domingo, 4 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 5/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html


 NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

Antonio Fernando Araujo

Piratas foram intrépidos, aventureiros, alguns sedutores, outros até românticos. Ainda assim, teme-se que ocorra aqui algo semelhante ao que sucedeu no passado com aquelas cidades da Carolina do Norte e Caribe e o que vem sucedendo no presente na costa da Somália. Lá, embarcações - como os velhos corsários, contam, ainda que de forma velada, com algum tipo de proteção de um Estado, de uma corporação ou de uma nação - de frotas pesqueiras vindas da Europa ocidental (principalmente da Espanha e França) e Ásia, quase sempre sob "bandeiras de conveniência" compradas pela internet em alguns minutos e por menos de 500 euros, há anos, fazem do mar territorial daquele país miserável um celeiro gratuito de onde surrupiam toneladas de atum e outros peixes sem pagar um centavo e, pior, retirando da população a maior e talvez única fonte de proteínas de que dispõe. Ao se rebelarem - depois de inúmeras e inócuas queixas formuladas à ONU -, atacando esses modernos saqueadores, são os pescadores somalis os que receberam, da mídia internacional, a alcunha de piratas para, em seguida, serem vítimas da chamada "Operação Atalanta", organizada e financiada por Espanha e França que deslocaram seus vasos de guerra para a região para dar apoio aos seus próprios piratas enquanto reprimia os "piratas" somalis.

Que fique viva a lição da Somália. Ainda estamos longe de realizar aqui a travessia entre o discurso e a adoção de práticas que nos permitam evitar o surrupio da nossa fauna, da flora, das águas e dos minérios. Faríamos isso se - armado com garras nucleares - nosso combate à biopirataria propusesse a necessidade de investimentos maciços no esforço de transformar a imensa biodiversidade dessa região na geração de renda e emprego e não apenas apoiar o procedimento tradicional de coleta extrativa ou, quando nada disso der certo, acionar a Marinha, o IBAMA e a Polícia Florestal, já que não dispomos ainda daqueles armamentos que poderiam nos emprestar mais dignidade. A adoção de práticas que impliquem em uma contínua atividade de pesquisa e identificação de recursos genéticos e seus componentes, de consumar a domesticação das espécies mais valiosas e através de plantios racionais prover a extração dos princípios ativos seguido do respectivo patenteamento se for o caso, implicaria na criação de um parque produtivo local que, entre outros benefícios, contribuiria não apenas para evitar que nossos produtos oriundos da biodiversidade amazônica sejam patenteados como já o foram nos Estados Unidos, Japão e União Européia e que marcas com os nomes de frutas amazônicas, como cupuaçu e açaí, sejam registradas e, acima de tudo, para desestimular que outros países efetuem plantios semelhantes.

Torna-se mais visível quando sabemos que as chamadas reservas extrativistas - ainda que louváveis quando se pensa em apenas ganhar tempo enquanto não surgem alternativas econômicas mais rentáveis - apresentam apenas raras possibilidades futuras de servir como modelo para o desenvolvimento local da população, limitadas que são no objetivo de atender ao crescimento do mercado e quando se tem a plena convicção de que elas não são inesgotáveis. E quando se pensa em mercado, nosso olhar não se detém apenas "nos chás, infusões e garrafadas que se apóiam somente na disponibilidade dos recursos naturais, ainda que sejam eles que integram a lida diária das vendedoras da formidável feira do Ver-o-Peso, em Belém do Pará e em outros locais parecidos, atraente, sem dúvida, porém, mais como um saboroso apelo folclórico e turístico do que como uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance". O alcance que se pretende aqui visa também "sua inserção com a economia nacional, procurando equilibrá-la com as regiões mais desenvolvidas do país. A aparente prioridade que tem sido estabelecida na Amazônia não acompanha a magnitude do desafio e da propaganda que fazem dela, tanto do governo, das empresas privadas quanto dos organismos internacionais", como escreveu Homma. "A fronteira científica e tecnológica na Amazônia, prosseguiu, a despeito dos grandes avanços, ainda não provocou o impacto e as transformações que a sociedade aguarda." Como um corolário desse pensamento conclui Monteiro: "Trata-se de uma possibilidade. Todavia, distante de ser uma realidade, uma vez que isto implica confronto com interesses econômicos, visões de mundo, com o tradicionalismo de diversas ordens e instituições etc., o que requer firmeza e clareza estratégica dos dirigentes políticos, a edificação de uma institucionalidade pública na Amazônia que seja permeável à pluralidade de forças que expressam a sua diversidade social e cultural, e, sobretudo, a ampla mobilização dos diversos segmentos sociais comprometidos com um novo tipo de desenvolvimento regional."

A pirataria é tão antiga quanto a navegação e no que tem de deletéria e no interesse deste texto, ela já é visível no lado amazônico do litoral do Amapá e em dezenas de outros sítios desta região. Como se denuncia agora, ela também se exibe nos barris de resíduos tóxicos, radioativos e hospitalares despejados nos litorais desguarnecidos de alguns países africanos, além dos da própria Somália, também nos da Costa do Marfim, Nigéria, Congo e Benim, transformados em vertedouros tóxicos pelos países industrializados. Portanto, não se trata mais de uma profecia ainda que calcada numa espécie de "roteiro" futurível bastante persuasivo, mas de uma constatação dolorosa que também pode nos atingir no futuro. Só em 2011 chegaram à costa da África 600 mil toneladas desses resíduos. E aos portos brasileiros do Rio Grande e do Suape alguns "containers" mais do que suspeitos foram flagrados ao desembarcarem em 2010 e 2011 acomodando todo tipo de lixo e resíduos hospitalares norte-americanos, surpreendendo-nos com uma excêntrica "mercadoria" que até então nunca houvera sido listada entre nossos itens de importação. Quem são os que se encontram nos extremos e no meio dessa aparente cadeia de trapaceiros?


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM