sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O que o Brasil tem a ganhar com a Confecom

Se você é leitor de jornalões como a Folha de S. Paulo e O Globo, ou da revista Veja, já percebeu que os barões da mídia não querem o sucesso da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), nem muito menos aceitam que seja aprovada qualquer mudança nas regras que hoje regulam esse setor no Brasil. Um "especialista" ouvido pelo Globo chegou ao absurdo de dizer que "não se pode atacar uma imprensa que combateu a ditadura e defende a democracia" (!). Veja, neste artigo do jornalista Beto Almeida publicado no início de novembro em Carta Maior, que a mídia não é nem sombra de como descreve a si mesma e o que pode mudar no país a partir da Confecom.

A agenda da comunicação sai da penumbra

por Beto Almeida*

“Há coisas que o mercado não tem interesse em fazer.” Lula

O tema sempre foi tabu. Tema proibido. Temos uma fileira de vítimas da ditadura midiática, - intelectuais , pensadores, sindicalistas, jornalistas e artistas - por terem defendido que o progresso tecnológico comunicacional deve ser tratado como patrimômio da humanidade e servir como fator de elevação da civilização, embelezamento das relações humanas, da própria vida.

Agora no Brasil, a convocação da I Conferência Nacional de Comunicação coloca o tema na agenda política do Estado e da sociedade. Permite que conheçamos a gigantesca dívida informativo-cultural que se avolumou contra o nosso povo. Um verdadeiro entulho. E novas informações vão surgindo, desmontando mitos, iluminando áreas de sombras, revelando que algo se move aqui e em boa parte da América Latina.

Argentina mostra um caminho
Ventos democráticos sopram da Argentina com sua nova lei de comunicação, quebrando o monopólio do Grupo Clarin, fortalecendo os veículos estatais e abrindo 33 por cento da comunicação para a sociedade, até para a CGT e as Universidades Públicas. Telesur, como tv da integração latino-americana e dos povos do sul, vai se consolidando, ampliando seu alcance para a África. Surge uma cadeia de rádios indígenas na Bolívia e também um jornal público, o “Câmbio”, que em 6 meses de vida já tem circulação igual ao maior jornal da burguesia racista boliviana, com décadas de existência.

Na Venezuela, a Revolução Bolivariana quebra o tabu que considerava o tema comunicação intocável e faz a Constituição valer mais que os privilégios dos magnatas midiáticos: quando um concessão de rádio e tv termina, termina mesmo, ela não tem porque ser renovada automaticamente como se fosse privilégio vitalício das oligarquias. O Equador caminha para fortalecer o seu jornal público, “El Telégrafo” e também promove uma reorganização democrática no sistema de concessões de tv e rádio, ampliando, consolidando e qualificando a comunicação pública.

A diferença do Brasil é que em todos estes países os governos populares possuem maioria parlamentar. Além disso, em países como a Argentina a TV já nasceu pública, tendo recebido forte impulso durante o governo de Perón, período em que tv, rádio e até mesmo jornais como o La Nación, grande jornal da oligarquia, foram estatizados. No Brasil a TV já nasce nas mãos de gente como Assis Chateaubriaand, seguindo o padrão comercial vulgar norte-americano, chantageando e ameaçando presidentes como Vargas e JK, impedindo que os dois levassem adiante o projeto de criação de uma TV Nacional, só recentemente recuperado pelo presidente Lula. A Argentina chegou ter políticas públicas culturais e educacionais muito expandidas pelo peronismo, de tal sorte que eliminou o analfabetismo e conquistou padrões de leitura, artísticos, culturais, científicos e educacionais elevadíssimos para um País da América Latina.

Vargas, uma experiência golpeada
Vargas seguia nesta linha. A Rádio Nacional foi a mais importante e experiência comunicacional no sentido da brasilidade, da nacionalidade e de valores populares. Criou uma paixão radiofônica brasileiríssima, que não tem porque não ser recuperada. Também na Era Vargas foram criados, a Rádio Mauá – a emissora do trabalhador - o Instituto Nacional de Música, dirigido por Villa-Lobos, o Instituto Nacional de Cinema Educativo, conduzido por Roquette Pinto , o Instituto Nacional do Livro, por empenho de Carlos Drummond de Andrade e também o Instituto Nacional do Teatro.

Vargas já havia despertado para a importância da televisão quando uma conspiração internacional, de matriz norte-americana, petroleira, e com o apoio de uma conspiração nativo-oligárquica-televisiva, o levou ao suicídio. Com ele, para o túmulo, também foi o sonho de uma tv pública....JK tentou ressuscitá-lo, foi pressionado, chantageado, forçado a abandoná-lo.

Talvez não seja muito justa a simples condenação a Lula porque não teria, segundo alguns comunicadores, a mesma decisão e coragem dos presidentes da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela em matéria de comunicação. O peso do capitalismo aqui é infinitamente maior, mais desenvolvido, o que constitui-se numa dificuldade adicional, mais complexa, juntamente com a inexperiência de uma comunicação pública como a vivida pelo povo argentino no passado. E, sobretudo, por não ter maioria parlamentar, além de contar com significativas contradições na sua base aliada, composta também por empresários da radiodifusão. Lula não pode ignorar o resultado das urnas de 2006... Mais
*é membro do Conselho Diretivo da Telesur e presidente da TV Cidade Livre de Brasília