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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Morre geógrafo e ambientalista Carlos Walter Porto-Gonçalves



Professor na Pós-graduação em Geografia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e no departamento de Ciências Humanas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Carlos Walter Porto-Gonçalves morreu aos 74 anos na noite de quarta, 6, em Florianópolis. A causa da morte ainda não foi confirmada pela família ou por amigos próximos.

Carlos Walter foi sem dúvida um dos pensadores latino-americanos mais importantes das questões ambientais recentes. Porto-Gonçalves tem um dos melhores trabalhos acadêmicos sobre apropriação da água pelo sistema financeiro internacional. Ninguém condenou de maneira mais abrangente a problemática da privatização da água. Ele tem que continuar vivo dentro de todos nós! Carlos Walter presente!

A obra em resumo

  • Geo-grafias: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentabilidad. México, D.F: Siglo XXI, 2001
  • Geografando nos varadouros do mundo: da territorialidade seringalista (o seringal) à territorialidade seringueira (a Reserva Extrativista). Brasília: Edições Ibama, 2003
  • A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006
  • Geografia da violência no campo brasileiro: o que dizem os dados de 2003. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 75, p. 139-169, 2006
  • Os (des)caminhos do meio ambiente. 1ª edição. São Paulo: Contexto, 1989


Em 2012, o EDUCOM - Aprenda a Ler a Mídia publicou uma série de cinco artigos do professor Porto-Gonçalves intitulada 'Água não se nega a ninguém'. Vale a pena relê-los e os textos (em formato PDF) também podem ser baixados aqui


Com informações da Wikipédia e foto de Giorgia Prates/Senge-RJ

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Quênia descobre um inacessível excesso de água

por Miriam Gathigah, da IPS


kenia Quênia descobre um inacessível excesso de água
O condado de Turkana é a região mais árida do Quênia. Segundo especialistas, a descoberta de 200 mil metros cúbicos de água na região deve beneficiar diretamente a comunidade do lugar, majoritariamente nômade. Foto: GNR8R/CC by 2.0

Nairóbi, Quênia, 19/9/2013 – Zakayo Ekeno passou décadas pastoreando gado nas áridas terras do condado queniano de Turkana, como seu pai fizera antes. Nada nesses solos liquidados pela seca lhes indicava a riqueza que escondiam. “Muitas vezes me perguntei se poderia sair algo bom desta terra de má sorte”, contou Ekeno. Turkana é o mais árido e pobre dos 47 condados do Quênia. Em 2011, quase 9,5 milhões de pessoas dessa comunidade, principalmente nômade, foram afetadas por uma severa falta de chuvas.
Assim, poucos poderiam ter sonhado que debaixo dessa terra rachada e chamuscada pelo Sol havia água suficiente para abastecer durante 70 anos um país de 41,6 milhões de habitantes como este. No dia 11 deste mês, o governo do Quênia e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciaram a descoberta de reservas de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de água doce na bacia do Lotikipi, em Turkana.
“Todos os anos perdemos gado por falta de água e pastagens. Também vivemos com medo de que outros roubem nossos animais para substituir os que perderam. Eu mesmo já fiquei ferido nesses assaltos. A água é a solução para este conflito”, pontuou Ekeno. Até agora a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o Quênia como um país com escassez hídrica crônica, e estatísticas da Unesco mostram que 17 milhões de pessoas não têm água potável. O Quênia consome cerca de três bilhões de metros cúbicos por ano.
Embora a descoberta tenha sido recebida com emoção, especialistas em água e meio ambiente, como a cientista Judith Gicharu, alertaram que o governo queniano tem pouca capacidade e marcos legais para manejar esta sustentabilidade hídrica. “Temos a Lei da Água de 2002 e a Lei de Manejo e Coordenação Ambiental de 1999. Entretanto, elas não fornecem um contexto apropriado para a administração da água subterrânea”, indicou à IPS.
Existem disposições em marcos mais amplos, mas não abordam especificamente o uso da terra e a administração das camadas freáticas, explicou Gicharu. As decisões sobre a água subterrânea “não costumam se basear em normas sólidas. E, mesmo havendo regulamentações, raramente são cumpridas. A implantação de qualquer disposição fica comprometida pela superposição de responsabilidades de diferentes órgãos do governo que se ocupam da água e do meio ambiente”, detallhou.
No Quênia, todos os recursos hídricos pertencem ao Estado, e as entidades governamentais devem aprovar e dar permissões para o uso da água. Contudo, segundo o informe intitulado Quênia: Estudo de Caso Sobre a Governança da Água Subterrânea, publicado em 2011 pelo Banco Mundial, “não existe consciência estratégica sobre a necessidade de proteger estes recursos”.
Ikal Angelei, da organização ambientalista comunitária Amigos do Lago Turkana, alertou que, na falta de um forte contexto legislativo que possa estabelecer “a forma de explorar os recursos, quem se beneficia deles e como, é possível que esta riqueza natural não melhore significativamente a sorte do país”. A ativista acrescentou que, “tão logo foi descoberto o aquífero, e a população de Turkana já está ausente do diálogo sobre a água. O governo já fala em abastecer todo o país com a ‘nova’ água, mas, quanto dela será destinado aos habitantes do lugar?”
Esta é a segunda maior descoberta de recursos naturais em Turkana. Em março de 2012 a empresa de exploração petroleira Tullow Oil anunciou a descoberta de milhões de barris de óleo na bacia do Lokichar. “Não podemos seguir o mesmo caminho que tomou a questão do petróleo. Desde que foi descoberto em Turkana, os investidores só se interessaram em saber quando começará a ser explorado. Dos benefícios para a comunidade não falam”, destacou Angelei.
Para o economista Arthur Kimani, “o governo tem de ajudar a comunidade a entender que, além de beber a água, este recurso também pode gerar dinheiro, por exemplo, se usado para cultivar espécies comerciais”. Uma fonte do Ministério do Meio Ambiente, Água e Recursos Naturais declarou que essas críticas “não poderiam estar mais longe da verdade. De fato, a população de Turkana obterá água nas próximas duas semanas. Também nos comprometemos com o setor privado para concretizar associações que resultem economicamente viáveis para a comunidade”.
Kimani insiste em que o papel do governo é crucial para administrar o fornecimento de água subterrânea. É necessário que haja participação pública para acordar como acontecerá”, ressaltou. “Muitas empresas trabalham com uma camarilha de gente bem conectada para apresentar um sistema opaco de declaração de resultados do que foi explorado e da renda obtida”, afirmou.
“Os esquemas de renda compartilhada deveriam ser adotados de maneira aberta, para que o setor estatal tenha oportunidade de participar e se desestimule os funcionários que buscam benefícios pessoais à custa do público, sobretudo da comunidade que vive perto dos recursos naturais”, enfatizou Kimani. Por sua vez, Samuel Kimeu, diretor-executivo do escritório da Transparência Internacional no Quênia, disse à IPS que é necessário existir clareza em toda a cadeia de extração. Do contrário, “os termos das licenças irão contra o interesse público, que fica privado de seus possíveis ganhos”, ressaltou. 
Fonte: site Envolverde/IPS 
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/quenia-descobre-inacessivel-excesso-agua/

Nota da editora do Blog:  A Resolução da ONU 64/292 de julho de 2010 determina que é  direito humano Água e Saneamento. Durante a Rio+20, as nções ricas e industrializadas, principalmente Inglaterra, EUA e União Européira tentaram derrubar essa Resolução, que ainda não é cumprida.
Leia também:http:http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.html
http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.html

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tem água pra ver, mas não pra beber



por Coletivo Nigéria*, para a Agência Pública


Nos arredores do maior açude do Ceará, moradores de assentamentos, cidadezinhas e vilas sofrem com a seca enquanto a água passa diante dos seus olhos para abastecer o agronegócio, a indústria, e a capital, Fortaleza.

Leva-se uma hora para chegar da nova à velha Jaguaribara em um barco de alumínio com um motor de popa de 25 HP. A extensão do Castanhão, o maior açude cearense, impressiona, mas o nível d’água baixou tanto nos últimos dois anos que a antiga sede do município, inundada há uma década pela própria barragem, emergiu. A seca reduziu à metade a capacidade de 6,7 bilhões de metros cúbicos do Castanhão, que perde 22 mil litros de água por segundo, quase metade deles conduzidos pelo Eixão das Águas, o canal de transposição, à região metropolitana de Fortaleza. O sistema Castanhão-Eixão das Água responde por 37% da capacidade de armazenamento de água do Ceará.

A reaparição da antiga Jaguaribara, que jazia sob a obra de engenharia hidráulica que prometia reduzir drasticamente os efeitos da seca no Vale do Jaguaribe, tem um quê de fantasmagórica no período mais árido que o Ceará enfrenta nos últimos 50 anos. Dos 184 municípios do entorno do rio Jaguaribe, represado pela barragem, 175 estão em situação de emergência. A nova Jaguaribara, a cidade planejada que substituiu a que foi submersa pelo açude, está sendo abastecida por carros-pipa e seus moradores chegam a pagar R$ 8 o quilo do feijão, enquanto os pequenos agricultores às margens do Eixão, o canal que abastece Fortaleza, precisam repartir a água com os animais e vêem suas lavouras perdidas.

A mais de 200 quilômetros dali, porém, o Castanhão, via Eixão das Águas, garante a água na capital cearense e, em breve, vai suprir também a demanda hídrica do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o maior projeto de infraestrutura para o desenvolvimento econômico do Ceará, localizado na região metropolitana da capital. Resta apenas concluir o quinto trecho do Eixão das Águas – que então terá 255 km de extensão – o que está previsto para setembro.

A água do Castanhão vai completar seu trajeto do sudeste do Estado, onde está o açude, ao litoral cearense. O objetivo é final é o complexo industrial conjugado ao porto, que vem registrando crescimentos anuais entre 20% e 30%, composto por uma siderúrgica da Vale, uma refinaria da Petrobrás e duas usinas termelétricas da empresa MPX, do grupo de Eike Batista – que já opera com uma das usinas e vai colocar a outra em funcionamentonos próximos meses. As duas usinas térmicas, planejadas para gerar 1.085 MW, vão consumir até 800 litros de água por segundo. A demanda total de água prevista para o complexo é de 5 mil l/s de “água bruta” – o termo técnico para a água doce não tratada.

Dez anos de promessas não cumpridas

Em um cenário em que 71 dos 143 reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) estão com níveis abaixo de 30%, o Castanhão, inaugurado em 2003, cumpre missão de seguir abastecendo Fortaleza, que concentra mais da metade da população do Estado, e de parte considerável do agronegócio no Estado, como a produção de frutas para exportação no perímetro irrigado da Chapada do Apodi, com altas taxas de crescimento. Mas, como mostra a situação dos moradores de Nova Jaguaribara, ainda não trouxe benefícios à população local, nem mesmo aos que perderam suas casas para a obra.

Dos 22 mil litros por segundo de vazão do Castanhão, 10 mil seguem pelo Eixão das Águas e 12 mil são despejados no leito do Rio Jaguaribe – o maior rio cearense, com cerca de 600 km de extensão, margeado por empreendimentos do agronegócio. Esse volume de água explica por que, ao contrário de Recife, por exemplo, nem a seca prolongada trouxe ameaça de racionamento à capital cearense, destaca o coordenador geral do Complexo do Castanhão, José Ulisses de Sousa, engenheiro do Departamento de Obras Contra as Secas (Dnocs).

Por outro lado, nem todos os 18 assentamentos planejados para receber as famílias desalojadas pela barragem foram concluídos. A maior parte dessas famílias era arrendatária de terras alheias e não recebeu indenização pelas casas perdidas. Na ponta final do Eixão das Águas, a obra atingiu os índios Anacé, que tiveram uma lagoa aterrada, riachos represados e perderam suas terras para grandes indústrias e para a infraestrutura do governo.

Houve esperança no início. Os primeiros assentamentos a serem construídos, como o Curupati Peixes, desenvolveram com sucesso a psicultura em Jaguaribara, e hoje o Castanhão é pontilhado por gaiolas para a criação de peixes em cativeiro, principalmente tilápias. Segundo, o engenheiro Ulisses, “é o maior parque psicultor do País”. Outros assentamentos foram destinados à pecuária leiteira, como o Mandacaru, em que cada família recebeu três hectares de terra para o cultivo do pasto. Mas as “matrizes” – as vacas leiteiras – que deveriam chegar de Minas Gerais, como prometido à época da inundação, uma década depois ainda não chegaram.

“Concordo que é um pouco tarde”, concede Ulisses. “É a questão da burocracia do sistema do governo brasileiro. Nós temos vários órgãos fiscalizadores, temos uma Lei de Licitações engessada, que proíbe a gente de correr. Não tem como. A gente fica engessado. Tem que esperar licitação, Procuradoria dar parecer, ai demora mesmo. Agora que é tarde, é”, reconhece o engenheiro. “Existe um débito do governo com essas comunidades, mas em nenhum momento parou-se de trabalhar em cima de alcançar o objetivo do projeto inicial do Castanhão”, afirma.

Ulisses também reconhece que é um “absurdo” que as comunidades às margens do Castanhão tenham que ser abastecidas através de carros-pipa. Dos 820 caminhões da Operação Carro-pipa no Ceará – coordenada pelo Exército e pela Defesa Civil e responsável por atender a 134 municípios do estado –, dois deles abastecem exclusivamente Jaguaribara, incluindo casas da sede do município.

“Essas coisas pretas são do pipa mesmo”

O dono e motorista de um destes caminhões é Fabiano Souza, de 33 anos, que encontramos despejando 8 mil litros de água na cisterna do agricultor Francisco Ferreira Sobrinho, o seu Zé Vital, a cerca de 300 metros de uma das margens do açude. A água é captada a alguns quilômetros dali, na estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), e não tem muito boa cara dentro da cisterna de seu Zé Vital.

“Essas coisas pretas assim são do pipa mesmo, ferrugem talvez. Não tem problema não porque a gente bota no filtro e bota na geladeira. A gente bebe dela aqui e nunca ninguém adoeceu, não”, confia seu Zé Vital.

No centro comercial de Jaguaribara a revolta com a falta d’água na vizinhança do açude transborda na fala de Dona Jacinta Sousa, 48 anos. Para reforçar a dificuldade por que passa o município ela pega uma maletinha de ferramentas repleta de pequenos blocos de anotações, que registram os muitos débitos não saldados em seu comércio. “Eu tenho raiva quando pego nela!”, diz, fechando a valise e jogando-a mais uma vez para debaixo de seu birô.

