quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A ONU é responsável pela fome

Leia também a entrevista  de Catarina Albuquerque, jurista portuguesa que presidiu a elaboração do novo  Tratado de Direitos Humanos -aprovado em junho pelo Conselho de Direitos  Humanos, em Genebra e deverá ser ratificado, em outubro, junto à Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Esse tratado  permitirá aos cidadãos de todo o mundo apresetarem queixas à ONU em caso de alegadas violções de direitos fundamentais como; direito ao trabalho, à alimentação, à água entre outros. As nações ricas e industrializadas  oferecem resistência a esse novo tratado. (Zilda Ferreira)


por Gustavo Capdevila, da IPS
02 A ONU é responsável pela fomeRose Ogola/PMA
Bebês africanos com desnutrição severa.
Genebra, Suíça, 10/8/2011 – A área especializada de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) deve assumir a responsabilidade do fórum mundial pela fome que se estende pela África oriental e reclamar cooperação dos países-membros para solucionar essa grave crise alimentar, afirmaram especialistas. Um dos 18 especialistas independentes do comitê assessor do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o acadêmico chileno José Antonio Bengoa, lançou a ideia de convocar uma sessão extraordinária e urgente desse órgão para tentar comover a comunidade internacional sobre a seriedade da crise no Chifre da África.O comitê assessor discutirá essa proposta no período de sessões iniciado no dia 8 e que terminará no dia 12. Bengoa descreveu para a IPS as condições sofridas por cinco países da região, Eritreia, Etiópia, Quênia, Somália e Djibuti, e que demandam uma ação imediata do Conselho, máximo organismo da ONU que cuida dos direitos humanos. No momento, o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a agência da ONU encarregada do socorro às populações famintas, “está totalmente quebrado”, disse o especialista. Abandonado por países contribuintes inadimplentes, a situação do PMA é “escandalosa e dispõe de alimentos para apenas escassos dias”, ressaltou Bengoa.
O suíço Jean Ziegler, outro especialista do comitê assessor, que entre 2000 e 2008 foi relator especial para o Direito à Alimentação, estima que a proposta de uma declaração do Conselho sobre a fome “é inútil, porque a ONU e as organizações não governamentais são impotentes diante desta catástrofe espantosa”. O PMA perdeu metade ingressos nos dois últimos anos, ratificou Ziegler à IPS.
De US$ 6 bilhões que recebia em 2008, dispõe agora de apenas US$ 2,8 bilhões. E isto simplesmente porque os grandes países doadores ocidentais pagam aos seus bancos centenas e milhares de milhões de dólares ou euros e, ao mesmo tempo, reduzem radicalmente o valor da ajuda ao desenvolvimento e, sobretudo, o de ajudas urgentes, afirmou. Em consequência, disse Ziegler, o PMA deve nega assistência aos refugiados que chegam aos seus acampamentos. Esta agência carece do dinheiro suficiente para socorrer a quantidade de gente que precisa de ajuda. É provável que, desde abril, a soma seja de dezenas e dezenas de milhares de pessoas que morreram, afirmou o especialista.
Segundo o PMA, há 11 milhões de pessoas necessitando de alimentos urgentemente. Diante deste quadro, uma declaração do Conselho da ONU pode permitir uma nova capacitação. Pelo menos obrigará os Estados, comprometidos a defender em direito à alimentação, a pagarem suas cotas ao PMA, acrescentou Ziegler. Bengoa, que se define como “um pragmático”, concorda que esta situação tem um efeito muito complicado, porque todo o mundo está pendente neste momento da crise econômica nos Estados Unidos e em outros países do Norte rico.
