sexta-feira, 27 de setembro de 2013

De espionagem e arapongas

24/09/2013 - Mário Augusto Jakobskind - Direto da Redação

A recente espionagem feita pelos serviços de inteligência estadunidense no Brasil e na América Latina, reveladas graças, entre outros, a figuras como Edward Snowden, Julien Assange e Gleen Greenwald, não chegam a se constituir em fato novo propriamente dito.

O que mudou apenas foi a tecnologia utilizada.

Em décadas anteriores, arapongas da CIA e maus brasileiros que ajudavam no serviço faziam o jogo.

Muitos dos apoiadores de então, ou já estão ardendo no inferno ou, impunes, aproveitando a aposentadoria pelos serviços prestados como mercenários.

Um ou outro segue até ocupando espaços midiáticos com a mesma linguagem de ódio da época da Guerra Fria. Tem alguns residindo próximo da área onde se localiza a sede da CIA, em Richmond, na Virgínia.

Na história contemporânea são vários os países que sofreram com  a ação da CIA, entre os quais o Irã, em 1953, com a derrubada do nacionalista Mohammed Mossadegh, que ficou em prisão domiciliar para o resto da vida.

O líder iraniano é lembrado em livros de história e com a revelação dos documentos da época confirmou-se a intervenção da CIA, do serviço secreto inglês e israelense no golpe de estado.

Uma figura importante daquela época, embora não tão conhecida como Mossadegh é a do então Ministro dos Negócios Estrangeiros daquele governo, o jornalista Hossein Fatimi [foto], um dos idealizadores do projeto de nacionalização do petróleo iraniano.

Ele foi fuzilado por ordem do preposto dos EUA, o Xá Rheza Parlevi, que ainda chegou a manter relações amistosas com alguns ditadores brasileiros, como Castelo Branco, Costa e Silva e Médici, que, hoje já se sabe oficialmente com os arquivos revelados, tomaram o poder com a ajuda da CIA.

O Brasil não esteve de fora das artimanhas da CIA, presentes em 1954 com seus arapongas e mercenários que levaram Getúlio Vargas ao suicídio. Hoje se sabe também que depois da negativa de Vargas em mandar tropas brasileiras para lutar na Coreia em ajuda aos EUA, somado à criação da Petrobras, os quinta-colunas destas bandas intensificaram ações de desestabilização do governo eleito pelo povo.

O golpe de abril de 1964, que provocou a ruptura constitucional e lançou o Brasil em uma longa noite escura, só foi possível acontecer com o respaldo logístico e financeiro da CIA.

Quase 50 anos depois, as informações sobre esse período nefasto são maiores do que as de 1954. É possível até que os pesquisadores não se debruçaram tanto para certificar muitas ocorrências até hoje não totalmente esclarecidas. 

Nem tudo, entretanto, ainda foi revelado.

Recentemente, por exemplo, o jornalista Continentino Porto [foto], autor do livro JK segundo a CIA e SNI, teve mais acesso a documentos da CIA que comprovam a participação de um agente secreto a serviço dos EUA acompanhando em um hospital militar o então Ministro da Guerra (na época tinha essa denominação), Jair Dantas Ribeiro, que se afastara do cargo dias antes do golpe de 64 por motivo de saúde.

O araponga da CIA produzia relatórios diários, que provavelmente eram repassados para os golpistas militares e civis  brasileiros. 

Tais fatos, que fazem parte da memória deste país continente, devem ser sempre lembrados, porque se alguém imagina que a CIA e outros serviços de inteligência deixaram o Brasil sossegado, enganam-se redondamente.

Quanto mais o país ganha importância no cenário internacional, o que aconteceu sobretudo nos últimos 10 anos, maior a ação dos serviços secretos estrangeiros por estas bandas. 

Nesse sentido, os brasileiros devem ficar atentos para não caírem em armadilhas sofisticadas gestadas por grupos que historicamente sempre estiveram vinculados aos interesses de potências como Estados Unidos.

Antes do golpe que derrubou o Presidente constitucional João Goulart, a CIA encheu com muitos milhões de dólares as comportas de institutos como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Socais).

O objetivo do IBAD era formar uma bancada que defendesse os interesses norte-americanos e consequentemente divulgar a catilinária anticomunista da época da Guerra Fria.

O IPES, capitaneado pelo então coronel Golbery do Couto e Silva, procurava também fazer cabeças preparando-as para o apoio incondicional ao golpe de 64.

Tais fatos não chegam a ser uma grande novidade, porque depois de tantos anos decorridos, o que muitos já sabiam, através de indícios ou pesquisas de campo, os arquivos públicos informativos a respeito deixam claros.

Nos dias de hoje, o grande mérito dos personagens mencionados no início desta reflexão é que eles revelaram (e devem continuar revelando mais fatos) antecipadamente muitas informações que se tornariam públicas, se é que se tornariam, daqui a 30, 40 ou 50 anos.

Por estas e muitas outras pode ser explicado o ódio do establishment estadunidense a figuras como Snowden, Assange, Manning e Swartz,. que na sexta-feira (20/9) foram homenageados com o Prêmio Internacional de Direitos Humanos instituído pela Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

(*) Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato.
É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE

Fonte:
http://www.diretodaredacao.com/noticia/de-espionagem-e-arapongas