Em Jaguaribara, quase todas as mercadorias vêm de fora. Segundo os entrevistados, o peixe, criado nos projetos de psicultura, é a única opção de renda da cidade – além das aposentadorias, das bolsas governamentais e dos empregos na Prefeitura. Praticamente todas as frutas e verduras do comércio vêm de Fortaleza ou da Chapada do Apodi, com preços inflacionados pela seca. Ou seja, além do prejuízo na lavoura, os pequenos agricultores precisam pagar até duas vezes mais para comer.

As chuvas de abril, maio e junho, que amenizaram os impactos da estiagem, não significaram o fim da seca – especialmente porque o segundo semestre é naturalmente o período de estio no semiárido brasileiro. Também não alteraram consideravelmente os níveis dos açudes, apenas dois deles estão com mais de 90% de seus níveis máximos: Curral Velho e Gavião, ambos alimentados pelo Castanhão. O primeiro, localizado no município de Morada Nova, é o marco entre os trechos I e II do Eixão das Águas; o segundo, na região metropolitana de Fortaleza, fica na intersecção entre os trechos IV e V, de onde parte tanto a água da capital quanto a tubulação de 55 km que leva ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP).

No percurso entre um e outro reservatório, porém, populações das margens do canal sofrem com a escassez de água – como os moradores do Assentamento Amazonas e da comunidade Piauí de Dentro, localizados na fronteira entre os municípios de Morada Nova e Russas.


No Assentamento Amazonas, que cobre uma faixa de terra de 3.700 hectares, cortada pelo Eixão, o ano passado e os primeiros três meses deste foram improdutivos, com água suficiente apenas para a sobrevivência. Além do abastecimento do carro-pipa, que enche as cisternas de uma a duas vezes por semana, uma outorga da Cogerh autorizou retirar 15 mil litros de água por dia do canal. Mas, embora o assentamento exista há 15 anos, não há adutora instalada para abastecer as mais de 50 famílias. Eles têm que pagar um trator para transportar a água, por 25 a 30 reais a carrada (mil litros. Conforme o tamanho do rebanho e da família, isso significa desembolsar até R$ 150 por semana, retirados das bolsas governamentais e aposentadorias.

Os assentados Irmão Nem, presidente da associação dos assentados, e Antônio Porfírio, o Tonhão, que ocupava esse cargo quando foram feitas as negociações para que o canal cortasse a terra do assentamento, afirmam que até hoje as promessas da época da construção do Eixão das Águas não foram cumpridas.

“Na época, eles indenizaram essa parte aqui [a faixa de terra por onde hoje passa o canal]. Mas quando foi pra passar o pique, veio uma equipe do governo e prometeu que deixava áreas irrigadas aqui pra nós. No caso, ele prometeu 50 hectares, pelo menos meio hectare de irrigação pra cada um. Sendo 46 de irrigação e 4 hectares de tanque de peixe. Mas infelizmente já se passou o tempo e até hoje ninguém encontrou isso aí”, conta Irmão Nem.

Na Fazenda Melancias tem água

A poucos quilômetros dali, porém, uma adutora abastece a Fazenda Melancias, propriedade da Agropecuária Esperança que pertence a um dos maiores grupos econômicos do Ceará – o Grupo Edson Queiroz, dono de emissoras de televisão e rádio, jornal, universidade, fábricas de eletrodomésticos, distribuidoras de água mineral e gás butano etc. Dois grandes canos captam água do Eixão para irrigar a pastagem, que alimenta o rebanho de ovinos e caprinos. Entre 2003 e 2011, a empresa foi flagrada três vezes pelo Ministério Público do Trabalho pelo uso de trabalho escravo em outras de suas fazendas no Maranhão e no Piauí.

Na lista de outorgas para o Eixão, sete estão em nome da Agropecuária Esperança, totalizando uma vazão de 2.318 litros por segundo. Questionado sobre o assunto, o diretor de Planejamento da Cogerh, João Lúcio, afirmou que a vazão para a fazenda foi reduzida para priorizar o abastecimento da grande Fortaleza na estiagem, e negou a existência de privilégios no acesso à água.

“Se houver disponibilidade, essa água vai atender o pequeno e vai atender o grande. Não desconhecemos a questão política, porque a gente sabe que a sociedade tem suas correlações de forças, mas nós temos nossa visão aqui na Cogerh. Se tiver água, nós vamos atender os pequenos e vamos atender o grande”, insistiu.

De fato, a lista com 240 outorgas ao longo do canal é formada principalmente por pequenos usuários, que consomem volumes entre 0,4 e 10 l/s. Contudo, não é possível precisar quantos destes estão na mesma situação do Assentamento Amazonas, que possui a outorga, mas não a adutora. A instalação da adutora é de responsabilidade de quem solicita a outorga e os trabalhadores rurais não tem como bancar esse custo, o que prejudica toda a atividade econômica nas pequenas propriedades.

Mesmo quando já investimento do Estado para as adutoras, outros problemas podem inviabilizar o abastecimento das comunidades. A Secretária de Recursos Hídricos – órgão ao qual está subordinada a Cogerh – investiu R$ 6,5 milhões em 23 sistemas de abastecimento que atendem a 32 comunidades localizadas a uma distância de até 2 km das margens dos trechos I, II e III do Eixão. Segundo a secretaria, foram construídas infraestrutura de captação, adução, reservação e chafariz para estas comunidades e outros 12 sistemas estão em fase de licitação. No entanto, ressalva feita pela própria assessoria do órgão, seis dos sistemas já instalados estão parados por falta de infraestrutura suficiente de energia elétrica, de responsabilidade da Companhia Energética do Ceará.

Da varanda se vê, mas não chega na casa

Apesar de não ter sido citada pela secretaria, este parece ser o caso da comunidade de Piauí de Dentro – vizinhas ao Assentamento Amazonas –, em que as 60 famílias continuam sem acesso à água do Eixão. A agricultora Maria Glécia, de 31 anos, conta que a adutora instalada pelo programa da SRH com recursos do Fundo de Combate à Pobreza funcionou durante uma hora e meia. Há mais de um ano está parada, assim como estão sem uso a caixa d’água e o chafariz construídos para distribuir a água.

“Agora tá até bom, tá chovendo um pouquinho… Mas foi ruim, viu? 2012 a gente vendo os bichos morrer… E a gente também. Tinha dia que não tinha água. A gente sabia que tinha aqui, mas como tirar?”, pergunta.

Glécia mora com a família a menos de 40 metros do canal. A varanda dá vista para o cânion de 30 metros de profundidade formado depois que o topo de serra foi dinamitado para a passagem da água, por gravidade, do Castanhão ao litoral. Mas, como não é possível manualmente puxar a água através do cânion, ela precisa percorrer 3 km até encontrar um trecho do Eixão ao nível do terreno. O motor que deveria bombear a água queimou logo após ser ligado. Nem o eletricista enviado pelo governo, nem as inúmeras visitas semanais que seu pai, líder comunitário, fez à sede do município de Russas, deram jeito na situação.

Glécia, o marido Josemberg, o irmão Wagner e o cunhado Gertúlio não sabem dizer quantas cabeças de gado perderam pela falta de água ou mesmo por caírem dentro do canal ao escorregarem no desfiladeiro, que não possui qualquer proteção. Outras tantas foram furtadas depois que o trânsito de pessoas aumentou na área com a abertura da estrada que margeia o canal. Por isso, ninguém cria mais gado solto ali.

As obras do Eixão trouxeram outros impactos graves à comunidade. As pedras e sedimentos gerados pela obra, assim como a engenharia utilizada para o desvio do curso da água, acabaram por aterrar parte de uma lagoa e de um açude da comunidade, hoje água salobra. O cânion separou de um lado a vila de casas e do outro os lotes de terras dos moradores, o que transformaria um percurso original de poucos metros num jornada de 3 km cada trecho, não fosse a resistência. Foi preciso a comunidade se mobilizar e passar três dias inteiros deitada sobre dinamites até conseguir a garantia do governo de que seria construída uma ponte no local.

Para a indústria, água subsidiada

A lista de outorgas de uso de água para o CIPP já soma uma demanda de 3.860 l/s, incluindo empreendimentos que ainda serão instalados, como a Companhia Siderúrgica do Ceará. A CSP, um investimento da Vale em parceria com as multinacionais sul-coreanas Dongkuk e Posco, lidera a lista com uma demanda de 1,5 mil l/s, quando entrar em operação em 2017. Mas, no momento, a Cogerh já fornece uma vazão de 55 l/s para a fase de terraplanagem. A demanda da CSP inclui o consumo de água a termelétrica que será construída para fornecer energia à siderúrgica.

As duas usinas termelétricas da MPX possuem duas outorgas no valor total de 800 l/s, volume que deverá ser usado na totalidade quando a segunda unidade entrar em operação, no segundo semestre. Não é tão grande se comparado ao utilizado pela agricultura irrigada, que representa cerca de 60% da demanda do estado, mas está entre os maiores da indústria. Além disso, ao contrário do que ocorre em projetos semelhantes da MPX no Chile e no Maranhão, as térmicas do Pecém não dessalinizam a água do mar, que fica a poucos quilômetros da usina.

No vídeo institucional das térmicas do Pecém, a empresa chega a se gabar da “abundância” de água: “Além do carvão mineral, outra matéria é necessária para a geração de energia: a água. Nessa região, ela é encontrada em abundância devido à proximidade com o reservatório da Cogerh.”

O reservatório ao qual o vídeo se refere é o Açude Sítio Novos, com capacidade para 50 mil m³, ou seja, um açude de pequeno porte. Não por acaso, afora o Eixão das Águas, cinco outras cinco barragens de mesmo tamanho serão construídas para abastecer o pólo industrial – como mostra o documento “Cenário Atual do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (versão preliminar)”, produzido pelo Pacto pelo Pecém, uma articulação de várias instituições em torno do projeto do CIPP, capitaneada pelo Conselho de Altos Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará, fortemente engajada na concretização do CIPP.

Alguns deputados estaduais chegaram a formar uma caravana para percorrer o Estado com o objetivo de pressionar a Petrobrás para iniciar a construção da Refinaria Premium II – que compõe com a siderúrgica da Vale os empreendimentos-âncora do complexo –, e as matérias de interesse do CIPP são tratadas com deferência na assembléia. Em junho de 2011, por exemplo, os deputados estaduais aprovaram um desconto de 50% no preço da água consumida pelas térmicas da MPX, o que foi contestado por parte da opinião pública cearense.

Os subsídios, uma tradição da política econômica do Nordeste desde pelo menos os primórdios da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) na década de 1960, são defendidos até hoje pelo secretário estadual de Recursos Hídricos, César Pinheiro: “Pra você trazer empresas pro Nordeste, você tem que fazer um incentivo. Então pra térmica nós demos um desconto de 50%, mas nós fizemos uma coisa que não é discutida. A térmica fica parada durante um período do ano e nesse período ela paga água. Quer use ou não, nós estamos cobrando dela e é um valor significativo. Então não é 50%, porque quando ela não tá usando, nós estamos cobrando. Isso dá um balanço para que nós não tenhamos prejuízo”, diz Pinheiro.

A lei que instituiu o desconto estabelece que a empresa deve consumir no mínimo 7.200.000 m³ por ano, o que representa aproximadamente 228 l/s. Se o número for confrontado com os 800 l/s previstos na outorga, portanto, em três meses e meio as térmicas atingem a cota mínima determinada. A reportagem da Pública entrou em contato com a assessoria da MPX para uma entrevista sobre as tecnologias de reuso de água e redução da emissão de gases poluentes das duas térmicas do Pecém. Mas foi informada de que a empresa não poderia se pronunciar por estar no “período de silêncio”, uma determinação da Comissão de Valores Mobiliários que tenta impedir que empresas envolvidas no momento em transações influencie o mercado.

Os vizinhos das termelétricas

“É muito distinto você ter uma população que veio ter um contato com o automóvel em 1971, veio ter uma televisão colorida em 90, 94, pra de repente estar no ano 2000 e já ter filhos pilotando retroescavadeiras, trator de esteira, ganhando muito dinheiro”, diz Kleber Nogueira, 31 anos, professor da Escola Indígena Direito de Aprender do Povo Anacé, um dos oito indígenas que conversou com a Pública na escola, localizada na comunidade de Matões, hoje na área do CIPP (Complexo Industrial e Portuário de Pecém).

Ainda é difícil para eles engolir o projeto industrial que os expulsou de suas terras e os jogou na área de influência do complexo. Além da vizinhança com as termelétricas da MPX, os indígenas sofreram ainda mais com a transformação dos municípios litorâneos de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, que até pouco tempo viviam da pesca e da agricultura familiar

“Ninguém perguntou pra nós… É isso que me faz raiva, é isso que me faz ficar chateada, me deixa com vontade de gritar, estraçalhar mesmo… Não tem como a gente falar de impactos, nesse momento, pro choro não vir aqui, porque em menos de um mês a gente perdeu quatro pessoas na comunidade, por conta dessa porcaria dessa Estruturante (via rodoviária) que passou aí e que não é sinalizada. Uma menina morreu num acidente de carro, antes de ontem uma criança de menos de anos também foi atropelada”, desabafa Andrea Coelho, moradora da Comunidade do Bolso, outro povoado Anacé.

Entre os impactos causados pela atividade econômica acelerada está a drenagem de pequenos riachos e nascentes da comunidade para a instalação das indústrias, e o aterramento da Lagoa do Murici – um dos vários mananciais de água da região, com um lençol freático bastante próximo à superfície, como aponta o estudo “O povo indígena Anacé e seu território tradicionalmente ocupado”, encomendado pelo Ministério Público Federal. Produzido pelo professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da UFC, e outros dois analistas periciais em Antropologia, o parecer demostrou que várias comunidades da área decretada como de interesse público foram ignoradas pelo Estudo de Impacto Ambiental do CIPP.

“Quem tá lá fora não sabe o que está acontecendo aqui na ponta do Eixão, não sabe que a água que sai de lá vem trazendo na tubulação essa enxurrada de coisas. Você pensa que mudou só uma forma de vida, uma coisa bem simples, mas não. O impacto é bem maior. Porque esse Eixão das Águas vem pra alimentar a sede de um complexo industrial”, diz Kléber.

Hoje, boa parte dos Anacé está de mudança para a nova área que conseguiram conquistar a leste do Complexo, para onde os ventos não podem levar a fumaça e a fuligem do carvão mineral das térmicas. Mas os índios que assinaram os primeiros acordos de desapropriação tiveram sorte pior: moram hoje debaixo do “sovaco da MPX”, como eles próprios dizem.

* O Coletivo Nigéria é formado pelos jornalistas Bruno Xavier, Pedro Rocha, Roger Pires e Yargo Gurjão e sediado em Fortaleza (CE). Há mais de dois anos trabalha com produções audiovisuais e assessoria de comunicação de movimentos sociais. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.

** Publicado originalmente no site Agência Pública.http://www.apublica.org/2013/07/tem-agua-pra-ver-mas-nao-pra-beber-seca-no-nordeste/

Nota da Editora do Blog: Veja as fotos e vídeo na matéria original.
 Estamos  republicando este excelente trabalho do Coltivo Nigéria, feito com apoio Agência Pública. a fim de  denuciar  o descumprimento da resolução da ONU 64/292 de 28 de julho de 2010, que determina ´como direito Humano  Água e Saneamento. O Brasil é signatário dessa Resolução  e portanto, creio que cabe  à ANA-Agência Nacional de Águas- fiscalizar o cumprimento... 

(Leia também:)http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/o-problema-da-seca-no-nordeste-nao-e.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.html

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sem terra é presa por denunciar privatização da água na Paraíba

O Acesso à Água e ao Saneamento  Básico conforme Resolução 64/292 da ONU de 28 de julho de 2010 é  direito humano. Neste caso,  a direção do Grupo Santana é que deveria ser presa por violar esse direito. O autor da prisão deveria ser punido também. Mas, não podemos deixar  de responsabilizar a omissão dos gestores da  ANA  por não divulgar e fiscalizar o cumprimento desse direito. (Zilda Ferreira da equipe do Blog.) 

9 de abril de 2013 Da Página do MST

Nesta segunda-feira (8), Sem Terra ocuparam o perímetro irrigado das Várzeas de Souza, no município de Sousa, Paraíba, para denunciar a falta de rigor na fiscalização dos lotes irrigados que deveriam ser destinados prioritariamente à Reforma Agrária, além do uso abusivo de agrotóxicos na produção agrícola de milho pelo Grupo Santana, empresa do agronegócio que mais se beneficia da irrigação.

Os trabalhadores e trabalhadoras rurais reivindicam água para os assentamentos Nova Vida I e II, Terra para os 350 acampados e acampadas da região, além do cancelamento da licitação dos lotes 20 e 21 que totalizam quase mil hectares de terras irrigadas.

O Grupo Santana, empresa do agronegócio, também é denunciado pelas famílias, pois segundo os Sem Terra, o grupo é quem mais se beneficia das políticas públicas federais e estaduais de acesso à água no semi-árido Paraibano.

“O Grupo Santana utiliza essa irrigação na produção de milho e sorgo para fabricação de ração animal, sendo que nesse momento de intensa estiagem, essa água deveria ser priorizada para consumo humano, seguido de consumo animal e, por último, o consumo vegetal. E não para gerar lucros nas contas bancárias de empresas do agronegócio”, diz a nota dos Sem Terra.

No dia 8 de março do ano passado, cerca de quinhentas integrantes do MST já haviam realizado uma mobilização na área.

Repressão

Como repressão às denuncias realizadas na tarde desta segunda-feira, a Sem Terra Cícera Soares Timóteo foi presa e acusada de roubo, dano do patrimônio privado e incêndio.

“O grupo Santana, principal privilegiado pelas políticas públicas de distribuição de água, se coloca como vítima e acusa injustamente a Companheira Cícera por meio do Ministério Público Estadual, que entrou com o mandado de prisão”, acusa a nota.

Os Sem Terra exigem a imediata libertação de Cícera Soares e a retirada do mandado de prisão. Prometem seguir com as denúncias, resistindo contra a privatização das águas e da terra, e, lutando pela mudança do modelo de produção no semi-árido com o objetivo de trazer o desenvolvimento humano para a população da Paraíba.

“Não aceitamos mais a indústria da seca e esse modelo de produção que desumaniza, alertando que as mulheres e crianças são os que mais sofrem com o desvio de recursos públicos, que deveriam ser utilizados para a convivência com o semi-árido e que são historicamente empregados em benefício das oligarquias e atualmente também por empresas do agronegócio”, conclui a nota.
         
Leia também: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/o-problema-da-seca-no-nordeste-nao-e.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/privatizacao-da-agua-o-fracasso-melhor.html



domingo, 31 de março de 2013

Água como Direito Humano - salve o 31 de março


Por Zilda Ferreira

O 31 de março não se repetirá como há 49 anos. Muito menos o 1º de abril. Já existem meios bem mais sofisticados para que se promova um golpe de estado seguido de uma ditadura. Basta que se apropriem de nossos recursos vitais: água e ar.

Ora, os países pobres possuem 80% dos ativos ambientais da Terra e apenas a América Latina cerca de 40% de toda a água doce do mundo. Como essencial à vida, o direito a ela e ao saneamento básico foram considerados pela ONU, em 2010, como mais um dos Direitos Humanos, algo que, sem dúvida, já pode ser catalogado como a maior conquista da humanidade no alvorecer desse século XXI. Trata-se de um valor supremo.

A dimensão dessa conquista, que não deixa de ser uma vitória da civilização, iguala o direito à àgua ao direito universal do ser humano de não ser, por exemplo, torturado, física ou psicologicamente. Não é pouca coisa se levarmos em conta que ainda subsistem dois bilhões de humanos que não tem acesso à àgua potável e ao sanemento básico.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20, quando, na ocasião, Reino Unido, Canadá e União Européia tentaram enfraquecer, para logo em seguida derrubar essa resolução. Até aí dá para entender... O que não é compreensível é que na Semana Internacional da Água, a mídia brasileira especializada, como a Folha do Meio Ambiente e uma revista do porte de Carta Capital, não divulgarem uma linha sequer sobre esse direito. Isso é muito grave, porque quando uma publicação especializada abre quatro páginas sobre o tema e não faz qualquer referência a um direito humano intrínseco ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico deixa de cumprir seu papel de informar, esclarecer e conscientizar a população sobre essa prerrogativa inalienável.

Incomoda-me pensar que tais veiculos já possam estar comprometidos com as grandes corporações européias e americanas que estão se apropiando da água doce do mundo. Basta lembrar que hoje, o império da francesa Vivendi Universal é composto de duas divisões: Vivendi Environment e Vivendi Comunications. A de meio ambiente é considerada a número um no mundo em serviços ambientais: água, energia, gerenciamento de resíduos e transportes; a de comunicações é a segunda do mundo em serviços audiovisuais, composta por seis subdivisões - televisão, filmes, publicações, equipamentos de telecomunicações, provedores e demais serviços de Internet. A GVT, que já opera no Brasil, pertence à Vivendi. Entretanto, o carro chefe gerador de recursos ainda são as empresas de água.