“Obviamente, há cadeado no bolso. E não aumentará a crise norte-americana, nem a europeia, se for entregue um pouco de comida às crianças que estão nos acampamentos africanos”, ressaltou Bengoa. Entretanto, “é muito importante que no comitê se diga e que no Conselho se veja que isso ocorre nos acampamentos de refugiados da fome, onde as pessoas estão sob responsabilidade da ONU. E é gente que recebe por dia apenas um mínimo de calorias. Estão em um nível de famintos”, descreveu o especialista chileno. Em síntese, “temos aqui um caso de responsabilidade das Nações Unidas”, que deve fazer um chamado urgente aos países, insistiu.
Outro aspecto da crise que Bengoa destacou é a questão do desenvolvimento mais amplo. Isto é, as consequências da falta de programas de desenvolvimento nessa região da África, a falta de ajuda internacional e de cooperação. “Todos estes temas, que aqui na esfera internacional são tão discutidos teoricamente, não são aplicados na prática”, destacou.
Diante desta conjuntura, a única perspectiva realista, que, se conseguirmos, será um êxito, “é uma reunião urgente do Conselho de direitos humanos e que nesse encontro os países mais ricos se comprometam, pelo menos, com a vontade de contribuir, de participar com a intenção de contribuir”, disse o especialista. Também se “poderá alegar que esses compromissos tampouco são cumpridos, mas, no entanto, ficam registrados no papel. A França tem os silos cheios. Não é que a Europa esteja sem alimentos para enviar à África”, acrescentou Bengoa.
Na resolução da Assembleia Geral da ONU que criou o Conselho de Direitos Humanos, em março de 2006, em substituição à Comissão de Direitos Humanos, ficou estabelecido que quando 17 Estados demandassem ao novo organismo uma reunião especial sobre um problema atual, grave e imediato, que cause violações de direitos humanos, o órgão deveria convocar a sessão especial. Neste caso, “está sendo violado o direito à alimentação de 12 milhões de pessoas de cinco países”, assegurou Ziegler. Portanto, a proposta de Bengoa se ajusta perfeitamente ao mandato do Conselho, acrescentou.
Ziegler ressaltou que, dos cinco países afetados, nenhum tem reservas de alimentos por causa de uma seca que se estende há cinco anos, e as colheitas foram diminuindo paulatinamente até desaparecerem. Isto demonstra que se trata de uma situação que era previsível, afirmou. “E não têm reservas porque os preços das matérias-primas alimentares explodiram pela especulação, porque os grandes fundos especulativos (hedge funds) emigraram, diante das grandes perdas nos mercados financeiros, para as bolsas de produtos básicos agrícolas”, ressaltou.
E isso, segundo o especialista, é uma violação ao direito à alimentação porque dessa forma se impede os Estados de armazenar reservas de urgência porque para isso precisam pagar. “Em consequência, é preciso proibir a especulação sobre os alimentos básicos, que são arroz, milho e trigo, que cubram cerca de 75% do consumo normal”, propôs. Ziegler relatou alguns dos recentes episódios do mercado financeiro internacional, relacionados com a atual crise no Chifre da África.
Há 15 dias, a Grécia recebeu uma transferência de US$ 157 bilhões para salvar bancos e empresas financeiras, afirmou. Esse dinheiro foi para os gregos para que pudessem pagar aos bancos ocidentais. Entretanto, em uma conferência realizada em Nairóbi o PMA solicitou, para o período de 15 de julho a 15 de agosto, US$ 4,2 bilhões, e só conseguiu um terço dessa quantia. Segundo a mesma versão, Alemanha, Itália, Espanha ou outros países europeus podem adiantar milhares de milhões de euros para seus bancos, e esses mesmos países cortaram brutalmente, a partir de 2008, suas cotas para o PMA.
Para reparar essa violação do direito à alimentação é preciso proibir a especulação na bolsa de alimentos básicos, obrigar os Estados a honrarem suas obrigações estatutárias, porque o PMA é uma Convenção, e, ainda, reduzir maciçamente a dívida dos países mais afetados pela fome atualmente, propõe Ziegler. Envolverde/IPS
(IPS)