quinta-feira, 16 de junho de 2011

Blogueiros, organizai-vos!...., mas nem tanto.


 
Antonio Fernando Araujo*
 

Fala-se nos dias de hoje e podemos mesmo presumir que nas eleições presidenciais de 2002 alguns
dos atuais blogueiros já eram de certa forma atuantes na blogosfera e, com seus pitacos, certamente
deram uma colaboração ainda que modesta para a primeira eleição de Lula. Entretanto, foi só em
2010, mais precisamente em agosto, que esses precursores, junto com outros que foram surgindo
desde então, puderam reunir-se formalmente. Em janeiro de 2009, a ideia de um encontro chegou a
ser aventado no Fórum Social Mundial, de Belém do Pará. Mais tarde, em dezembro, ela foi 
relembrada no Fórum de Mídia Livre e meses depois num Sujinho paulista com cerca de dez ativistas
blogueiros, aparentemente cutucados pelo jornalista Luiz Carlos Azenha foi finalmente aprovada, seria
em São Paulo. Ele teria se inspirado nos blogueiros progressistas norte-americanos que
aglutinaram-se numa cooperativa e conceberam o Netroots. Um encontro similar a esse marco
constituiu-se naquela noite em um objetivo daquele grupo. Em seguida foi a vez do Centro de Estudos
da Mídia Alternativa Barão de Itararé, fundado quase que na mesma ocasião, maio de 2010, à frente os
blogueiros Altamiro Borges e Cristina Lemes, esta do blog Viomundo, mobilizar o universo de
internautas em todo o Brasil. Finalmente, em 22 de agosto, sob o emblema “a liberdade da internet é
ainda maior que a liberdade de imprensa”, que o sr. Ayres Britto, ministro do STF garantira, puderam
então, ao final desse encontro, proclamar aquela que mais tarde seria conhecida como a Primeira
Carta dos Blogueiros Progressistas.

É claro que, só porque essa Carta reconheceu a necessidade de integrar mais os blogues, de
aprimorar a diversidade informativa, defendeu a neutralidade na rede, a regulamentação dos artigos da
Constituição que tratam da comunicação, o combate sem trégua às formas de censura e proposto o
acesso público e universal à banda larga, isso signifique que o projeto desafiante mais amplo de tornar mais democrático o espaço por onde hoje transitam as informações, o saber e a cultura já tenha sido edificado em seus termos estruturais, decorrido já quase um ano, quando cerca de 330 blogueiros e
ativistas, oriundos de 19 estados, a redigiram e aprovaram-na por unanimidade.

Entretanto, ainda que aquela Carta produzida em 2010, tenha se imposto para esse grupo de entusiasmados blogueiros como necessária, ela só ocorreu por ter sido preparada por uma espécie de mutação que se verificou no campo da percepção de que a mídia impressa tradicional já não satisfazia inteiramente as exigências de setores mais conscientes e intelectualizados e portanto mais exigentes que na sociedade buscam informações de conteúdo mais denso e, principalmente mais merecedoras de crédito. A velha mídia, à qual estava sujeito quase todo o time de consagrados jornalistas, há pouco mais de uma década viu seu poder econômico e político começar a definhar em favor de uma nova geração de articulistas, os blogueiros, forjada no bojo do desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação verificadas especialmente no campo da informática, via internet. E se imaginarmos que em 1999, segundo o blogueiro Renato Rovai, não havia mais do que 50 blogues e em fins de 2010, segundo estudo da Technorati “State of Blogosphere”, citada por ele, já somavam mais de 130 milhões, não há dúvida de que "o fim da era do monopólio da informação, há muito já foi decretado".