Dessas megacorporações fazem parte grandes ONGs, como a CI - Conservação Internacional, que tem como membros bancos de porte transnacional, principalmente europeus, e delas participa, por exemplo, um conjunto de poderosos executivos como o vice-presidente da Coca-Cola Internacional, entre outros, todos, de alguma forma ligados às empresas com interesses em negócios de água, tais como a Nestlé, a Suez, a PepsiCo, a Bechtel. O que têm em comum? Todos, invariavelmente contrários à Resolução da ONU 64/292 que determina que esse bem público, a água seja considerado "um Direito Humano", assim como o ar que respiramos, um bem universal, tal e qual, como no passado, foi para os índios as terras onde habitavam antes do advento do europeu.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Conflitos pela água surgem no horizonte


por Thalif Deen, da IPS
conflitos Conflitos pela água surgem no horizonte
Participantes das atividades da Semana Mundial da Água, em Estocolmo. Foto: Peter Tvärberg, SIWI/CC by 2.0

Estocolmo, Suécia, 31/8/2012 – Diante da provável escassez de água nas próximas décadas, a comunidade de inteligência dos Estados Unidos já previu um cenário futuro cinza: conflitos étnicos, tensões regionais, instabilidade política e inclusive matanças. Nos próximos dez anos, “muitos países importantes para os Estados Unidos seguramente experimentarão problemas relacionados à água, como escassez, má qualidade ou inundações, que alimentarão riscos de instabilidade e de fracassos no funcionamento dos Estados, aumentando as tensões regionais”, alerta a Avaliação Nacional de Inteligência, publicada em março.
Em julho, o presidente do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, Chris Kojm, previu que até 2030 cerca de metade da população mundial (atualmente mais de sete bilhões de pessoas) viverá em áreas com severos problemas de água, elevando a probabilidade de assassinatos em massa. No entanto, o jornal The New York Times citou Timothy Snyder, professor de história na Universidade de Yale, afirmando em um simpósio que “o pânico ecológico levará a matanças nas próximas décadas”.
Por sua vez, o diretor do Centro da Água da Universidade de Columbia, Upmanu Lall, foi mais cauteloso. “Não estou certo de que seja possível prever assassinatos em massa como resultado” da falta de água, disse à IPS. Lall afirmou que não prevê guerras ou conflitos internacionais por recursos hídricos. “Contudo, creio que a competição dentro de alguns dos maiores países, como a Índia, poderia levar a uma luta interna e ao aumento do terrorismo e dos conflitos sectários”, opinou. Porém, “evitar este futuro é possível se trabalharmos nele hoje”, ressaltou.
Este é um dos temas analisados na conferência internacional realizada em Estocolmo por ocasião da Semana Mundial da Água, que termina hoje. Lall considera realista a projeção de que, se tudo continuar igual, quase metade da população mundial viverá em “forte tensão pela água” até 2030. “É um desafio urgente, especialmente se considerarmos a possibilidade de grandes secas, por exemplo, as deste ano nos Estados Unidos e na Índia”, afirmou.
Os impactos serão muito graves e duradouros, alertou Lall. Porém, “se pudermos traduzir esta preocupação em ação, especialmente sobre com melhorar o uso da água na agricultura, de longe o setor consumidor mais ineficiente, então poderemos evitar este desastre”, aponto o especialista. No momento, há conversações nessa direção, mas não existem mandatos nem metas internacionais. Lall acrescentou que “é importante que isto seja assumido nos mais altos níveis para evitar uma considerável angústia na população e nas economias do mundo”.
Gary White, chefe-executivo e cofundador da organização Water.Org, acredita que o acesso aos recursos hídricos poderia ser motivo de conflitos nos próximos anos. “Particularmente em áreas pressionadas pela falta de água e nas quais há grandes concentrações de população pobre”, disse à IPS. “Entretanto, também acredito que a maioria dos governos que virão atuarão e adotarão políticas, regulações e acordos transitórios corretos e necessários para impedir grandes conflitos”, ressaltou.
White alertou que podem ocorrer casos de escassez aguda que teriam como consequência grandes perdas humanas e econômicas, mas acrescentou acreditar que “um conflito declarado seria algo excepcional”. Em geral, as crises regionais da água são geradas de forma relativamente lenta em comparação com a maioria dos desastres naturais, e, portanto, pode-se aprender lições para evitar impactos semelhantes em outros lugares, acrescentou.
“No entanto, essas crises e esses conflitos terão um impacto muito maior nos pobres, porque as populações mais abastadas sempre têm opções de utilizar tecnologia para tratar os recursos hídricos locais (como a dessalinização) ou para transportar água por aquedutos ao longo de grandes distâncias”, pontuou White. “Sempre afirmei que o direito básico deve ser de todos poderem pagar para obter água potável”, disse à IPS, referindo-se à decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de, em 2010, declarar a água e o saneamento um direito humano.
Hoje os pobres pagam mais pela água do que os ricos, seja em dinheiro ou em trabalho investido para adquiri-la. Tampouco os primeiros têm assegurada uma qualidade decente do recurso, lamentou White. “Aqui, quando digo pobres me refiro aos desfavorecidos economicamente em uma sociedade particular, e também às nações que não são tão ricas”, explicou. A menos que sejam estendidos serviços a essas pessoas, elas sofrerão, advertiu. E, para fazer isso, é preciso investimentos para desenvolvê-los e mantê-los.
“De fato, todos deveriam pagar um preço pela água, mas segundo seus meios, assim fortaleceriam seu direito de acesso a uma oferta confiável e de qualidade”, observou Lall, acrescentando que essa deveria ser a grande meta, e não apenas a declaração da água como um direito humano. 
Fonte:Site Envolverde
 
Leia também:

Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado
A Centralidade da Água
Quem são os donos dessas águas? Encontro com Mario Farias
Água não se nega a ninguém - Parte 5/5 - Final
De Olho na Governança Global da Água
A Luta pelo direito à água na Rio+20

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Acesso pleno a água e saneamento ainda distante

