domingo, 20 de outubro de 2013

Libra: o equívoco de cancelar

15/10/2013 - Libra: os números que mostram o equívoco de cancelar
- Fernando Brito - Tijolaço

Recebo um telefonema de um amigo que pede que eu explique porque sou a favor do leilão de Libra.

Fica, porém, surpreso quando lhe digo que não sou a favor do leilão, mas apenas de ganhar o leilão, porque sei, como dois e dois são quatro, que a Petrobras vai ganhar este leilão.

E porque é que sei, alguém me contou?

Infelizmente, não.

É apenas – se é que se pode chamar de “apenas” ler e tentar interpretar todo o noticiário do setor de petróleo – a conclusão lógica do que vem acontecendo.

Quando, há dois anos, a Petrobras começou um grande programa de desmobilização de ativos – leia-se: venda de bens e direitos – e partiu para grandes captações de recursos, era sinal de que a empresa “fazia caixa” para alguma ação de grande vulto, se desfazendo de tudo o que não é estratégico ou produz caixa.

A empresa fez, também, sua mais ousada captação de recursos em um único lance: US$ 11 bilhões, em maio.

A Petrobras vai com a força destes recursos próprios para o leilão.

Poderiam até ser suficientes para o lance, mas seu caixa não faria frente aos talvez 100 bilhões de dólares necessários para os investimentos nos cinco ou seis anos necessários para o campo começar a produzir e gerar receitas.

Portanto, é preciso arranjar este dinheiro.

Como?

Ah, o Governo empresta e depois a Petrobras paga em petróleo”.

Ótimo! E como o Governo arranja dinheiro? Vende títulos ao mercado, pagando os juros que o tal mercado nos exige.

Hoje, 9,5% ao ano brutos ou 3,5% reais, descontada a inflação.

Um “cancelonista” – como chamo os que se opõem ao leilão agora – publicou ontem, como ironiaum fantasioso e-mail interceptado pela espionagem, onde a Petrobras acertaria com os chineses a forma de eles nos financiarem a exploração de Libra.

E o que era para ser uma acusação de Paulo Metri, veja só, acaba se tornando uma proposta de negócios, verdadeiramente da China, para o nosso país.

1. A empresa dos Senhores, representando os seus bancos coligados, financiará a participação adicional de 20% da nossa empresa, que, assim, passa a ter 50% do capital do nosso consórcio. A empresa dos Senhores ficará com os outros 50% do consórcio.

2. Este financiamento será pago com o fornecimento do nosso produto, da parcela que nos cabe, durante o tempo necessário até o abatimento completo, à empresa dos Senhores.

3. As remessas mensais mínimas serão calculadas multiplicando-se o número de dias do mês por 300.000 unidades por dia.

4. Sobre o saldo devedor, incidirão juros à mesma taxa da valorização das Letras do Tesouro Americano.

5. Os abatimentos mensais do saldo devedor da nossa empresa terão o valor fixado em dólar com o preço do produto no mercado internacional no mês em questão.

Traduzindo: empréstimo com carência até a entrada do campo em produção, com saldo convertido em barris de petróleo (o produto), a taxas de juros do Tesouro americano – hoje, de 0,25% ao ano! – e amortizações abatidas com venda garantida de óleo a preço cheio do mercado internacional!.

A Petrobras não consegue dinheiro assim em parte alguma! Aliás, nem ela, nem empresa alguma.

Mas o tal e-mail imaginário com que se tenta atacar o leilão de Libra ainda diz mais:

“Se os Senhores estiverem de acordo com esta lista de compromissos, podemos fechar este acordo e formar o consórcio.

Ainda teremos que submeter nossa proposta ao órgão regulador do Governo responsável por este setor, que só se prende, para aprovação, ao valor da taxa sobre o lucro líquido do consórcio.

Portanto, seria recomendável colocarmos um percentual em torno de 65% para garantir a aprovação. Assim, seremos imbatíveis.”

Queira Deus, que aquilo que é dito para criticar possa acontecer exatamente assim.

Porque 65% de oferta percentual para o Estado Brasileiro dá um resultado bárbaro de receita para o poder público. Veja o que aconteceria na participação estatal com uma oferta assim e o barril a 100 dólares:

Receita bruta por barril (A) US$ 100

Royalties (B=15%*A) US$15

Custos de Extração (C)  US$30

Receita líquida (D=A-B-C) US$ 55

Óleo Governo (E=65%*D) – US$ 35,75

Óleo Consórcio (F=D-E)  US$ 19,25

Imposto Renda (G=25%*F)   US$4,81

CSLL (H=9%*F)   US$ 1,73

Lucro Final do Consórcio (I=F-G-H) US$ 12,71 (18,2%)

Fatia de Governo s/ dividendos (L=B+E+G+H)  US$ 57,29 (81,8%)

Mas isso ainda não é tudo: como o consórcio teria 50% de participação da Petrobras, metade do lucro – US$ 6,35 – pertenceria à nossa empresa.

E, tendo o Governo Federal, apesar de toda a lambança feita por Fernando Henrique no lançamento dos ADRs na Bolsa de Nova York, direito a 48% dos lucros da Petrobras, terá 48% deste valor: mais US$ 3,05.

A participação governamental total, portanto, fica em US$ 60,34 dos US$ 70 que vale o barril, ou 86,2%, claro que descontados os custos para faze-lo vir de 5 ou 6 mil metros abaixo do leito do oceano profundo.

Coloco aí ao lado uma tabela de quanto é a participação governamental em diversos países que praticam o regime de partilha puro ou associado ao regime de concessão.

Ela é parte do trabalho dos professores Sérgio Wul Gobetti e Rodrigo Valente Serradoutores em Economia pela UnB e pela Unicamp, respectivamente.

Foi deles, também, que tirei o guia de cálculo, adaptados para aqueles valores.

Portanto, a se confirmar a “desgraça” prevista por um dos mais respeitáveis adversários do leilão, teremos uma participação governamental mais baixa – e por muito pouco – à aplicada por Hugo Chávez às jazidas venezuelanas.

Eu até acho que não chegaremos a esse ponto mas, confesso, nunca torci tanto para um adversário de ideias estar certo e o que ele prevê como desgraça de realize.

Como eu estava achando que ganhar um pouco menos se justificava para não deixar Libra “dando sopa” para a turma da privatização, fico sabendo, graças a quem não quer o leilão, que corremos o risco de nos sairmos melhor que a encomenda, como dizia a minha avó.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/index.php/libra-os-numeros-que-mostram-o-equivoco-de-cancelar/