terça-feira, 16 de julho de 2013

Sem médico não pode haver saúde


Por Fernando Brito, no Blog Tijolaço, em 15/07/2013

Tem gente que acha que, ao defender a contratação de médicos estrangeiros para atuar em localidades remotas, onde não aparecem médicos brasileiros interessados, a gente está contra os médicos brasileiros.

Alguns, nos comentários, acham que há uma carga de preconceito contra eles, o que é inteiramente falso.

Tenho tentado sustentar essa discussão à base de fatos e números, mas ela foi personalizada

Por isso, quero contar a vocês que tenho dois grandes amigos médicos, a quem admiro profundamente e a quem devo os ótimos cuidados que meus filhos mais velhos tiveram.

Ambos têm mais de trinta anos de profissão. Ambos, professores universitários.

Deles, vi e ouvi coisas admiráveis.

Inclusive e sobretudo vários “não sei, vou investigar isso melhor”.

Nunca tiveram consultório, até para poderem dizer isso, o que não é “recomendável” dizer a um paciente que paga e quer levar um diagnóstico e uma receita como produto, o que nem sempre é possível, prudente e acertado ali, naqueles 20 minutos de uma consulta.

Um deles, o mais “durão”, certa vez vi chorar. Um paciente, humilde operário de uma empreiteira brasileira que fora trabalhar na África, acabara de morrer. Embora o exame feito tivesse dado negativo para malária, ele insistira com um colega que tratasse o homem para malária, o que não foi feito. Havia um hospital, havia estrutura para exames laboratoriais mas o pobre cidadão, como se diz na linguagem médica, “evoluiu para o óbito”.

Do outro, que trabalhava em um hospital para portadores de HIV/Aids, disse-me uma vez: Fernando, muitas vezes só o que temos a fazer é dar a estas pessoas o direito de morrer em uma cama limpa e recebendo atenção. Naquele hospital, precário, havia uma médica, cujo marido, professor de meus filhos, teve meningite. Embora o hospital fosse referência para esta doença, ele foi transferido para um hospital de altíssimo padrão, na Zona Sul carioca. O homem morreu.

Quando meu filho mais novo ardia em febre há uma semana, para meu desespero, um destes meus amigos, resolveu em 15 minutos o que fazia, durante uma semana,  uma das melhores clínicas pediátricas do Rio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, bater cabeça com a falta de diagnóstico, apesar dos múltiplos exames  laboratoriais realizados.

Ele olhou, olhou, me disse “peraí”, subiu pachorrentamente a escada de sua casa e  trouxe um livro já meio desbeiçado para  me mostrar:

- Acho que seu filho está com uma doença que é meio “fora de moda”, a roséola.

- Rubéola?

- Não, roséola, que o pessoal chamava antigamente de “sexta doença” e a gente chama hoje de exantema súbito. Liga pra mim amanhã e me diz se ele não amanheceu com as costas cheias de pintas.

Batata, como os velhos feito eu dizem.

Eu próprio, por razões pessoais e também familiares, nos últimos anos, percorro dezenas de consultórios médicos, a grande maioria particulares. Entrei e saí de tubos das mais variadas espécies.

Nada, porém, me foi tão importante quanto o atendimento que tive em consultórios onde pouco havia senão um estetoscópio, um aparelho de pressão e uma balança.

Minto, havia mais: havia um médico.

Claro que é preciso que haja unidades de saúde, aparelhos, equipamentos, hospitais, laboratórios. Claro que deve haver para o povão tudo o que está à disposição de quem pode pagar um bom plano de saúde. Claro que isso não é a realidade de grande parte de nossas unidades  de atendimento.

Mas nada disso adianta se não houver um médico, e é isso o que não existe em quase 800 municípios brasileiros.

Um médico, um simples e providencial médico, que possa olhar para um cidadão brasileiro, para uma criança que arde em febre, avaliar, medicar e se mais for preciso, encaminhar para onde haja mais recursos.

Que esses brasileiros, iguais a mim e a você, tenham direito a procurar um médico, nas situações mais graves ou quando passam mal, simplesmente.

Por quanto tempo o mais urgente, tranquilizador e, às vezes, salvador foi um médico, com uma “estrutura de atendimento” que cabia numa valise preta?

Não estamos todos de acordo que o mais importante para a saúde é que haja atenção primária e ninguém pode pensar que ela pode existir sem médico, embora exista sem hospitais.

Não vimos manifestações vigorosas quando um médica de um serviço público de saúde emergencial – o SAMU –  ”batia” o ponto por outros cinco médicos usando “dedinhos de silicone”. Claro que ela não representa a categoria valorosa dos profissionais de saúde. Mas o mesmo Conselho Regional de Medicina, três meses depois, sequer suspendeu aqueles profissionais que faltaram à ética e à população carente. Seus registros, basta consultar o site do Cremesp, estão lá, ativinhos da silva xavier.

Quem não valoriza os médicos não somos aqueles que queremos e exigimos – tanto quanto exigimos hospitais “padrão Fifa” – de que se dê um jeito, urgente, que haja médico para todos os brasileiros.

Porque achamos que médico é tão importante, é tão bom, é tão vital, que todo mundo tem direito a um, seja nos Jardins paulistanos, seja num vilarejo do Pará.

Por: Fernando Brito


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