por Thalif Deen, da IPS
agua2 Acesso pleno a água e saneamento ainda está no horizonteNações Unidas, 3/8/2012 – Dois anos depois da resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que declarou a água e o saneamento um direito humano, ainda há muito por fazer. “Este direito humano ainda falta ser plenamente implementado”, queixou-se uma coalizão de 15 organizações não governamentais, cujos membros definem a si mesmos como “ativistas pela justiça da água”. “Como membros do movimento global pela justiça da água, estamos muito preocupados por vermos poucos progressos para a plena implementação deste direito”, afirmaram os ativistas, exigindo ações dos governos.
Integram a coalizão, entre outros grupos, Conselho de Canadenses, Projeto Planeta Azul, Food and Water Watch, Aliança Nacional do Movimento do Povo da Índia, Coalizão Popular para o Direito da Água na Indonésia e Water Europe. Em carta enviada aos Estados-membros da ONU por ocasião, em julho, do segundo aniversário da histórica resolução, as 15 organizações disseram que, “enquanto os governos continuarem buscando agressivamente falsas soluções para as crises ambiental e econômica, a situação somente vai se agravando”.
As organizações produziram uma série de informes examinando os principais obstáculos para a implantação do direito humano à água em vários países, incluindo Argentina, Canadá, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Palestina e vários Estados da Europa. Em março, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentaram um informe conjunto indicando que a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso a água potável havia sido alcançada. A meta está incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da ONU, com prazo até 2015.
“Hoje reconhecemos um grande êxito para a população mundial”, declarou na época, orgulhoso, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, destacando que era “uma das primeiras Metas do Milênio a serem alcançadas”. No final de 2010, quase 90% da população mundial (ou 6,1 bilhões de pessoas) usavam sistemas melhorados de água potável, com encanamentos e poços protegidos, um ponto percentual a mais do que a meta dos ODM, segundo o estudo Progress on Drinking Water and Sanitation 2012 (Progressos em Água Potável e Saneamento 2012). Até 2015, cerca de 92% da população global terá acesso a água potável, assegura o informe conjunto.
Mais cauteloso, o diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake, afirmou que ainda não se pode declarar vitória, já que pelo menos 783 milhões de pessoas, 11% da população do planeta, ainda carecem de acesso a água potável e milhares não contam com saneamento. Tom Slaymaker, analista da organização WaterAid, com sede em Londres, disse à IPS que é muito cedo para afirmar que a resolução da Assembleia Geral fracassou em sua implementação. “No entanto, em dois anos não vimos uma mudança sólida nos esforços para reverter a histórica negligência em relação à água, e mais particularmente ao saneamento, na cooperação internacional para o desenvolvimento”, acrescentou.
Slaymaker observou que a segunda Reunião de Alto Nível sobre Saneamento e Água para Todos, realizada em abril, apresentou sinais animadores de uma crescente atenção política para o tema. “Contudo, os compromissos governamentais para fazer com que os países atrasados voltem a tomar o caminho rumo à meta em 2015 devem ser apoiados com os recursos financeiros necessários, para torná-la realidade”, afirmou. Uma grande prova da vontade política serão as novas metas de desenvolvimento a serem definidas a partir de 2015, quando vencerem os ODM, ressaltou.
A resolução da Assembleia Geral foi aprovada em julho de 2010 com 122 votos a favor, 41 abstenções e nenhum voto contra. Estados Unidos se abstiveram, junto com outros países industrializados como Austrália, Áustria, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Israel, Luxemburgo e Suécia. Também vários países em desenvolvimento, na maioria da África, se abstiveram de votar, como Botsuana, Etiópia, Quênia, Lesoto, Zâmbia, Guiana e Trinidad e Tobago.
Em sua carta, a coalizão diz que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em junho no Rio de Janeiro, Brasil, reafirmou o “pleno e inquestionável consenso entre os países-membros da ONU sobre o direito humano a água e saneamento. Portanto, estamos exigindo a plena implantação deste direito humano vital, e que sejam vencidos os grandes obstáculos que sofremos em nossas regiões”.
A Carta cita o estudo Nosso Direito à Água: um Guia Popular para a Implantação do Reconhecimento da ONU à Água e ao Saneamento Como um Direito Humano. O informe foi preparado por Maude Barlow, a presidente do Conselho de Canadenses e ex-assessora sobre água do presidente número 63 da Assembleia Geral da ONU. Este informe, destaca a Carta, apresenta recomendações específicas para cada região, destinadas a garantir a implantação progressiva da resolução. 
Fonte: extraído do site Envolverde 

Leia também:
"A Entrega da Água", do jornalista Laerte Braga, em:
http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-entrega-da-agua_30.html ,
"Quem são os donos dessas águas? Encontro com Mario Farias", do engenheiro Antonio Fernando Araujo, em: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/quem-sao-os-donos-dessas-aguas.html e
"Por uma geopolítica da água: conheça o mapa dos conflitos", do professor da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, em: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/por-uma-geopolitica-da-agua-conheca-o.html

sábado, 14 de julho de 2012

Público elege “Direito à Água” como recomendação para documento final da Rio+20

[Equipe Educom: diante da proximidade do 28 de julho, que a ONU já consagrou como o Dia Internacional da Luta pelo Direito à Água, reeditamos o ocorrido em 20 de junho passado, em um evento da Rio+20.

Por uma razão. Uma coisa é o "direito à água" constar da Declaração Final da Rio+20, reflexo de uma crescente oposição, não apenas às instituições de globalização corporativa (como a Organização Mundial do Comércio - OMC, o Fundo Monetário Internacional - FMI e o Banco Mundial - BM), mas também aos governos que tentam conciliar os interesses de grandes grupos econômicos (lucro antes de tudo) com uma necessidade vital de servir ao bem comum e outra é percebermos o desmesurado interesse que grandes corporações vêm demonstrando pelo movimentos que visam culminar com a privatização dos serviços relacionados com a extração, tratamento e distribuição de água, bem como com o tratamento de esgotos.

Embora queiramos reiterar nossa preocupação com as conhecidas gigantes da água, como as francesas Suez e Vivendi, a norte-americana Bechtel, a alemã RWE, etc. não podemos deixar de alertar que outras celebridades transnacionais, cujos produtos tradicionais pouco ou nada têm a ver com a gestão de recursos hídricos, como Nestlé, Coca-Cola, Nike, Shell, PepsiCo, etc. há alguns anos começaram a dirigir olhares de cobiça cada vez mais intensos, às fontes de água doce do mundo. Não foi à toa que quase todas enviaram seus representantes à Conferência, participando ativamente de plenárias e encontros, nem que fosse para apenas avaliar em que grau se encontra a resistência dos povos à privatização desse bem e a vontade deles em manter sob seus controles tais suprimentos.

As antações da Agência Notisa adiante dizem respeito a esse ambiente, tanto o das lutas comunitárias tornadas mais visíveis nos encontros ocorridos na Cúpula dos Povos quanto os dos esforços velados ou manifestos de aquisição corporativa dos sistemas de água que transpareceu em alguns dos paineis e sessões governamentais verificados no Riocentro. Não o foi o caso do painel "Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável" do qual a jornalista Zilda Ferreira - da equipe deste blog -, participou, e onde a plateia votou pelo direito à água. Para se ter uma ideia do que aconteceu e seus possíveis significados e desdobramentos, de 10 ítens incluídos nos debates, o terceiro era o direito à água. Ao final, ele, sozinho, obteve 52% de aprovação da plateia presente, como direito prioritário associado ao desenvolvimento sustentável em contraposição a todas as demais nove cláusulas que somadas alcançaram 48%. Como a votação foi por demais expressiva, até mesmo um vice-presidente da Coca-Cola e o presidente do Conselho Mundial da Água, ambos notoriamente contrários a esse direito, aparentemente não tiveram coragem de negar o inalienável direito dos povos de gerir suas águas, tanto que, num determinado instante, pareciam até velhos e ardorosos militantes dessa causa.]

20/06/2012 - Cobertura Especial da Rio + 20 pela Agência Notisa
Chefes de Estado recebem recomendações sobre acesso à água e irão decidir se serão incluídas no documento Rio+20.

AGÊNCIA NOTISA – O Painel "Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável" discutiu questões a respeito da água e faz parte dos eventos da Rio+20, o qual propõe três requisitos para serem discutidos pelos chefes de Estado durante o Segmento de Alto Nível da Conferência.

O painel foi divido em três momentos com a apresentação do requisito mais votado pelos internautas, pela platéia presente e pelos próprios debatedores que puderam acrescentar itens e modificar o requisito.

