez que o PT refere-se ao governo Vargas como “governo popular”, tal como escrito na Resolução, quando antes mencionava- se apenas como ditadura varguista.


É de fato uma precisão histórica, já que Vargas, tal como Peron, foram dois momentos importantes para a construção dos direitos laborais, a industrialização, o fortalecimento do Estado, a criação da previdência social, razão pela qual foram alvo de ações golpistas movidas pelo imperialismo, com o apoio das oligarquias nativas. Lá e cá.


No tema regulamentação da comunicação, o PT vai firmando posição no assunto, seja ao defender a lei antimonopólica da Argentina, seja também quando retira da pauta de votação da Câmara Federal o projeto de lei apadrinhado pela ABert que flexibiliza a Voz do Brasil, uma exitosa experiência de regulamentação informativa contra a voracidade do rádio baixaria e comercial. Detalhe: a Voz do Brasil é criação da Era Vargas.


Registre-se que esta resolução do PT é aprovada quando o próprio ministro das Comunicações, petista, reiteradas vezes tem apoiado a posição da Abert contra a Voz do Brasil.

Será muito importante que nestes momentos sombrios, com evidências de que ações golpistas contra um governo popular como o de Dilma tendem a aumentar, que o PT leve a termo o que expressa na Resolução, organizando uma política que viabilize a regulamentação comunicacional que está na Constituição e que, para defender-se legitimamente do golpismo histórico das elites, organize um jornal popular com capacidade de ampla circulação, como instrumento de politização e de defesa dos direitos democráticos e das transformações sociais que arranquem, definitivamente, nosso povo da miséria e da injustiça. 

Artigo originalmente publicado na edição impressa 511, do Brasil de Fato - de 13 a 19 de dezembro de 2012

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/11364

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, não constam do texto original.