A par dessa realidade - que não é nosso objetivo rever aqui -, trago à tona uma questão que também salta aos olhos. De que forma esses pioneiros da blogosfera começaram a se articular a tal ponto de, num tempo relativamente curto, tenha sido possível perceber que, de fato, essas novas mídias eletrônicas - e agora destaco as redes sociais que germinaram nesse mesmo período - começaram a fazer um contraponto jornalístico às opiniões e fatos divulgados pela imprensa tradicional - jornais, revistas, rádios e TVs - controlada por meia dúzia de famílias no Brasil? Ora, respondo, simplesmente, não se articularam e ainda assim passaram a contribuir para que mudasse radicalmente a face da comunicação ao inaugurarem, de uma forma quase anárquica, um capítulo novo na história da modernidade ao recusarem organizar-se nos velhos moldes dos sistemas jornalísticos em que uma estrutura piramidal estabelece o conteúdo do que será impresso ou exibido, levando em conta quase
sempre e apenas os interesses mercadológicos ou políticos do conjunto patronal que os dirige. Nada
disso, respondem ainda os blogueiros, não há nenhuma "autoridade" acima deste cidadão ou cidadã,
senhor ou senhora de suas opiniões, fontes e autores de suas próprias verdades porque são capazes
de avaliar o mundo e os acontecimentos em volta, desenvolver com os olhos da inteligência, da honestidade, da ética e da boa-fé, uma intensa atividade civilizatória, livres e soberanos no exercício
das suas razões, libertos das ordens emanadas de patrões e refletindo assim a imensa pluralidade de
opiniões e valores existentes no conjunto da sociedade.

Está claro então que no horizonte da luta blogueira se interpõem uma nova "classe" em ascensão de
comunicadores independentes, jornalistas, ativistas das redes, colaboradores e comentadores na
trincheira dos seus blogues e microblogues, e a velha mídia, estruturada como fonte de receita e lucro,
dependente dos esquemas tradicionais de produção, distribuição e consumo. Os primeiros, em espaços de debates múltiplos, não raro sobre um mesmo assunto, trocas e mais trocas de opiniões, o contraditório à flor da pele, o vai-e-vem de comentários, de concordâncias e discordâncias num ambiente dinâmico, ágil e gratuito, totalmente inconcebível quando se pensa nos diagramas engessados, de opiniões e relatos de mão e pensamentos únicos da imprensa tradicional, aquela que, por ter se partidarizado, inspirou o veterano jornalista e blogueiro Paulo Henrique Amorim a cunhar a bem-humorada sigla PiG, do Partido da imprensa Golpista, inspirado naquilo ao qual o deputado
Fernando Ferro (PT-PE) aludia enquanto analisava o papel que essa poderosa imprensa desempenhou em 2005-2006 - até então, ainda a única formadora de opinião -, tendo em mente a ideia de desestabilizar e depor o governo Lula, às voltas com o fantasioso esquema do "mensalão".

Mas engana-se quem imagina que, ao longo desse tempo, os blogueiros tornaram-se uma espécie de
confraria, de uma seita ou de um partido político e daí teria advindo essa força que já incomoda tanto. Nada disso. Nenhum laço orgânico os une a não ser eventuais convergências de ideias, algumas metas comuns em decorrência de uma empreitada a ser levada a cabo, uma determinada atmosfera cultural ou política que os aproxima e os fazem participar de uma espécie de "espírito comum" ainda que tudo isso se manifeste através de múltiplos pontos de vista, em uma imensa variedade de blogues distintos, cada um portando sua "cara", como se fosse a marca própria da sua vitalidade e da aversão aos vícios e maus costumes dos grandes veículos da mídia tradicional que com o passar do tempo cristalizaram-se em torno do descomunal poder de quem eu chamo de "a grande família G.A.F.E. da imprensa", o onipresente quarteto, Globo, Abril, Folha e Estadão.

"O que fazem agora, esses blogueiros históricos de modo audaz, é tomar para si o necessário e autêntico protagonismo de quem escreve, diariamente, essa nova história que constroem com sua militância nacionalista, desinteressada, democrática, 'utópica'. Esses brasileiros audazes, que caminham 'sobre as águas desse momento', estão mudando a cara da comunicação no Brasil. Quem viver verá. O Brasil muda e a gente muda junto com ele", vibrou com acerto Lula Miranda, no sítio Carta Maior.

Assim, é com natural apreensão que vejo surgir na dimensão desses verdadeiros propagandistas e
agitadores de uma nova era no campo da comunicação, alguns esboços de projetos que visam
aglutinar os blogueiros em associações, cooperativas ou movimentos. Mal percebem que esses revolucionários, não necessariamente progressistas (ou pelo menos até que se acure melhor o significado do termo) que há 10 anos partiram para o assalto do poder midiático foram beber na fonte de um rico manancial de ideias que desde a aurora da humanidade teima em se manter viva no espírito de todos os povos e no de cada cidadão, a independência. A luta de cada um no sentido de dissipar qualquer ranço de arcaísmo oriundo da imprensa comercial fica evidente e logo transparece na ânsia de reconstruir com a sociedade um vínculo da lealdade que foi quebrado no instante em que aquela mídia abandonou seus compromissos com a verdade. E como já foi dito, essa reconstrução, para ser autêntica, para que represente de fato uma ligação umbilical com o novo, terá que ser múltipla, não se apresentar como um uno, como uma doutrina sistemática oriunda de um partido ou condomínio homogêneos, provedores de um aparato ideológico mais do que suficiente para que, em pouco tempo, se reproduzam os habituais rachas nessa "unidade na diversidade" e proliferem um sem número de associações, cada uma atada às idéias próprias de seu grupo partidário numa disputa que em nada traduzirá os anseios que a história lhes reservou como o seu momento: a construção de um antídoto a esse "porre que é o pensamento único" (L.C. Azenha), tão bem definido, pensamentos únicos que a partir daí encontrarão abrigo nos diversos agrupamentos, que passarão então a reproduzir entre os seus, os mesmos conflitos e as mesmas feições da mídia arcaica que está em crise e contra a qual tanto lutaram. Como quase sempre se constata entre as esquerdas o adversário original então cede lugar ao grupo ideológico vizinho que tendo desafinado num parágrafo do texto ou numa esquina da luta tornou-se o inimigo maior a ser desmoralizado e abatido.

A par desses temores é importante contudo assinalar que, sem que representem ameaças à autonomia dos autores, se criem mecanismos para prover de recursos financeiros blogueiros, ativistas e colaboradores, entre outras iniciativas, democratizando as verbas publicitárias governamentais. É inadiável que esforços sejam feitos para que uma manta de proteção jurídica se estenda sobre a liberdade de expressão dos que se dedicam ou colaboram com os blogues. É vital que se crie o Conselho Nacional de Comunicação e que políticas públicas ampliem o acesso da população a essa mídia eletrônica para que as mensagens desses visionários e livres pensadores cheguem intactas a uma sociedade que se almeja emancipada, autônoma, livre dos preconceitos do passado, moderna e educada para perceber o papel político que lhes cabe desempenhar a cada virada de página.
Qual organização horizontal ou transversal deverá brotar, fruto dessa necessidade objetiva, é algo que
concretamente surgirá da prática política como tem sido até hoje, ancorada primordialmente na ampla
autonomia exercida em todo o seu potencial por cada blogueiro ou ativista e em encontros locais como já vimos acontecer, como nesse nacional que ora ocorre em Brasília e em outros que ainda veremos ao longo deste 2011 e nos anos vindouros. Propostas de lutas, linhas de atuação e mobilização, os novos fatos suscitando outros debates que a dinâmica da comunicação se incumbirá de ir dando feições originais e, a pleno vapor, a "liberdade da internet", a mesma preconizada pelo ministro Britto, livre das amarras que se utilizam para frear as utopias. Daí reafirmo, blogueiros e ativistas, organizai-vos!..., mas nem tanto.
 
*Antonio Fernado Araujo é colaborador deste Blog