O painel contou com o canadense David Boys, representante dos Prestadores de Serviços em Água, com o brasileiro Benedito Braga, professor da USP e presidente da Associação Internacional de Recursos Hídricos (IWRA), com o norte-americano Jeff Seabright, vice-presidente de Recursos Hídricos e Ambientais da Coca-Cola e com o francês Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial de Água (WWC). A mesa também teve participantes representando África e Ásia com Albert Butare, diretor executivo da África Energy Services Group, de Ruanda, Dyborn Chibonga, diretor executivo da Associação Nacional do Malawi de Pequenos Produtores Rurais (NASFAM), e Muhammed Ynus, fundador do Banco Grameen e Prêmio Nobel da Paz de 2006, de Bangladesh.

Além desses, o painel contou com a opinião feminina de Mirna Cunningham, diretora do Fórum Permanente das Nações Unidas para População Indígenas, da Nicarágua, Shantha Sheela Nair, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Índia, Ania Grobicki, secretária executiva da Global Water Partnership (GWP), da Suécia e Lucia Newman, do jornal Al Jazeera, do Reino Unido, como moderadora do evento.

Todos foram unânimes sobre a importância da água para todos os âmbitos da sociedade e sobre a necessidade de o recurso ser um direto assegurado pelos governos e não uma commodity. A indiana Shantha Sheela Nair afirmou que “várias questões deixam a humanidade abismada como a fome e a guerra, mas o fato de dois bilhões de indivíduos não terem acesso ao saneamento básico não abala as pessoas”. Além disso, ela disse que “a falta de saneamento prejudica mais as mulheres, as quais precisam de água para questões relacionadas com a higiene e a saúde, revelando uma questão de gênero na problemática da escassez d’água”.

O presidente da WWC garantiu que somente um país da Europa tem em sua constituição o direito à água. Ele também informou que 60% das escolas africanas não têm água potável e banheiro. Para o francês, “é preciso garantir a segurança hídrica”. Outro ponto relevante foi apresentado por Mirna Cunningham, a qual descreveu a importância da água para a dimensão cultural, “pois é necessário preservar as culturas, principalmente aquelas que possuem um modo diferente de captação da água como os povos indígenas”. Inclusive, este ponto foi acrescentado na recomendação escolhida pelos participantes do painel.

Assim, as três recomendações que os chefes de Estado receberam foram: “Assegurar o suprimento de água por meio da proteção da biodiversidade, dos ecossistemas e das fontes de água” – a mais votada pelos internautas –, “Direito à água” – escolhida pela platéia presente no painel – e “Reforçar a importância do planejamento e do gerenciamento integrado de água e energia e uso da terra em todas as escalas” – eleita pelos palestrantes. Na última recomendação, os debatedores convidados acrescentaram os itens de duas outras recomendações. Estes itens são: “A adoção de políticas mais ambiciosas para lidar com as necessidades de água e saneamento de uma forma segura” e “A inclusão do elemento cultural como fator crucial na definição de políticas hídricas”.

Os chefes de Estado receberam estas recomendações e irão debater sobre elas, as quais podem ser acrescentadas ou não no documento final do Rio + 20.

[Da Agência Notisa: apenas o destinatário desta notícia pode utilizá-la (texto e/ou ilustração) e com crédito para a Agência Notisa] - Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)

Leia ainda: A diplomacia brasileira está em crise?

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O direito à água, uma miragem política



por Thalif Deen, da IPS
223 O direito à água, uma miragem políticaNações Unidas, 27/7/2011 – Os governos têm uma grande cota de responsabilidade nos poucos avanços a se comemorar dia 28 de julho, data de primeiro aniversário da histórica resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que reconheceu o acesso a água e saneamento como um direito humano básico. Os Estados-membros reagiram com lentidão”, queixou-se Maude Barlow, presidente nacional do The Council of Canadians, uma das maiores organizações não governamentais do Canadá que promove a justiça social e econômica. “Sei que meu próprio governo ainda não a aprovou e diz – incorretamente – que a resolução não é vinculante”, afirmou Barlow as IPS.
No dia 28 de julho do ano passado, a Assembleia Geral da ONU, de 192 membros, adotou a histórica resolução que, dois meses depois, foi aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos, de 47 membros, com sede em Genebra. “O avanço mais significativo foi a adoção de uma segunda resolução por parte do Conselho”, disse Barlow, ex-conselheira da ONU em matéria de água e atual presidente da Food & Water Watch, com sede em Washington. Essa segunda resolução assentou as responsabilidades dos governos para colocar em prática este direito e, também, deixou claro que agora é vinculante, acrescentou.
De todo modo, a medida gerou divisões políticas: 122 países votaram a favor e 41 se abstiveram, mas não houve votos contrários. Entre as abstenções figuraram as dos Estados Unidos e de outros países industrializados, bem como de várias nações em desenvolvimento: Botsuana, Etiópia, Guiana, Quênia, Lesoto, Trinidad e Tobago e Zâmbia.
Fleur Anderson, coordenadora de campanhas internacionais na organização End Water Poverty, com sede em Londres, disse à IPS que apesar da resolução da ONU a crise da água e do saneamento continuou por todo o ano. “E o problema não é a escassez hídrica ou a mudança climática, mas as escolhas feitas pelos governos de não financiar o fornecimento de água e saneamento para cada comunidade”, afirmou.
Segundo Anderson, ainda falta um longo caminho para cumprir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio que propõe reduzir, até 2015, em 50% o número de pessoas sem acesso a saneamento adequado. Se os governos não aumentarem para 1% do produto interno bruto o gasto em saneamento, este direito não significará nada para os pais das quatro mil crianças que morrem por dia vítimas da diarreia, ressaltou a especialista. Esta doença é causada por falta de saneamento e pela má qualidade da água.
A campanha “Sanitation and Water for All” (Saneamento e Água para Todos) tem o potencial de colocar à prova a liderança de governos e da sociedade civil na hora de dar maior financiamento, coordenação e planejamento, mas os Estados-membros têm de apostar neste desafio, afirmou. Se as coisas continuarem a ser feitas como de costume, “o Objetivo do Milênio em matéria de saneamento não será cumprido nos próximos 200 anos”, acrescentou.
John Sauer, da Water for People, disse à IPS que, do ponto de vista dos Estados Unidos, se avançou por este país ter designado um coordenador mundial da água: Christian Holmes. E também deu outro passo importante ao assinar um Memorando de Entendimento com o Banco Mundial sobre o Dia Mundial da Água, acrescentou. Outros países também progrediram. A Libéria, por exemplo, fez um levantamento de todas as suas fontes hídricas em áreas rurais, o que ajudou a alimentar um plano nacional que agora está sendo analisado pela presidente Ellen Johnson Sirleaf.
“Essencialmente, estamos trabalhando para criar um plano interno de ação na maior quantidade possível de países, e a maioria incluirá pressionar seus governos para que elaborem um plano de ação a ser apresentado ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU” e para que este documento detalhe como se fará para cumprir as obrigações de respeitar e proteger o direito à água, afirmou Barlow. A The Council of Canadians prepara uma campanha para que os governos adotem o direito a água e saneamento em suas constituições.

Fonte: Envolverde/IPS
(IPS)